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Alguns aspectos históricos para bem entender o Código de Defesa do Consumidor - Parte 1

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Atualizado às 07:51

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), como sabemos, foi editado em 11 de setembro de 1990; é, portanto, uma lei muito atrasada de proteção ao consumidor. Por exemplo, passamos quase o século XX inteiro aplicando às relações de consumo o Código Civil, lei que entrou em vigor em 1917, fundada na tradição do direito civil europeu do século anterior.

Pensemos num ponto de realce importante: em relação ao direito civil, pressupõe-se uma série de condições para contratar, que não vigem para relações de consumo. No entanto, durante todo aquele tempo, no Brasil, acabamos aplicando às relações de consumo a lei civil para resolver os problemas que surgiram e, por isso, o fizemos de forma equivocada. Esses equívocos remanesceram na nossa formação jurídica, ficaram na nossa memória influindo na maneira como enxergávamos as relações de consumo, e, demoramos bastante para fazer uma limpeza dessa influência. E,  em algumas situações, ainda temos dificuldades para interpretar e compreender um texto que é bastante enxuto, curto, que diz respeito a um novo corte feito no sistema jurídico, e que regula especificamente as relações que envolvem os consumidores e os fornecedores.

No entanto, apesar de atrasado no tempo, o CDC acabou tendo resultados altamente positivos, porque o legislador, isto é, aqueles que pensaram na sua elaboração - os professores que geraram o texto do anteprojeto que acabou virando a Lei n. 8.078 (a partir do projeto apresentado pelo, na época, Deputado Geraldo Alckmin) -, pensaram e trouxeram para o sistema legislativo brasileiro aquilo que existia e existe de mais moderno na proteção do consumidor. O resultado foi tão positivo que a lei brasileira já inspirou a lei de proteção ao consumidor na Argentina, reformas no Paraguai e no Uruguai e projetos em países da Europa.

Olhemos, então, um pouco para o passado. Uma lei de proteção ao consumidor pressupõe entender a sociedade a que nós pertencemos. E essa sociedade tem uma origem bastante remota que precisamos pontuar, especialmente naquilo que nos interessa, para entendermos a chamada sociedade de massa, com sua produção em série, na sociedade capitalista contemporânea.

Vamos partir do período pós-Revolução Industrial. Com o crescimento populacional nas metrópoles, que gerava aumento de demanda e, portanto, uma possibilidade de aumento da oferta, a indústria em geral passou a querer produzir mais, para vender para mais pessoas (o que era e é legítimo). Passou-se então a pensar num modelo capaz de entregar, para um maior número de pessoas, mais produtos e mais serviços. Para isso, criou-se a chamada produção em série, a "standartização" da produção, a homogeneização da produção.

Essa produção homogeneizada, "standartizada", em série, possibilitou uma diminuição profunda dos custos e um aumento enorme da oferta, indo atingir, então, uma mais larga camada de pessoas. Este modelo de produção é um modelo que deu certo; veio crescendo na passagem do século XIX para o século XX; a partir da Primeira Guerra Mundial houve um incremento na produção, que se solidificou e cresceu em níveis extraordiná­rios a partir da Segunda Guerra Mundial com o surgimento da tecnologia de ponta, do fortalecimento da informática, do incremento das telecomunicações etc.

A partir da segunda metade do século XX, esse sistema passa a avançar sobre todo o globo terrestre, de tal modo que permitiu que nos últimos anos do século passado se pudesse implementar a ideia de globalização.

Temos, assim, a sociedade de massa. Dentre as várias características desse modelo destaca-se uma que interessa: nele a produção é planejada unilateralmente pelo fabricante no seu gabinete, isto é, o produtor pensa e decide fazer uma larga oferta de produtos e serviços para serem adquiridos pelo maior número possível de pessoas. A ideia é ter um custo inicial para fabricar um único produto, e depois reproduzi-lo em série. Assim, por exemplo, planeja-se uma caneta esferográfica única e a partir desta reproduzem-se milhares, milhões de vezes em série.

Quando a montadora resolve produzir um automóvel, gasta uma quantia X de dinheiro na criação de um único modelo e, depois, o reproduz milhares de vezes, o que baixa o custo final de cada veículo, permitindo que o preço de varejo possa ser acessível a um maior número de pessoas.

Esse modelo de produção industrial, que é o da sociedade capitalista contemporânea, pressupõe planejamento estratégico unilateral do fornecedor, do fabricante, do produtor, do prestador do serviço etc. Ora, esse planejamento unilateral tinha de vir acompanhado de um modelo contratual. E este acabou por ter as mesmas características da produção. Aliás, já no começo do século XX, o contrato era planejado da mesma forma que a produção.

Não tinha sentido fazer um automóvel, reproduzi-lo vinte mil vezes, e depois fazer vinte mil contratos diferentes para os vinte mil compradores. Na verdade quem faz um produto e o reproduz vinte mil vezes também faz um único contrato e o reproduz vinte mil vezes. Ou, no exemplo das instituições financeiras, milhões de vezes. Quem planeja a oferta de um serviço ou um produto qualquer, por exemplo, financeiro, bancário, para ser reproduzido milhões de vezes, também planeja um único contrato e o imprime e distribui milhões de vezes.

Esse padrão é, então, o de um modelo contratual que supõe que aquele que produz um produto ou um serviço de massa planeja um contrato de massa que veio a ser chamado pela lei 8.078 de contrato de adesão.

Lembre-se, por isso, que a primeira lei brasileira que tratou da questão foi exatamente o Código de Defesa do Consumidor: no seu art. 54 está regulado o contrato de adesão. E por que o contrato é de adesão? Ele é de adesão por uma característica evidente e lógica: o consumidor só pode aderir. Ele não discute cláusula alguma. Para comprar produtos e serviços o consumidor só pode examinar as condições previamente estabelecidas pelo fornecedor, e pagar o preço exigido, dentro das formas de pagamento também prefixadas.

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Continuarei na próxima semana.