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Lei 15.280/25, medidas protetivas de urgência, crime de descumprimento e microssistema protetivo das pessoas vulnerabilizadas

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Atualizado em 11 de dezembro de 2025 14:23

Publicada em 8/12/2025, a lei 15.280 altera vários dispositivos legais, com principal ênfase nos crimes contra a dignidade sexual. Apesar das diversas e importantes alterações, no presente artigo trataremos das medidas protetivas de urgência (art. 350-A), incluindo a proibição do imputado de exercer atividades (art. 350-B no CPP) e do crime de descumprimento de medida protetiva (art. 338-A no CP). 

1. Medidas protetivas de urgência (arts. 350-A e 350-B do CPP, incluídos pela lei 15.280/2025)

Doravante, além das medidas protetivas que envolvem as mulheres que sofrem violência no contexto da Lei Maria da Penha (arts. 22 a 24) e das estabelecidas na Lei Henry Borel (LHB) dirigidas às crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica ou familiar  (arts. 20 e 21), há, também, as que foram inseridas pela lei 15.280/2025 ao CPP (arts. 350-A e 350-B). De acordo com a nova Lei, as medidas podem ser aplicadas em caso de crimes contra a dignidade sexual (caput do art. 350-A) e para "crimes cuja vítima esteja em situação de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou incapazes, qualquer que seja o crime investigado" (§ 6º do art. 350-A). 

Um primeiro destaque acerca da lei 15.280/2025: enquanto a LMP e a LHB estabelecem duas espécies de medidas protetivas (as que obrigam o ofensor e as dirigidas às vítimas), a nova Lei limitou-se a criar medidas protetivas que obrigam o autor, não havendo dispositivo expresso para aplicar aos crimes contra a dignidade sexual e às vítimas vulneráveis as medidas dirigidas às vítimas, previstas nos arts. 23 e 24 da LMP e no art. 21 da LHB. Essa lacuna suscita várias questões que serão abordadas no item 4. 

Uma novidade é encontrada no art. 350-B, configurando uma nova modalidade protetiva dirigida ao agressor: proibição de exercício de atividade quando a atuação do agente envolver contato direto com a pessoa em situação de vulnerabilidade, o que pode alcançar tantos os casos de crimes praticados no contexto da LMP quanto na LHB, ou em qualquer outra situação em se vislumbre a existência de uma pessoa em situação de vulnerabilidade. Para que se aplique a proibição, três são as condições que devem subsistir: prova da existência do crime; indício suficiente de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. 

A proibição de exercício de atividade está colocada no novo Título do CPP que trata de medidas protetivas de urgência, significando dizer que, caso haja desobediência, configurará o crime de descumprimento de medida protetiva, tema a ser abordado na sequência. 

2. Crime de descumprimento de medida protetiva de urgência (art. 338-A no CP, inserido pela lei 15.280/25) 

Iniciamos esse item com um rápido apanhado histórico da sequência de tipos penais que preveem o descumprimento de medida protetiva de urgência: 

(a) Lei Maria da Penha - o art. 24-A, incluído pela Lei nº 13.641/2018, transformou em crime o descumprimento de decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência, sendo posteriormente alterado pela Lei 14.994/2024 (Pacote Antifeminicídio), que exasperou a reprimenda, que antes era de 3 meses a 2 anos, chegando à pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa;

(b) Lei Henry Borel - o art. 25 tipifica o descumprimento de medida protetiva de urgência em favor de criança ou adolescente vítima de violência no contexto doméstico e familiar, com pena de detenção de 3 meses a 2 anos;

(c) Novo art. 338-A do Código Penal - a lei 15.280/2025 incluiu no CP o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, com pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa, ou seja, a mesma prevista na LMP, após a alteração trazida pela Lei Pacote Antifeminicídio. 

A redação dada pela lei 15.280/25 ao art. 338-A, no Código Penal, repete o estabelecido no art. 24-A na LMP, e se mostra consequência necessária - e lógica - da inclusão no Código de Processo Penal do novo Título IX, que prevê as medidas protetivas de urgência, antes previstas apenas na LMP e na LHB. Assim, o tipo penal específico do art. 338-A, medida protetiva "em segunda camada", busca ser garantidora da efetividade e cumprimento das medidas protetivas previstas nos noveis arts. 350-A e 350-B do CPP. 

Destarte, na hipótese de descumprimento de medida protetiva de urgência aplicada em razão de crime contra a dignidade sexual ou qualquer outro praticado contra uma pessoa "em situação de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou incapazes" (arts. 350-A e 350-B do CPP, incluídos pela Lei 15.280/25) incide o art. 338-A do Código Penal. 

3. A sanção penal do novo crime de descumprimento de medida protetiva de urgência (art. 338-A do CP)

O novo art. 338-A do CP e o art. 24-A da LMP preveem o crime de descumprimento de medida protetiva e estabelecem a pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa; porém, na literalidade do art. 25 da LHB, para o mesmo crime, quando praticado em contexto que envolve violência doméstica e familiar contra criança ou adolescente, a pena prevista é bastante inferior, ou seja, detenção de 3 meses a 2 anos.

Do ponto de vista da política criminal, é difícil explicar por que o descumprimento de uma ordem protetiva destinada a criança ou adolescente - justamente quem a Constituição coloca sob "absoluta prioridade" (art. 227, CF) - teria tratamento mais brando do que o descumprimento em relação a vítimas adultas.

Na perspectiva hermenêutico-constitucional, o ingresso do art. 338-A no CP tensiona esse equilíbrio e suscita, pelo menos, três leituras possíveis:

(1) Derrogação tácita parcial do art. 25 da Lei Henry Borel, de modo que o preceito secundário (3 meses a 2 anos) seja substituído, por interpretação sistemática, pelo padrão mais gravoso de 2 a 5 anos de reclusão, em nome do princípio constitucional da proteção integral.

(2) Interpretação "em camadas", na qual o art. 338-A funciona como tipo geral para descumprimento de MPU, enquanto os arts. 24-A da Lei Maria da Penha e 25 da Lei Henry Borel permanecem como tipos especiais, com regime próprio de competência e efeitos extrapenais, mas sem prevalência quando se trate de pena mais benéfica no caso concreto.

(3) A ampliação da pena para 2 a 5 anos exige atuação ainda mais atenta na audiência de custódia e na classificação típica. Ademais, a existência de tipos paralelos com penas diversas (art. 24-A da LMP, art. 25 da LHB e art. 338-A do CP) abre espaço para discutir lex mitior, concurso aparente de normas e coerência sistêmica, especialmente em casos de descumprimento relacionado a crianças e adolescentes.

Para enfrentar essa questão, convém que se compreenda que ela se encontra inserida na temática que envolve a discussão acerca do microssistema protetivo das pessoas vulnerabilizadas, o que será  trazido na sequência.

4. Microssistema protetivo das pessoas vulnerabilizadas e medidas protetivas de urgência

As disposições da Constituição de 1988 exigem um "plus" de tutela para quem está em desvantagem estrutural - dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), objetivos de construir sociedade livre, justa e solidária e de promover o bem de todos sem discriminações (art. 3º, I e IV), igualdade (art. 5º), proteção integral a crianças e adolescentes (art. 227), idosos (art. 230), pessoas com deficiência (art. 227, §1º, II, e art. 24, XIV) e mulheres em situação de violência no âmbito da família (art. 226, §8º) - e, em diálogo com Convenções Internacionais (CEDAW, de Belém do Pará, sobre os Direitos da Criança e sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência), tornam necessário construir um verdadeiro microssistema protetivo das pessoas vulnerabilizadas, composto por normas que se comunicam e se aplicam reciprocamente: Lei Maria da Penha, Lei 13.431/2017, Lei Henry Borel, Estatuto da Pessoa com Deficiência, Estatuto do Idoso e, agora, a própria lei 15.280/2025.

Nesse microssistema, não há razão dogmática para compartimentalizar, de modo estanque, as medidas protetivas dirigidas ao agressor (como as previstas no art. 350-A e 350-B do CPP e no art. 22 da LMP) e as medidas protetivas dirigidas à vítima (arts. 23 e 24 da LMP, medidas específicas da LHB, medidas previstas no ECA e na lei 13.431/2017).

Se o ponto de partida é a centralidade da pessoa em situação de vulnerabilidade, a conclusão lógica é a de que o catálogo de medidas voltadas à proteção direta da vítima (v.g. arts. 23 e 24 da LMP) não pode ficar adstrito à hipótese desta ser mulher ou restringir ao contexto de violência doméstica e familiar. Também as medidas previstas no art. 350-B podem ser aplicadas às hipóteses especiais da LMP, LHB, ECA, EPD, EPI "cuja vítima esteja em situação de vulnerabilidade [.] qualquer que seja o crime investigado".

5. A interpretação do quantum de pena aplicada ao crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência

A finalidade comum de todo esse arranjo normativo é garantir, com máxima efetividade, a integridade física, psíquica, sexual e relacional de vítimas vulnerabilizadas, por esta razão, a resposta penal ao descumprimento de medidas protetivas de urgência precisa ser lida como parte integrante desse microssistema e não como um corpo estranho.

A sequência formada pelos arts. 24-A da LMP e 25 da LHB e, agora, pelo art. 338-A do CP, que tipificam o crime de descumprimento de medida protetiva, revela uma verdadeira "segunda camada" de tutela: em um primeiro momento, o Estado organiza um catálogo de medidas inibitórias, voltadas a impedir a continuidade ou a reiteração da violência; em um segundo momento, a violação dessas ordens, especialmente quando praticada contra vítimas em situação de vulnerabilidade, passa a ser, ela própria, objeto de proteção por meio da criminalização específica, com penas que, após a lei 14.994/2024 (Pacote Antifeminicídio) e a Lei 15.280/2025, alcançam o patamar de reclusão de 2 a 5 anos.

Nessa perspectiva, a opção hermenêutico-constitucional exige uma leitura em camadas, a fim de conformar a coexistência desses três tipos penais com as disposições constitucionais e convencionais, restando imperativo o reconhecimento da ampliação da pena para 2 a 5 anos à conduta prevista no preceito primário do tipo penal previsto no art. 25 da Lei Henry Borel, não apenas pela coerência com o art. 24-A da Lei Maria da Penha, mas especialmente pela inclusão da norma geral protetiva constante no novo art. 338-A do Código Penal.

Ressalte-se, contudo, que a aplicação do art. 25 da LHB permanece como tipo penal especial para fins de competência, de legitimação e de efeitos extrapenais.

Conclusão

Se a finalidade comum é garantir, com máxima efetividade, a integridade física, psíquica, sexual e relacional de pessoas vulnerabilizadas, impõe-se uma leitura sistemática que admita a comunicação das várias modalidades de medidas protetivas.

A Lei 15.280/2025 deve ser lida em diálogo com a Lei Maria da Penha, com a Lei Henry Borel, com o ECA, com o EPD, com o EPI, com os documento internacionais de direitos humanos e com a jurisprudência, incluindo a internacional, que reconhece a existência de um microssistema de proteção de pessoas vulneráveis, a fim de fornecer um espaço normativo de tutela qualificada, proporcional e efetiva dessas vítimas.