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A garantia constitucional do direito à saúde e o mercado de consumo

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Atualizado às 07:51

O direito à saúde é uma garantia constitucional (arts. 196 e segs da Constitucional Federal).

Lembro que uma das virtudes da sociedade capitalista contemporânea é a do desenvolvimento da ciência, embora tenhamos descoberto recentemente, na pandemia do Covid-19, que ela não é tão desenvolvida como pensávamos.

De todo modo, a sociedade tem de se aproveitar das verdades científicas - quando elas são incontestáveis - em seu benefício. Eis um exemplo: em boa parte do século XX fumar era sinal de bom gosto e distinção. Nos filmes de Hollywood dos anos 40, 50, 60 e até 70 os personagens quase sempre estavam portando um cigarro, especialmente em situações sociais. Cigarro e glamour andavam juntos. E, não só em Hollywood, mas também no cinema europeu etc. Fumar era algo natural de se fazer.

Muito bem. Na medida em que a ciência avançou, foi-se descobrindo os malefícios do tabaco e  começou-se  a catalogar as diversas doenças causadas por seu consumo, assim como um número enorme de mortes. O Estado, por sua vez, passou a fazer a contabilidade dos prejuízos ocasionados com as doenças e as mortes. Conclusão: muitos países passaram a proibir a publicidade de produtos fumígenos, os impostos sobre esses produtos foram aumentados, passou-se a proibir seu uso em locais fechados e públicos etc., tudo visando fazer cair seu consumo. E, apesar da grita de alguns fumantes e, claro, dos fabricantes, as limitações e proibições vingaram muito bem.

Outro problema: a obesidade. Excetuando as tendências genéticas, os fatos demonstram que ela é uma doença e assim está definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O foco aqui é a questão ambiental: a ciência demonstra que a obesidade está ligada em boa parte ao consumo de produtos de baixa qualidade nutritiva e alta concentração de açucares, sais, gorduras, conservantes etc. Assim, com o apoio da ciência, vê-se que pode o Estado atuar no mercado para exigir, por exemplo, que os produtos alimentícios estampem informações mais precisas e mais claras. As embalagens poderiam também dizer dos malefícios que podem ocorrer pela ingestão excessiva. A publicidade poderia ser restringida. Nas escolas de ensino fundamental e médio,  poder-se-ia proibir que as cantinas vendessem porcarias. Enfim, o problema da obesidade ligada à alimentação deve ser tratada com o cuidado que o caso exige.

Quanto à publicidade, a existente atualmente é muito bem produzida para encantar pais e filhos, levando-os a mundos maravilhosos e oferecendo porcarias e bugigangas. As propagandas são belíssimas, com produção de dar inveja a filmes hollywoodianos, mas nunca dizem a quantidade de gorduras, açucares sais etc. E esses elementos são fortes nas redes sociais.

Mas, há também uma questão de tomada de consciência por parte do consumidor, que pode dizer não às ofertas, assim como pode mudar  seus hábitos alimentares. E em relação aos mais jovens, cabe aos pais regularem o modo de alimentação de seus filhos, crianças e adolescentes.

Há, de fato, um problema, como apontei: é a desproporção entre, de um lado,  a oferta e, de outro, a capacidade de crítica e obtenção de informações precisas pelos consumidores. Estes estão acuados, lutando pela vida no dia-a-dia do trabalho ou procurando empregos, estudando, cuidando dos filhos etc. Sobra pouco  tempo para refletirem sobre seus hábitos de consumo e se organizar para tanto. Por isso, muitas vezes o consumidor acorda tarde demais.

Uma ajuda viria a calhar. É por essas e outras que os consumeristas entendem que o Estado pode dar uma mãozinha. Sempre lembrando, que nós já temos uma excelente lei de proteção ao consumidor (o CDC), que garante direitos e regula obrigações, funcionando como uma boa alternativa para a defesa dos interesses e direitos de forma individual e coletiva.

De todo modo, é preciso que a informação dos produtos que os consumidores adultos e especialmente as crianças e adolescentes possam ingerir seja clara e ostensivamente oferecida e apresentada. 

Para terminar lembro a frase atribuída a Otto Von Bismark que diz "Se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas, não dormiria tranquilo". Penso que nesta sociedade em que vivemos, dominada pelo mercado, seria importante atualizar esse pensamento: "Se as pessoas soubessem como são feitas as salsichas e demais embalados e enlatados, os biscoitos, os sucos artificiais, os refrigerantes e várias bebidas de caixinhas etc. não as comprariam".