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Os defeitos do produtos e dos serviços - 9ª parte

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Atualizado em 10 de dezembro de 2025 07:49

Hoje continuo a análise dos defeitos que geram acidentes de consumo ou como diz o CDC (lei 8.078/1990), o fato do produto e do serviço.

Lembremos a redação do art. 13 do CDC:

"Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso."

Conservação inadequada

No artigo anterior examinamos as hipóteses dos incisos I e II. Vejamos agora o disposto no inciso III: a responsabilidade do comerciante por não conservar adequadatamente os produtos perecíveis trás implicações tanto do ponto de vista do direito material, como no aspecto processual, em especial quanto à prova.

Temos que adiantar o exame de uma questão processual, não só porque o CDC a faz surgir no transcurso do regramento do direito material, mas especialmente para elucidar pontos que possam efetivamente fazer valer as garantias do consumidor como quer a lei.

A norma é evidente: o comerciante é o responsável pela guarda adequada dos produtos perecíveis. Os exemplos são até singelos, aparentemente. É o caso do supermercado que não refrigera corretamente o queijo fresco, da padaria que deixa o iogurte fora do refrigerador, do açougue que deixa a carne ao ar livre.

De fato, não resta dúvida de que o comerciante responde.

Mas como é que se pode saber que o produto se deteriorou, de fato, nas mãos do comerciante?

A pergunta ganha relevo quando se pensa nas garantias indenizatórias que estão em jogo, ou seja, é preciso assegurar que o consumidor possa ressarcir-se dos danos que eventualmente sofra. E aí é importante sobremaneira a questão levantada.

Tomemos um exemplo para que o raciocínio possa prosseguir.

Suponhamos que um consumidor adquira no pequeno empório perto de sua casa um iogurte produzido por grande empresa multinacional. Verifica o prazo de validade e vê que está de acordo. No empório, retirou o pote de um aparelho refrigerador que estava em funcionamento. Chega em casa e coloca o iogurte na geladeira. No dia seguinte, o filho do consumidor, com dez anos de idade, pega o pote de iogurte, abre-o e ingere o conteúdo (note-se que o produto está dentro do prazo). A criança, alguns momentos depois, passa mal, intoxicada pelo iogurte, e tem de ser hospitalizada. A intoxicação é grave, os danos enormes. Os prejuízos materiais do consumidor são altíssimos, já que a criança permaneceu vários dias numa UTI.

Pergunta-se: em que momento e em que local o iogurte estragou-se ou foi infectado? Estaria a tampa aberta? Estaria o pote guardado em local inapropriado? O iogurte terá saído da fábrica multinacional já deteriorado? Se saiu, como é que o comerciante poderia saber? E se foi no distribuidor? Não poderia o distribuidor ter armazenado de maneira inadequada o iogurte? E se foi o distribuidor, como o comerciante poderia saber? E se foi durante o transporte que o iogurte sofreu deterioração, quer do fabricante para o distribuidor, quer do distribuidor para o comerciante, como este poderia saber? Afinal, o responsável pela deterioração, quem é? Mas, e pior, e se o produto se deteriorou no transporte feito pelo próprio consumidor: por exemplo, ele colocou o pote no seu automóvel, foi em seguida a um shopping e deixou o carro no sol o dia inteiro? Como saber?

O exemplo podia até complicar-se mais, porém o problema levantado até onde o foi já é suficiente para demonstrar a dificuldade da questão. Não é tão simples determinar quando e onde ocorreu a deterioração do produto perecível.

Ora, e como fica o consumidor, que teve o filho intoxicado, com graves problemas de saúde, e sofreu enorme prejuízo financeiro?

É natural que, se o consumidor pretende ressarcir-se dos prejuízos de ordem material sofridos e se pretende, também, reivindicar indenização por danos morais - como é o caso -, possa querer acionar a multinacional fabricante do produto.

Não resta qualquer dúvida de que um pequeno empório tem muito menos condições de garantir o resultado de uma demanda indenizatória do que uma grande empresa. E isso é tanto mais relevante quanto maiores forem os prejuízos. E se a criança falecer em função da intoxicação?

Veja-se que a questão, aparentemente singela do ponto de vista da hipótese do direito material, é problemática na referência ao aspecto da prova efetiva da deterioração do produto.

Por conta disso e tendo em vista a teleologia do CDC, que envolve a proteção do consumidor e a garantia da ampla reparação dos danos por ele sofrido (cf. o inciso VI do art. 6º), tem-se de entender que, na dúvida do consumidor sobre o momento e o local da deterioração do produto perecível, ele pode optar por acionar o comerciante ou o fabricante, ou o produtor ou o importador.

Com isso, já entramos na hipótese do parágrafo único do art. 13, que examinaremos no próximo artigo.

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Continua na próxima semana.