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Eleições proporcionais: se eleger pelos próprios votos é exceção

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Atualizado às 08:00

Concluído o primeiro turno das eleições gerais de 2022 é possível fazer uma análise dos resultados, do ponto de vista da viabilidade do sistema.

Na esteira do que escrevi na coluna passada1, sobre a importância da eleição dos membros do Legislativo, centro a análise na composição da Câmara dos Deputados, à luz do sistema de eleição proporcional.

Para se analisar os problemas do sistema proporcional é necessário entendê-lo. A sua lógica não é complicada. Complicados são os efeitos que ela gera.

Vamos à lógica.

O modelo de eleição proporcional centra-se na força de cada partido, dentro da distribuição dos votos válidos, excluindo-se os brancos e nulos.

Em um primeiro momento, os votos válidos são computados para cada partido ou federações partidárias, lembrando que as regras vigentes não permitem coligações nas eleições proporcionais.

Posteriormente, verifica-se o número de votos que cada candidato recebeu, dentro do partido, no que se costuma denominar de lista aberta.

Pelo critério da proporcionalidade os partidos ou federações partidárias que receberam mais votos elegerão mais candidatos e os com pior desempenho, menos.

Este é o motivo pelo qual candidatos mais votados por uma agremiação acabam, por vezes, sendo derrotados por outros, que embora com votação nominal inferior, foram eleitos por um partido que, no cômputo total de votos, teve melhor desempenho.

Ou seja, no sistema de eleição proporcional é possível que um candidato à deputado menos votado seja eleito, no lugar de outro que teve votação superior.

É por isso que no sistema de eleição proporcional o mandato é atribuído ao partido e não ao político.

Os resultados são determinados por um conjunto de fórmulas matemáticas, essas sim complexas, a partir do cálculo de dois quocientes.

O quociente eleitoral é definido pela divisão dos votos válidos (votos diretos em candidatos + votos apenas na legenda, excluindo brancos e nulos) pelo número de cadeiras em disputa.

É ele que determina o número de votos que o partido precisa para eleger um candidato.

O quociente partidário é definido pela divisão do número de votos válidos que cada partido ou federação obteve, pelo quociente eleitoral anteriormente calculado.

É ele que determina o número total de candidatos eleitos por cada partido ou federação.

Portanto, cada eleição possui um quociente eleitoral fixo no respectivo estado, para cada cargo em disputa (deputado federal ou estadual).

A partir daí, cada partido na disputa obtém o seu respectivo quociente partidário.

O sistema funciona com listas abertas de candidatos, de modo que ao votar em uma pessoa, o voto é atribuído à respectiva legenda pela qual concorre. E assim os partidos vão somando votos.

De acordo com as vagas conquistadas pelo quociente partidário, a ordem de eleição é definida pelos candidatos mais votados, dentro do partido.

Se o eleitor vota apenas na legenda, está sinalizando que não tem preferência de candidato, mas sim de partido, o que na prática transfere aos demais eleitores a decisão sobre quais candidatos do partido serão, efetivamente, eleitos.

Evidentemente que os resultados são números fracionários, que geram sobras de vagas, distribuídas por cálculos complexos, ligados à média de desempenho de cada partido.

Os números ajudam a ilustrar a sistemática de uma eleição proporcional.

Considerando os resultados divulgados pelo TSE2, tomando-se por base a eleição para a Câmara dos Deputados no ano de 2022, apresentam-se os números aproximados nos seguintes estados.

Pelo valor dos respectivos quocientes eleitorais percebe-se o número de votos que o candidato deve somar, para eleger-se pelas próprias forças, sem depender de votos de outros colegas de partido.

Por sua vez, o tamanho das bancadas partidárias dependerá do número de votos que o partido ou federação recebeu, o que será determinado pelo quociente partidário, um cálculo a ser feito para cada legenda.

A lógica é: quanto mais votos, maior será a bancada de cada partido na Câmara dos Deputados.

Eis que vem o dado aterrorizante.

Nas eleições de 2022, somente um em cada 20 deputados federais eleitos superou o quociente eleitoral.

Significa, na prática, que dos 513 deputados, somente 25 conseguiram se eleger com votos próprios, ou seja, sem depender dos votos totais obtidos pelo partido ou federação que concorreram3.

O número equivale a 4,87% do total de deputados federais.

À guisa de comparação, nas eleições de 2018, 27 deputados federais (5,26%) foram eleitos com votos próprios, o que revela uma tendência no modelo de eleição proporcional.

Qual é a consequência disso?

A principal é que o eleitor não tem o menor controle de quem será eleito com o seu voto.

Ao votar em um, pode eleger outro por tabela, que desconhece ou até mesmo não gosta.

Pelo complexo critério das sobras de votos, pode contribuir para eleger até mesmo um candidato de outro partido.

A pergunta que se coloca é: como uma democracia pode funcionar bem, se o sistema não permite ao eleitor controlar quem está elegendo com seu voto?

Se poderia argumentar que os partidos existem para apresentar ao eleitor quadros minimamente homogêneos de candidatos, dentro de um espectro ideológico-programático minimamente uniforme, o que relativizaria este inconveniente do modelo proporcional.

Entretanto, a realidade da política partidária brasileira aponta para outra direção.

Esta é a razão pela qual, em que pese o descontentamento com os representantes políticos ser expressivo, a renovação sempre se mostra abaixo do esperado ou, ao menos, incompatível com a rejeição que os políticos que já cumprem mandatos possuem.

Nas eleições de 2022 a renovação da Câmara dos Deputados ficou em apenas 39%4. Mais da metade, portanto, renovou o seu mandato.

Comparativamente, nas eleições de 2018 a renovação atingiu um patamar de 47%5.

É claro que a renovação, por si só, não significa aumento ou decréscimo de qualidade da representação política, mas é um indício que o sistema não traduz os anseios da população em geral.

Voltarei a explorar estes dados nas próximas colunas. Por ora, fica a reflexão: você concorda com um sistema eleitoral em que o eleitor - peça chave - não tem o controle de quem elege com o seu voto?

Democracia sem controle é uma democracia disfuncional.

Enquanto não entendermos, às claras, os motivos pelos quais o sistema político brasileiro definha, dificilmente compreenderemos as possíveis soluções.

As deficiências do sistema eleitoral praticado no Brasil ocupam um lugar de destaque da prateleira dos motivos que levam ao fracasso da política.

A adoção de um sistema eleitoral distrital, que não se confunde com o que se costuma chamar de "distritão"6, está na ordem do dia.

Ciente de que sem a boa política não avançaremos na solução dos problemas estruturais brasileiros, só nos resta avançar no estudo de aperfeiçoamentos.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui

3 Disponível aqui

4 Disponível aqui

5 Disponível aqui

6 Disponível aqui