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35 anos da CF: A evolução constitucional brasileira na proteção das mulheres como marco do avanço da instrumentalização da igualdade de gênero

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Atualizado às 08:21

Como de costume, as constituições anteriores a de 1988 não contaram com a participação de mulheres em suas construções. No período anterior à Constituição Cidadã de 88, nada se falava, de forma expressa, sobre igualdade entre homens e mulheres, em que pese o movimento feminista tenha se mantido forte, travando lutas a todo momento em busca da concretização dos seus direitos.

No Direito Civil, com base no Código de 1916, a mulher era considerada incapaz e ao homem era atribuído o papel de chefe da família.

No campo dos direitos políticos, em 1928 foi eleita a primeira mulher para um cargo público, Alzira Soriano, que tomou posse em 1929 como prefeita na cidade de Lajes/RN. Foi a primeira prefeita não apenas no Brasil, mas em toda a América do Sul. Ainda no falando em direitos políticos, apenas em 1932, há menos de cem anos, as mulheres passaram a ter a prerrogativa de participar da escolha dos representantes políticos por meio do voto (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2023)1, mas foi só em 1965 que esse voto se tornou obrigatório, equiparando-se aos dos homens.

No Direito Penal, apenas recentemente, em agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da legítima defesa da honra (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2023)2. Para aqueles que militam em defesa das mulheres, parece até um contrassenso que a Corte Suprema do país tenha que voltar seus olhos a uma discussão como essas atualmente, mas infelizmente até a decisão recente, ou seja, praticamente ontem, a tese ainda era muito utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra as mulheres para justificar o injustificável: o comportamento violento do acusado.

De fato, "a história da cidadania no Brasil tem como ponto alto a Constituição de 1988, que a reconheceu como fundamento da República, além de inaugurar e sistematizar um vasto conjunto de direitos - não por outra razão, foi chamada Constituição Cidadã." (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2023). A Constituição Federal de 1988 pode ser elencada como a Constituição mais democrática e avançada da história brasileira, inaugurando, portanto, o Estado Democrático de Direito, consagrado no art. 1º da Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos basilares da República Federativa do Brasil.

A dignidade humana e a importância dos direitos e garantias fundamentais, princípios basilares da Carta Magna, vêm para conceder aos cidadãos uma sociedade pautada em respeito e valores éticos, devendo a primeira ser tratada como princípio crucial e indissociável de qualquer relação, seja no âmbito jurídico, político, econômico ou familiar. Uma sociedade regida por um sistema democrático leva em conta valores como a igualdade, liberdade, justiça, solidariedade, tendo como fim tutelar a dignidade da pessoa humana (PAROSKI, 2008, p. 49).

A Carta de 1988 foi um marco importante para a transição democrática do Brasil. Proporcionou progresso no reconhecimento dos direitos individuais e sociais femininos, fruto do intenso trabalho de movimentos feministas,  que previamente mobilizou e sensibilizou diversos setores com a campanha "Mulher e Constituinte" levada para diversos estados do País, reunindo mulheres empunhadas com bandeira e os slogans "Constituinte Para Valer tem que ter Direitos da Mulher" e "Constituinte Para Valer tem que ter Palavra da Mulher".

Foi confeccionada, então, uma vasta escritura tratando dos direitos reivindicados pela população feminina, sob título de "Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes", apresentada ao Presidente da Câmara Federal e da Assembleia Constituinte, pelas 25 mulheres que formavam a "Bancada Feminina", também chamada de "Lobby do Batom", responsável por levar diversas demandas da população feminina a debate e conseguir a aprovação da maioria das propostas da Carta. O capítulo sobre os direitos individuais é inaugurado com a disposição de que todos são iguais perante a lei, sem qualquer forma de distinção, reafirmando assim o princípio da igualdade, representando importante marco para os direitos das mulheres e o movimento feminista, visando a busca pela equidade entre os desiguais.

Nas palavras de Ela Wiecko Castilho (MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ, 2023), "A Constituição de 1988 resultou de sonhos e lutas por um país fraterno, solidário e justo. Passaram 35 anos. Não é tempo suficiente para desistirmos desses sonhos e deixarmos de honrar a memória dos/as que foram calados/as, torturados/as e mortos/as ou dos povos que foram exterminados. Ouçamos a voz das periferias negras, dos jovens, das mulheres."

Algumas das reivindicações presentes nas emendas das parlamentares e nas emendas populares foram incluídas na Constituição de 1988, que equipara mulheres e homens em direitos e obrigações, definindo um novo patamar constitucional, inclusive no âmbito familiar. Além da igualdade ampla de direitos e deveres, merecem destaque também a proibição de diferenças salariais por razão de sexo, idade, cor ou estado civil, a previsão de licença-maternidade e licença-paternidade sem prejuízo salarial ou de emprego, a inclusão de trabalhadores e trabalhadoras rurais na Previdência Social, o planejamento familiar como uma livre decisão do casal, o dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares, o direito das mulheres presidiárias a manter seus filhos junto de si no período de amamentação e a titularidade de domínio e concessão de propriedade para mulheres e homens independentemente do estado civil.

No âmbito jurídico-normativo, a Constituição de 1988 ineditamente é marcada pela adoção da proteção dos direitos humanos, considerando a adesão do Brasil aos principais tratados internacionais de proteção dos direitos humanos.

E nesse sentido, ainda que no campo factual existam diversas lacunas a serem preenchidas, a Carta das Mulheres à Constituinte foi primordial para o alcance das referidas disposições, considerando que tinha como principais objetivos  "efetivação do princípio de igualdade (...); revogação de todas as disposições legais que impliquem em classificações discriminatórias; acatar, sem reservas, as convenções e tratados internacionais de que o país é signatário, no que diz respeito à eliminação de todas as formas de discriminação (BRASIL, 1987)".

Todo o panorama que traçamos até aqui evidencia os grandes avanços conquistados com a promulgação da Constituição de 1988 e nos seus 35 anos de vida. Mas não podemos deixar de questionar sobre tudo que ainda falta e, principalmente, seríamos omissas e ingênuas se acreditássemos que as conquistas atuais são suficientes e que alcançamos um patamar de igualdade. Nadar e morrer na praia nunca foi a pretensão de luta feminista, a intenção é chegar na praia e seguir caminhando. Caminhar e lutar enquanto houver algo a reivindicar. 

Referências

BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Carta das Mulheres, 1987. Disponível aqui. Acesso em 09 out. 2023.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. Nos 35 anos da Constituição, MPPR apresenta manifestações de mulheres da instituição e juristas sobre conquistas da Carta de 88, 2023. Disponível aqui. Acesso 08 out. 2023.

PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à Justiça na Constituição. São Paulo: LTr, 2008.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Faces da cidadania: os 35 anos da Constituição e o papel do STJ na concretização de direitos. Disponível aqui, 2023. Acesso em 08 out. 2023.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, 2023a. Disponível aqui. Acesso em 08 out. 2023.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Conquista do voto feminino completa 91 anos nesta sexta-feira (24), 2023. Disponível aqui. Acesso em 08 out 2023.

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1 Disponível aqui. Acesso: 08 out. 2023.

2 Disponível aqui. Acesso: 08 out. 2023.