COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. ABC do CDC >
  4. Quem manda no mercado de consumo?

Quem manda no mercado de consumo?

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Atualizado às 07:59

Há muitas teorias sobre o funcionamento e o exercício do poder. Poder real, efetivo, de fato e não apenas formal. Ou, em outros termos, poder de quem realmente manda e não de quem parece que manda.  E é comum usar-se a expressão "o poder do mercado"  para referir o mercado capitalista. Nesse caso, estar-se-ia falando do poder dos fornecedores sobre o consumidor e sobre  mercado em si.

A história mostra que ele existe mesmo, sendo capaz de fazer coisas boas e más; coisas belas e sujas. Basta ficar com a crise financeira de 2008/2009 para  apontar um exemplo de coisa suja feita no mercado dominado por administradores inescrupulosos e jogadores de todo tipo. Pessoas que detinham o poder para fazê-lo. E o poder dessas pessoas e desses bancos e demais instituições financeiras era tamanho, que em outubro de 2008, o governo americano forneceu 700 bilhões de dólares para socorrê-las.1  Os administradores dessas instituições haviam criado uma situação tal que não permitia que eles falissem. O controle por eles exercido e a maneira como eles se envolveram em amplos aspectos da vida econômica e social impedia, como impediu, sua quebra, pois esta afetaria todo o sistema financeiro, econômico, produtivo e social. Eles conseguiram tornar-se "grandes demais para falir".2

Mas, esse comando exercido por esses administradores e banqueiros estava garantido de que modo? Era consubstanciado no quê, propriamente? Não faço a pergunta pensando nos aspectos econômicos, financeiros ou produtivos. Faço-a sob a perspectiva do poder. Como é que eles fizeram o que fizeram, escaparam ilesos (e muitos deles milionários)? Como esse enorme poder no mercado tornou-se  possível?

Há, naturalmente, muitas explicações e que envolvem os produtos oferecidos, os aspectos da desregulamentação do sistema financeiro americano, os empréstimos de alto risco, a questão dos subprimes, o (super) endividamento dos consumidores etc. Mas, isso não me interessa aqui. Gostaria de abordar o aspecto menos visível, o do poder existente e como ele se tornou e se torna possível no mercado de consumo. (Estou usando o exemplo da crise financeira de 2008/2009 apenas para mostrar, desde logo, que os empresários exercem forte poder na sociedade).

Dentre as várias possibilidades de análise existentes, ficarei com alguns aspectos teóricos que envolvem a estrutura do poder, para que possamos refletir a respeito.

O poder quando é grande mesmo, não se utiliza da força, a não ser em situações especiais e não rotineiras. Ou, dizendo em outros termos, a força de quem detém um poder de verdade, forte, enorme, deve ser ocultada. Aquele que usa demais a força para conseguir obediência perde em legitimidade e, também, em poder. Pense-se no comando exercido por um pai ou uma mãe sobre o filho. Quanto menos força for usada mais poder e legitimidade haverá. Se um pai ou uma mãe apenas fala e o filho obedece, seu poder é enorme. Mas, se para obter obediência ele ou ela castiga o filho, tranca-o em casa, limitas suas ações, proíbe quase tudo, isto é, se exerce força física, então tem pouco poder. Se ela ou ele fala emitindo um comando e não consegue resposta (obediência), então terá sempre de recorrer à força física. Logo, vê-se a figura de um pai ou mãe fracos.

No mesmo exemplo, mas com uma  variável:  se uma mãe ou um pai,  para obter aquiescência do filho tem de mandar, depois ameaçar, depois chantagear ou dar um prêmio para conseguir obediência, seu poder também se esvai. Aliás, se a mãe ou o pai só consegue obediência do filho dando alguma coisa em troca, então quem tem poder é o filho e não a mãe ou o pai.

Dá para ver, por exemplo, o poder que teria um professor que pudesse entregar as provas para os alunos e dissesse: "Não colem. Vou ao banheiro e já volto". Depois saísse da sala e se, ao retornar, ninguém tivesse colado, realmente, teria muito poder.

(Há muitas nuances nos casos que estou trazendo e que permitem mais ampla abordagem. Por exemplo, o professor pode ter mais ou menos poder, dependendo da instituição a que ele pertença,  pois esta pode já inspirar confiança nos alunos e daí comando e  obediência. Do mesmo modo, a relação pai, mãe e filho não tem apenas aqueles estritos limites; há muito mais; há amor, carinho e proteção, por exemplo. Extraí apenas certos pontos para fincar a análise em alguns aspectos relevantes para nossa reflexão neste limitado espaço do artigo).

Dos fatos apresentados, outra ilação pode ser retirada: a relação de poder implica confiança. Quem tem poder de verdade manda e confia na obediência e quem obedece confia em quem manda. Aliás, é por isso que se diz que os filhos precisam de limites; necessitam que os pais imponham certos parâmetros de ação. Em certo sentido, os filhos pedem o comando, pois isto lhes dá segurança.

Daí que, confiança e poder geram segurança dos dois lados. Quem tem poder é seguro da obediência que receberá. Uma mãe que confia no filho, não fica perguntando toda hora o que ele faz ou fez. Mas, sabe que,  se ele fizer algo importante ou considerado errado, chegará em casa e contará para ela.

Destarte, os aspectos teóricos explicam que aquele que tem poder age com inteligência e conhecimento. Ele sabe muito bem quais são as possiblidades de ação do outro (daquele que vai obedecer ou não) e por ter essa sapiência sabe também quais são seus próprios limites: há coisas que ele nunca pode pedir nem mandar.

No que respeita ao mercado, os administradores bem formados e bem informados já de há muito tempo desenvolveram alta tecnologia de arquivamento de dados que envolvem  não só os consumidores como seus concorrentes - quando estes existem. Esses dados, bem coletados e bem estudados, permitem a tomada de decisão para os caminhos que a empresa deve tomar visando conquistar sua fatia de mercado (market share)  inicialmente, para fazê-lo crescer ou para consolidá-lo. Isso se faz, certamente, conhecendo muito bem os consumidores,  os concorrentes e também a si mesmo: seus produtos, seus serviços e a comunicação a ser feita a partir desse saber.

Note-se que as estratégias de marketing desenvolvem em larga medida a ideia de segurança (na marca, no produto, no serviço, na qualidade, no atendimento etc.), buscando firmar uma base de confiança (na empresa e em seus produtos e serviços).

O poder de uma empresa no mercado, portanto, está em larga medida ligada a capacidade que ela tem de se conhecer a si mesma (seus produtos, seus serviços, seus métodos de comunicação, de administração etc.), de conhecer profundamente os consumidores de seu público alvo (seus hábitos, seus desejos, suas necessidades etc.)  e ao mercado como um todo. Tanto no passado, como no presente e projetando perspectivas para o futuro. Esse tipo de tecnologia do conhecimento e da informação é um caminho na direção do poder no mercado, do controle das ações dos consumidores, dos concorrentes e, também, dos demais atores políticos e sociais que existem na sociedade.

__________

1 Ver a respeito desse assunto, por exemplo, Michael J. Sandel, Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 8ª. Ed., 2012, p. 21.

2 Idem, ibidem, mesma pág.