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Senado Federal: uma reforma necessária - Parte I

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Atualizado às 08:02

A mais difícil barreira que se ergue contra uma reforma institucional é que o seu sucesso depende da boa vontade de grupos e corporações que não possuem interesse em reformas. Manter as coisas como estão é condição para permanência no poder e para acesso a privilégios e regalias que, sem a blindagem estatal, jamais seriam alcançáveis.

Quem compreende a importância que as instituições possuem para um país jamais agirá para enfraquecê-las. Pelo contrário, agirá para fortalecê-las e esse fortalecimento passa, certas vezes, por reformas profundas, que podem envolver todo um processo de reconfiguração, cuja efetivação guarda inúmeras resistências.

É por isso que o debate em torno do desempenho das instituições se revela como parte essencial de uma democracia, emergindo a crítica construtiva como poderoso aspecto de aprimoramento institucional, símbolo de amadurecimento e de compromisso com dias melhores.

Nesta linha, apresento a primeira parte de uma reflexão em torno de modificações que entendo necessárias na configuração do Senado Federal.

Como parte integrante do Congresso Nacional é o órgão de representação dos Estados-membros da Federação. Nos termos do art. 46, § 1.º da CF, cada Estado e o Distrito Federal elegem três Senadores, com mandato de oito anos, totalizando 81 membros.

Dados oficiais mostram que o orçamento do Senado previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) para o ano de 2020 atingiu a cifra de R$ 4.593.081.147,00.1 Se você pensa que leu errado, reforço: quase 4,6 bilhões de reais para custear o trabalho de 81 Senadores e da estrutura administrativa que lhes é colocada à disposição.

Na data em que escrevo esta coluna, os dados oficiais apontam que o Senado possui 6.027 vínculos ativos de pessoal2 e 2.441 pessoas contratadas por regime terceirizado.3 Um verdadeiro exército de colaboradores, o que ajuda a explicar o montante das despesas.

É inevitável que em um país como o Brasil, marcado por carências estruturais expressivas e a falta de eficácia de inúmeros direitos sociais constitucionalmente assegurados, cheque o momento de se reavaliar a configuração do Senado Federal.

O ponto de destaque é que não podemos mais nos contentar com a afirmação, frequentemente divulgada por membros da classe política, de que a democracia não tem preço. Como todos os bens superiores, a manutenção da ordem democrática não pode ficar condicionada ao empenho de valores que estão totalmente desconectados da realidade social do país.

Vale dizer, é preciso investir na manutenção e no aprimoramento da democracia, mas não de forma irresponsável. É possível ter uma democracia funcional, que faça a diferença na vida das pessoas, voltada ao bem comum e à realização dos objetivos fundamentais da República, porém sem a necessidade de gastos estratosféricos. Basta que se invista na racionalização das nossas instituições políticas.

Na esteira deste pensamento, passo a um dos pontos que nos leva à reflexão em torno do aprimoramento das nossas instituições: a duração dos mandatos dos Senadores.

Qual é o sentido de um Senador possuir um longo mandato de 8 anos, já que todas as demais carreiras eletivas detêm mandatos de 4 anos? Atualmente, nada justifica essa exceção. Ela, aliás, acarreta várias desvantagens.

Se poderia argumentar que, ao contrário dos Deputados Federais, os Senadores, tecnicamente, não representam o povo, mas sim os Estados-membros da Federação. Esse argumento, embora verdadeiro, esconde a realidade.

Na prática, no sistema bicameral brasileiro, o Senado exerce as mesmas competências da Câmara dos Deputados no que diz respeito ao processo legislativo. Significa dizer que as espécies legislativas dependem da aprovação tanto da Câmara quanto do Senado o que, ao menos na prática, não consegue desvincular os Senadores da representação popular.

Muitas vezes, o Senado age para frear propostas legislativas diversas, oriundas da Câmara dos Deputados, contrárias aos interesses da população, sem que isso se enquadre em um assunto de interesse exclusivo dos Estados-membros.

Portanto, o Senador atua muito mais no interesse dos cidadãos do que dos entes da federação propriamente ditos. O problema é que mandatos de 8 anos contribuem para desconectar os Senadores desses interesses.

De fato, longos mandatos servem para distanciar o eleito dos seus representantes, pois tendem a gerar uma sensação de acomodação. Quanto mais curtos forem os mandatos, maior é a necessidade de o eleito trabalhar, constantemente, para se manter visível aos olhos dos seus representantes.

Esses longos mandatos tendem, igualmente, a despertar um sentimento de descompromisso entre os Senadores e a população. Isso porque no curso dos oito anos é muito comum que Senadores, em plena vigência dos seus mandatos, abandonem suas funções no Senado para se lançarem em disputas políticas nos seus respectivos Estados.

Normalmente, afastam-se dos seus cargos para disputarem Prefeituras de grandes cidades ou, o que é mais comum, o governo dos seus Estados. E isso, normalmente, com risco praticamente nulo, pois se não forem eleitos, podem, tranquilamente, reassumir as suas cadeiras, já que o seu mandato é de oito anos.

Aproveitam, assim, para aumentar a sua visibilidade, já que ao participarem ativamente das campanhas se mantêm na vitrine. Tudo isso financiado com verbas públicas, antes que nos esqueçamos. Aqui, vale a máxima de que aqueles que estão inseridos no sistema, possuem mais chances do que os que vêm de fora.

O problema é que, caso eleitos para os novos cargos ou meramente licenciados para as disputas eleitorais, assumem seus suplentes, que a rigor atuaram de forma praticamente anônima nas campanhas que elegeram os respectivos titulares.

Na prática, o suplente de Senador é eleito "nas costas" do titular. Caso você duvide disto, basta questionar: quem são os suplentes dos Senadores do seu Estado? Nós sabemos bem a resposta majoritária.

Isso faz com que, legislatura após legislatura, uma parcela significativa dos 81 Senadores que ocupam o salão azul do Congresso Nacional esteja lá sem votos. É o fenômeno conhecido como os "sem voto do Senado",4 cujos efeitos sobre o processo legislativo nacional ainda são pouco explorados.

Todas essas considerações, que serão retomadas nas próximas colunas, apontam que uma reforma política necessária deveria, inevitavelmente, pensar nestes pontos: fim do mandato de oito anos para Senador, redução de custos do Senado, mediante enxugamento da estrutura e redução dos privilégios e, logicamente, o fim dessa incongruente regra de eleição de suplentes.

Uma boa sugestão, que teria facilidade em guardar um relativo e confortável consenso na população, seria: mandatos de 4 anos para Senadores, eleição de apenas dois Senadores por Estado, ao invés de três, e a adoção da regra de que desincompatibilização no caso de um Senador pretender disputar outro cargo eletivo, transferindo a vaga para o imediatamente mais votado no Estado, independentemente do seu partido.

Ao final, retornamos para o início: como convencer os que se aproveitam das más regras para modificá-las? Não há outro caminho, a não ser a formação de um consenso popular neste sentido. Voltaremos ao tema em breve.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

4 Disponível aqui.