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Os contratos nas relações de consumo

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Atualizado às 07:48

Quando se pensa no contrato que envolve relações de consumo, é preciso lembrar que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece uma série de princípios e regras que precisam ser respeitados, como exponho a seguir.

Começo tratando do dever de informar, que é princípio e norma no CDC, por disposição do art. 6º, III, e art. 31. De fato, na sistemática da legislação consumerista  o fornecedor está obrigado a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preço etc., de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões.       

Trata-se de um dever exigido mesmo antes de se iniciar qualquer relação. Impõe-se ao fornecedor o dever de informar, na fase pré-contratual, isto é, na oferta, na apresentação e na publicidade. E essa informação obrigatória vai integrar o contrato.

Concomitantemente ao dever de informar, aparece no CDC o princípio da transparência, traduzido na obrigação de o fornecedor dar ao consumidor a oportunidade de conhecer o conteúdo do contrato previamente, ou seja, antes de assumir qualquer obrigação. Tal princípio está estabelecido no caput do art. 4º e surge como norma no art. 46, de modo que, em sendo descumprido tal dever, o consumidor não estará obrigado a cumprir o contrato.         

O CDC reconhece um fato: o de que o consumidor é vulnerável na medida em que não só não tem acesso ao sistema produtivo como não tem condições de conhecer seu funcionamento (não tem informações técnicas), nem de ter informações sobre o resultado, que são os produtos e serviços oferecidos.          

Esse reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal. Significa que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico.          

O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção não se está referindo apenas aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido.        

O segundo aspecto, o econômico, diz respeito à maior capacidade econômica que, via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor. É fato que haverá consumidores individuais com boa capacidade econômica e às vezes até superior à de pequenos fornecedores. Mas essa é a exceção da regra geral.        

Claro que essa vulnerabilidade se reflete em hipossuficiência no sentido original do termo - incapacidade ou fraqueza econômica. Mas o relevante na vulnerabilidade é exatamente essa ausência de informações a respeito dos produtos e serviços que se adquire.         

Por isso que, na interpretação dos contratos, tem-se de levar em conta a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor.

Com base na proibição de qualquer forma de abuso do direito, expressamente estabelecida nos arts. 39 a 41 do CDC, que regula as práticas abusivas, firmou-se o entendimento de nenhuma forma de abuso está permitida. A questão está fortemente enraizada e surge de vez e definitivamente como princípio basilar nas relações de consumo, obrigando o intérprete a considerá-la sempre como fonte para entendimento do contrato.

Na realidade, é preciso lembrar que o princípio do protecionismo é o que inaugura o sistema da lei consumerista. Decorre diretamente do texto constitucional, que estabelece a defesa do consumidor como um dos princípios gerais da atividade econômica (inciso V do art. 170) e impõe ao Estado o dever de promover a defesa do consumidor (inciso XXXII do art. 5º).

Por isso, no que tange às questões contratuais, não se pode olvidar o protecionismo que, superadas as demais alternativas para interpretação, tem de ser levado em conta para o deslinde do caso concreto.

Assim, vige o princípio da interpretatio contra stipulatorem. Com base nele, nos contratos de adesão, havendo cláusulas ambíguas, vagas ou contraditórias, a interpretação faz-se contra o estipulante. Contudo, na lei consumerista, esse princípio veio estampado de maneira mais ampla no art. 47, que estabeleceu que "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Isto é, toda e qualquer cláusula, ambígua ou não, tem que ser interpretada de modo mais favorável ao consumidor.

Por fim, lembro que o princípio da boa-fé objetiva acabou formando um "chapéu" em torno dos direitos subjetivos das partes, de modo que nenhuma forma de abuso do exercício do direito pode ser tolerada. Isto é, a boa-fé limita o exercício do direito subjetivo para evitar qualquer tipo de abuso, o mínimo que seja. E, neste caso, o princípio aplica-se tanto ao fornecedor como ao consumidor.

Como subproduto do princípio da boa-fé está o dever de cooperação e o dever de cuidado, que examino na sequência.

O verbo "cooperar" tem o sentido de operar simultaneamente, trabalhar em comum, colaborar. Em termos contratuais, então, o dever de cooperação nada mais é do que sempre colaborar para que o contrato atinja o fim para o qual foi firmado.

Será contrária ao dever de cooperação a ação do contraente que inviabilize a atuação da outra parte quando esta tentar cumprir sua obrigação. Por exemplo, a ação do fornecedor impondo certas dificuldades para que o consumidor efetue o pagamento: limitação de horas, especificação de locais especiais etc.

O dever de cuidado, por sua vez, diz respeito ao resguardo da segurança dos contraentes. Em poucas palavras, pode ser traduzido no dever de um contraente para com o patrimônio e a integridade física ou moral do outro contraente. É a obrigação de segurança que a parte deverá ter para não causar danos morais ou materiais à outra.