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Ainda não aprenderam a tratar bem o consumidor

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Atualizado às 08:01

Recentemente, meu amigo Outrem Ego, bastante nervoso, disse-me o seguinte:

"Sou cliente de uma operadora de tevê a cabo há mais de dez anos. Nunca atrasei uma só prestação. Nenhum mês. Há dias e semanas em que nem assisto nada. Algumas vezes o sinal foi cortado, fiquei sem imagem por falha técnica deles e jamais me deram um desconto.

"Pois bem, não sei bem o que aconteceu, mas a conta do mês de outubro ficou enroscada em outras - tenho muitas contas pra pagar. Vencia dia 10 e eu só vi dia 15. Paguei, então, no dia seguinte, 16. Mas, não é que recebi uma cobrança grosseira por e-mail, expedida no mesmo dia 16, dizendo que se eu não regularizasse meu débito em dois dias o sinal iria ser cortado.

"Empresários grossos e mal-educados. Será que não viram que foi um engano? Será que não distinguem bons clientes de maus clientes? Esses milhares de reais que eu entreguei para eles esses anos todos não valem nada?

"Fico pensando: se eu fosse cliente de um restaurante por igual tempo e fosse lá uma vez por mês comer e pagasse a conta direitinho... Será que, depois de dez anos, se eu tivesse esquecido a carteira, o dono do restaurante me faria lavar os pratos?

"É assim que eu me sinto: ultrajado. Os administradores desse capitalismo moderno são muito grossos!"

Infelizmente, sou obrigado a concordar com ele. O desprezo ao consumidor é ainda muito grande. Veja esse exemplo: nos anos oitenta do século passado, os bancos de primeira linha tinham uma técnica de cobrança que sempre levava em consideração o histórico dos clientes. "Uma coisa", diziam seus executivos, "é um novo cliente que logo no primeiro empréstimo deixa de pagar alguma prestação; outra, bem diferente, é um cliente antigo que sempre pagou em dia e que, de repente, atrasa".

Isso era não só elegante, como inteligente e técnico mesmo: se um cliente nunca deu problema, a probabilidade de que ela venha a dar, é  menor que daquele que começou na contramão. Ademais, o cliente antigo já rendeu muitos benefícios ao fornecedor e, por isso, merece uma maior consideração.

O que se observa é que, muitas vezes, o consumidor real é esquecido. A empresa trabalha com o número de clientes (consumidores) que tem, considerando-o um ativo do fundo de comércio dos negócios em geral.

Assim, se o consumidor não é considerado como uma pessoa real, mas como um mero número que tem certo valor econômico, não há mesmo necessidade de respeitá-lo e nem de enxergá-lo. A hipótese de perda de um cliente não é vista como uma descontinuidade dos negócios nem como um rompimento indesejado: basta que a situação esteja prevista dentro do quadro estatístico que cuida da inadimplência e das rupturas. Se estiver dentro do previsto, não haverá preocupação. São números. O consumidor é um número.

 E em alguns casos, o que se percebe é que a relação com os clientes piorou. Certas empresas agem com a mesma estratégia indelicada, considerando o consumidor apenas um número que representa uma certa receita mensal. Se for mais barato violá-lo, nem que seja por um aviso automático mandado via computador, é assim que será.

O lamentável é que, mesmo nesse automatismo, daria para criar modelos de cobrança para consumidores diferenciados: bastava corrigir a programação.