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A questão da garantia dos produtos usados

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Atualizado às 08:20

Pergunto: o produto usado goza da garantia legal do Código de Defesa do Consumidor (CDC)?

A resposta é sim, desde que se trate, de fato, de relação jurídica de consumo.

Como se sabe, existem relações jurídicas de compra e venda de produtos que não estão submetidas à égide da Lei n. 8.078/90 (CDC). E, como não poderia deixar de ser, uma parte dessas transações é feita tendo por objeto produtos usados. É o que ocorre quando uma pessoa vende seu automóvel para outra pessoa. Nessa hipótese a relação jurídica negocial está submetida ao Código Civil.

Contudo, quando o fornecedor típico vende para um consumidor um produto usado dentro de sua atividade, a relação jurídica é de consumo e está protegida pelo CDC.

Em relação a esse assunto é relevante que se coloque inicialmente que o CDC não faz distinção entre produto novo ou usado. E, como ele não distingue, ambos estão incluídos no rol dos produtos cuja relação de venda e compra é por ele regulada.

Assim, os prazos para reclamar previstos na lei, de 30 dias para produtos não duráveis e 90 dias para os duráveis, valem também para os casos dos produtos usados.

Dessa maneira, por exemplo, quando uma concessionária ou um comerciante de veículos vende um automóvel usado, esse produto tem a garantia legal, e o consumidor tem 90 dias de prazo para reclamar.

Mas daí surge um problema: se o veículo é usado, não é sinal de que já está desgastado? Então, como é que se pode falar em garantia?

Realmente, o produto usado não tem as mesmas propriedades, nem funciona como um novo. Então, como é que se vai definir a garantia?

Bem, há dois fatos:

a) o produto usado tem a garantia legal;

b) o produto usado não serve ao uso e consumo com a mesma eficiência do produto novo (nem tem o mesmo valor).

A garantia legal terá de ser, então, considerada segundo as reais especificidades do produto que estiver sendo comprado, bem como com as condições de oferta do fornecedor que o estiver vendendo.

Se o consumidor compra um automóvel usado, não pode esperar o desempenho de um novo, que os pneus não estejam desgastados, da mesma maneira que todos os demais componentes etc. Mas isso não implica que 15 dias após a compra o motor possa fundir. Cada caso será um caso. Mas, naturalmente, quem adquire um automóvel usado pretende utilizá-lo em sua própria qualidade (de usado).

As variáveis reais no caso do produto usado são em número incontável e, como disse, variarão em cada caso. De todo modo, faço a colocação apenas para moldar o tema no sistema legal consumerista.

Por isso, destaco que a responsabilidade é objetiva do fornecedor e a ele cabe especificar na oferta e/ou no contrato de compra e venda (ou na nota fiscal, no termo de venda e entrega etc.) as condições reais em que o produto está sendo vendido. Não basta colocar no documento "no estado". Essa expressão pode ter validade no direito privado, mas nas relações jurídicas de consumo tem eficácia contra o vendedor (fornecedor). Em caso de problema, caberá a ele demonstrar qual era o estado do produto e que este não apresentava as condições em que agora se encontra. E, para produto usado, o desgaste, como se viu, é sua condição. Logo, é mais prudente e mais adequado para atender à norma explicitar as condições do produto.

Por fim, afirme-se que na questão do produto usado aplica-se, também, a hipótese do vício oculto. E, como oculto, o vício pode manifestar-se semanas ou meses após o uso. É possível, por exemplo, ocorrer de um veículo sair de fábrica com vício oculto, que só se manifeste em mãos de terceiro consumidor que o adquiriu na condição de usado. Nesse caso, a responsabilidade pelo vício retroagirá pela sucessão de vendedores, podendo atingir a montadora.

Uma outra questão diz respeito ao exercício do direito garantido nas hipóteses do artigo 18 do CDC, envolvendo vícios de qualidade ou quantidade que tornem os produtos usados impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor. Tema que desenvolverei no próximo artigo.