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O risco da atividade e a responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Atualizado às 08:44

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu a responsabilidade objetiva dos fornecedores (artigos 12, 13 e 14) pelos danos advindos dos defeitos de seus produtos e serviços. E ofereceu poucas alternativas de desoneração (na verdade, de rompimento do nexo de causalidade) tais como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Os vícios dos produtos e serviços seguem o mesmo modelo e rigor (artigos 18, 19 e 20).

Essa responsabilidade tem como base a escolha do fornecedor para o exercício de sua atividade. Na verdade, o risco da atividade está na raiz dessa escolha.

Com efeito, a Constituição Federal garante a livre iniciativa para a exploração da atividade econômica, em harmonia com uma série de princípios (CF, art. 170), iniciativa esta que é a escolha do empreendedor na sociedade capitalista contemporânea.

E uma das características principais da escolha na atividade econômica é o risco. Os negócios implicam risco. Na livre iniciativa, a ação do empreendedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. Por isso, a boa avaliação dessas possibilidades é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota. Mas o risco é de quem decide escolher.

É claro que são muitas as variáveis em jogo, e que devem ser avaliadas, tanto mais se existir uma autêntica competitividade no setor escolhido. Os insumos básicos para a produção, os meios de distribuição, a expectativa do consumidor em relação ao produto ou serviço a serem  produzidos, a qualidade destes, o preço, os tributos etc. são preocupações constantes. Some-se  o desenvolvimento de todos os aspectos que envolvem o marketing e  em especial a possibilidade - e, praticamente, a necessidade - da exploração da publicidade, arma conhecida para o desenvolvimento dos negócios. O empreendedor, claro,  deve levar  sempre em consideração todos os elementos envolvidos.

Aqui o que interessa é o aspecto do risco, que se incrementa na intrínseca relação com o custo. Esse binômio risco/custo (ao qual acrescentarei um outro: o do custo/benefício) é determinante na análise da viabilidade do negócio. A redução da margem de risco a baixos níveis (isto é, a aplicação máxima no estudo de todas as variáveis) eleva o custo a valores astronômicos, inviabilizando o projeto econômico. Em outras palavras, o custo, para ser suportável, tem de ser definido na relação com o benefício. Esse outro binômio custo/benefício tem de ser considerado. Descobrir o ponto de equilíbrio de quanto risco vale a pena correr a um menor custo possível, para aferir a maximização do benefício, é uma das chaves do negócio.

Dentro dessa estratégia geral dos negócios, como fruto da teoria do risco, um item específico é o que está intimamente ligado à sistemática normativa adotada pelo CDC. É aquele voltado à avaliação da qualidade do produto e do serviço, especialmente a adequação, finalidade, proteção à saúde, segurança e durabilidade. Tudo referendado e complementado pela informação.

Em realidade, a palavra "qualidade" do produto ou do serviço pode ser o aspecto determinante, na medida em que não se pode compreender qualidade sem o respeito aos direitos básicos do consumidor.

E nesse ponto da busca da qualidade surge, então, nova e particularmente, o problema do risco/custo/benefício, acrescido agora de outro aspecto considerado tanto na teoria do risco quanto pelo CDC: a produção em série1.

Com a explosão da revolução industrial, a aglomeração de pessoas nos grandes centros urbanos e o inexorável aumento da complexidade social, exigia-se um modelo de produção que desse conta da sociedade que começava a surgir. A necessidade de oferecer cada vez mais produtos e serviços para um número sempre maior de pessoas fez com que a indústria passasse a produzir em grande quantidade. Mas o maior entrave para o crescimento da produção era o custo.

A solução foi a produção em larga escala e em série, que, a partir de modelos previamente concebidos, permitia a diminuição dos custos. Com isso,  era possível fabricar mais bens para atingir um maior número de pessoas. O século XX inicia-se sob a égide desse modelo de produção: fabricação de produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, com um custo de produção menor de cada um dos produtos, possibilitando que fossem vendidos a menor preço individual, com o que maiores parcelas de consumidores passaram a ser beneficiadas.

A partir da Segunda Guerra Mundial,  esse projeto de produção capitalista passou a crescer numa velocidade jamais imaginada, fruto do incremento dos sistemas de automação, do surgimento da robótica, da telefonia por satélites, das transações eletrônicas, da computação, da microcomputação etc.

Muito bem. O risco da atividade é decidido pelo fornecedor dentro de sua área de atuação e, no caso de danos por vícios ou defeitos, ele responde de forma objetiva. Pode ser o fabricante de veículo ou de bebidas, o prestador de serviço se água ou energia elétrica, o construtor, o banco ou a financeira etc.

A escolha e o risco são do fornecedor. Se o fabricante de automóveis quiser produzir veículos com custos mais baratos, correndo o risco de aumentar os vícios de sua utilização, é decisão dele. Se um banco quiser oferecer crédito para pessoas de baixa renda, que estejam desempregadas ou com problemas de negativação, o risco é dele. No primeiro caso, o fabricante pode ter que recolher os veículos e consertá-los ou pagar indenizações e no segundo, o banco pode não receber o valor emprestado.

O risco é deles. E, no caso de vícios ou defeitos, a responsabilidade civil objetiva também.

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1 Por causa disso, a responsabilidade objetiva tal como regulada  remanesce como um grande problema, praticamente insolúvel, para aqueles que não produzem em série especialmente  pequenos produtores, microprodutores e fabricantes pessoas físicas de produtos manufaturados e pequenos prestadores de serviços (pessoas físicas e jurídicas). A lei consumerista não abre exceção para tais fornecedores, que acabam tendo de arcar com o peso da responsabilidade objetiva, como se grandes fornecedores de produtos e serviços em série fossem.