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O consumidor nem sempre quer proteção

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Atualizado às 07:39

Todo ano a Caixa Econômica Federal (CEF) promove o Feirão da Casa Própria em várias cidades pelo Brasil, evento que atrai milhares de consumidores que vão atrás de, também, milhares  de imóveis novos e usados. Normalmente, são fechados dezenas de milhares de contratos, gerando movimento de bilhões de reais. Neste ano, o Feirão será virtual.1

Eu já tratei anteriormente desse assunto, que implica numa situação inusitada: a aquisição pelo consumidor do bem mais importante de sua vida, a casa própria, sem a investigação prévia que se espera para esse tipo de transação.

Fica difícil tentar proteger o consumidor que não quer ser protegido. Aliás, esse é um bom exemplo de que excesso de proteção não ajuda em nada. Nossa legislação é protecionista; os órgãos de defesa do consumidor produzem proteção o tempo todo; o Poder Judiciário, na dúvida, como não poderia deixar de ser, decide a favor da parte vulnerável, isto é o consumidor; enfim, sobra proteção. Mas, não é que o consumidor age de maneira estranha e abre mão de todo esse aparato protecionista?

Há motivos psicológicos, claro, e os fornecedores conhecem bem o perfil de seus clientes, mas alguns comportamentos dos consumidores são um pouco fora da curva. A participação nesses "feirões" parece-me um bom exemplo.

Com efeito, o chamado "feirão da casa própria", promovido regularmente todos os anos, é um esquema de vendas que acabou vingando. A CEF promove, por intermédio de anúncios espalhados na mídia, um tipo de oferta que envolve o consumidor em seus temores, anseios e esperanças. Ademais, nessa questão, surge o problema da desinformação, pois o comprador está agindo contra as cautelas normais e necessárias que se exige nesse tipo de transação. E com a agravante de tirar mercado dos advogados. Comprar um imóvel sem o aconselhamento de um advogado é um erro grave!

Uma casa ou um apartamento não deveriam jamais ser comprados numa exposição de fim de semana, como se a pessoa estivesse comprando frutas na feira livre ou numa liquidação tipo queima de estoque de roupas ou sapatos.  A casa própria é, para a grande maioria dos consumidores, repito, o mais importante (e mais caro) negócio da vida inteira. É a realização de um sonho e, por isso, deve ser tratado com a reflexão e o carinho que merece.

Indo numa dessas "promoções" (reais ou virtuais), o consumidor corre o risco de comprar um imóvel por impulso, sem qualquer avaliação objetiva, pois, quando chega ao local, sofre todo tipo de pressão e influência dos vendedores, cujo maior interesse é vender, fechar um bom negócio com polpudas comissões. Para o comprador, fica, às vezes, a frustração (mais uma e essa praticamente definitiva) de morar onde não tinha exatamente planejado e, ainda por cima, endividado pelo compromisso assumido de longo prazo (10, 15, 20 anos ou mais).

Ora, sabe-se que, antes de se comprar um imóvel, é preciso conhecê-lo, examinando-o para ver se ele atende às necessidades e expectativas. Deve-se vistoriá-lo não só de dia, no horário marcado pelo corretor ou vendedor, mas também em  outro período, procurando conhecer as condições da vizinhança à noite - barulhos, trânsito etc. É importante conhecer a região para ver se ela oferece aquilo que o comprador precisa, como escolas, farmácias, supermercados etc.

Aliás, como disse, esse tipo de operação rouba mercado dos próprios advogados, que deveriam ser sempre consultados antes do fechamento desse negócio. Não só há necessidade da produção e exame de certidões forenses e do Cartório do Registro Imobiliário, como da avaliação de todas as peculiaridades daquela específica operação jurídica. Por exemplo, a compra de imóvel por empreitada ou preço de custo ou feita pelo Sistema Financeiro de Habitação etc. envolve aspectos bem diferenciados. Em alguns casos é preciso inclusive checar se não há projeto para desapropriação do local: se o imóvel está localizado numa rua importante ou perto de estrada ou área de manancial etc. É preciso saber, ainda, em alguns casos, se a área não é de proteção ambiental etc.

Lembro, naturalmente, que cada situação comporta componentes próprios de avaliação que devem ser levados em consideração, além das preliminares e genéricas que apresentei. As questões concretas e particulares devem, por isso,  ser levadas a um advogado especialista.

É uma pena. O capitalismo é muito selvagem, ganancioso e egoísta e o consumidor apresenta-se cada vez mais abertamente frágil  em seus comportamentos e ações.  

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1 Disponível aqui. Serão oferecidos 180.000 imóveis.