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Por uma sociedade solidária

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:42

Para falar dos fundamentos básicos das relações jurídicas de consumo, lembro, mais uma vez, que o art. 3º, I, da Constituição Federal estabelece ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. 

Anoto, também, que nossa Carta Magna estabelece, no inciso III do art. 3º, outro objetivo fundamental da República brasileira: o da erradicação da pobreza. 

Em matéria de Direito do Consumidor esse aspecto é importantíssimo: é a própria Constituição Federal - de maneira inteligente - que reconhece algo real, o de que a população brasileira é pobre! 

A pobreza é elemento a ser levado em conta para a análise do sistema jurídico nacional, sempre visando encontrar alternativas para suplantá-la. 

E o texto maior é tão cioso deste problema que ao designar um piso vital mínimo de cidadania - conforme tratei em outro artigo ("O princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana", dia 30/11/23)  - estabelece que a assistência aos desamparados é direito social fundamental1. 

Logo, quando se vai estudar o Código de Defesa do Consumidor, tem-se que levar em consideração esse dado real e fundamento constitucional: a população é pobre; o consumidor é pobre. 

Estudar a lei 8.078/90 não é, portanto, avaliar aspectos jurídicos de uma comunidade rica, mas ao contrário é compreendê-la na sua incidência num mercado constituído de pessoas pobres, para perceber por que é que a proteção deve ser bastante ampla. 

Além disso e, também, como decorrência do estabelecido no inciso I do art. 3º do texto constitucional, a República brasileira tem como objetivo a construção de uma sociedade solidária. 

O sentido de solidariedade se pode extrair de dois tipos de concepções sistêmicas: mecânicas e orgânicas. As primeiras relacionando o funcionamento das partes ao todo e o deste àquelas, bem como das partes entre si para o próprio funcionamento do sistema total. E as segundas apontando para uma divisão do trabalho a indicar funções diversas a cada parte, mas que devido a sua solidariedade faz o todo funcionar. 

São exemplos desses sistemas o mecanismo do relógio, do corpo humano etc. Mas interessa-nos a aplicação da solidariedade ao sistema social, formado da somatória dos indivíduos. 

E, como é da forma organizada do grupamento social que se trata, e esta é composta de pessoas, cuja dignidade se garante e que têm para dirigi-las, orientá-las, norteá-las em suas condutas, é de acrescer àqueles elementos sistêmicos - tidos como de fato - outro, ligado ao sistema social concretamente em funcionamento, elevado a uma categoria moral. Trata-se de um dever ético que se impõe a todos os membros da sociedade, de assistência entre seus membros, na medida em que compõem um único todo social. 

Dessa maneira, podemos definir solidariedade com uma dupla condição, que designa: a) relações concretamente concebidas, díspares nas condições reais de cada participante, mas ligadas por solidariedade entre si, com o todo; b) situações individuais, relações entre essas situações e suas ligações com o todo e deste com cada uma, geridas por um dever maior, como norma que imputa solidariedade a todos.

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1 "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."