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Fazer a mulher infeliz será crime no Brasil?

terça-feira, 8 de junho de 2021

Atualizado às 07:57

Tenho a hipótese de que as relações entre homens e mulheres melhorarão, se evitarmos tensões desnecessárias de gênero. Obviamente, não estou dizendo que devemos aceitar opressões, mas sim que discursos anti-homem ou anti-mulher não devem ser naturalizados.

Aliás, Bell Hooks é uma autora que bate bastante nesta tecla: discursos anti-homem produzem políticas que conflitam com os direitos dos homens, sendo disfuncionais para as relações de gênero. Camille Paglia é outra que diz que os discursos anti-homem devem parar imediatamente: são um veneno terrível do feminismo contemporâneo.

É imprescindível, por isso, abordar o projeto de lei 741/2021, que pretende criar o crime de violência psicológica contra a mulher, mas, ao fim, criminaliza qualquer relacionamento infeliz (amoroso ou não) cuja vítima é mulher. Em regra, o autor deste crime será o homem.

Existe também o projeto de lei 9559/2018, apensado ao PL 6622/2013, que possui uma redação pior, com a aprovação da Comissão de Seguridade Social e Família, na Câmara dos Deputados, em 1º de junho de 2021.

Vamos ao tipo penal já com o substitutivo, aprovado pela Câmara dos Deputados e que será encaminhado ao Senado Federal: 

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. 

Apesar de haver hipóteses de criminalização constitucional nesse tipo penal, temos que analisá-lo a partir das possibilidades de interpretação analógica, para entender a sua real abrangência.

O tipo penal, assim, cria o crime de "causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, por qualquer meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação".

Ademais, é necessário analisar o tipo pela interpretação analógica, pois, com ela, as ações descritas no tipo se tornam meramente exemplificativas. Assim, é óbvio que, por exemplo, isolar a mulher para lhe causar dano emocional é uma criminalização legítima, mas o problema está na interpretação analógica, ou seja, no fato de que qualquer ato ou omissão, em regra, masculina se torna, teoricamente, crime, se causar prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da mulher, causando-lhe dano emocional.

Não há nenhuma menção no tipo penal à violência psicológica contra mulher. Isso só está no nomen iuris do crime.

Do jeito que este tipo penal está escrito, se um homem trair a sua mulher, com o dolo de provocar-lhe dano emocional, haveria crime de violência psicológica contra a mulher. Isso também ocorreria, por exemplo, se o homem lhe abandonasse afetivamente. Teoricamente, também haveria crime se o chefe da mulher não reconhecer reiteradamente os méritos dela como profissional, provocando-lhe dolosamente dano emocional. Ou, ainda, se o seu parceiro lhe disser que terminará o relacionamento, caso ela faça uma viagem, que ele não concorda. Também se o homem disser que não lhe dará mais afeto, caso ela não rompa relações com um amigo, que o parceiro entende que está com segundas intenções.

Como podemos notar, o referido tipo penal criminaliza, teoricamente, toda interação mal-sucedida, que a mulher tiver, tratando-a como incapaz de gerir, por si só, a sua vida emocional.

A razoabilidade do tipo penal dependerá exclusivamente dos juristas envolvidos no caso, seja a juíza, o promotor, delegado, agentes da polícia, etc.

Após o advento da lei, se a mulher tiver dano emocional em um relacionamento, por qualquer ato ou omissão, em regra, do homem, que diminua a sua saúde psicológica, haverá crime. Bastaria um jurista irracional e vingativo nessa cadeia criminal, para que fazer a mulher infeliz vire questão penal no Brasil.

Infelizmente, temos feito políticas de gênero sem nenhum respaldo científico, ignorando o estado atual da ciência sobre estudos sexuais e de gênero.

Por exemplo, ignora-se as evidências acadêmicas de que os homens também sofrem violência doméstica e familiar. E, que, em regra, essas violências são de ordem psicológica. Como não é uma questão que envolve força física, o tipo penal viola o princípio da igualdade de gênero. É uma medida legal sexista, porque entende que a mulher é mais frágil emocionalmente e nega ao homem a proteção penal contra a violência psicológica.

Apesar de ser contra quaisquer violências psicológicas, eu não acredito que felicidade conjugal possa ser criada via lei, ainda mais criminal.

Infelizmente, nós estamos indo para um caminho em que os relacionamentos se tornam difíceis e arriscados. Teremos ainda mais individualismo, relacionamentos líquidos, relações sociopáticas, misoginia e misandria.

Não vejo como a mulher se beneficiaria com tal crime, já que a Lei Maria da Penha já veda a violência psicológica contra a mulher. É uma medida contrária ao princípio da intervenção mínima e exemplo claro de como a interpretação analógica pode violar o princípio da taxatividade.

Esse tipo penal torna arriscado para homens se relacionar com mulheres, incentivando relações líquidas com elas, sem carinho e afeto.

Precisamos parar de pautar as relações de gênero com base em ressentimento, estipulando políticas absurdas para a redução das violências conjugais. Não é pela via criminal que esse problema será resolvido. É a partir de medidas preventivas sérias, como a educação psicológica nas escolas e universidades.

Se a violência doméstica só se agrava, o modo de resolver é antecipar ainda mais o Direito Penal? Parece-me errado. Precisamos de políticas públicas de gênero científicas, com fundamentos sociológicos, psicológicos, antropológicos, biológicos e neurológicos.

Não ganhamos nada ao deixar nas mãos do Estado Penal a análise de quando um relacionamento é criminoso, sob o viés subjetivo-psicológico. Assim, sem nenhum critério, sem nenhuma limitação dos verbos do tipo penal.

As pessoas esquecem o grau de esforço e sacrifício, que um casal precisa ter para que um relacionamento tenha sucesso.

As vivências líquidas de relacionamento alienaram os seres humanos das dificuldades de criar relacionamentos sólidos.

As pessoas estão tão desesperadas, que acreditam em contos-de-fada, como uma lei que cria respeito, amor e consideração.

Esquecem-se que amor é uma construção. É algo que exige cuidado e que só se sustenta com honestidade e solidariedade.

Esquecem-se da responsabilidade que cada um tem de gerir a sua vida emocional e fazer boas escolhas.

Relacionamentos sólidos se constroem com felicidades e infelicidades. Às vezes, a auto-estima aumenta, às vezes diminui. Às vezes tem dano emocional, às vezes cura emocional.

O que importa é manter os princípios e valores presentes, sem trair, manipular ou estabelecer relações antipáticas.

O capitalismo avança para outra fase. Uma em que não há mais diferença entre ser humano e produto.

A destruição da privacidade, a liquidez dos relacionamentos e o marketing existencial nos transformaram nos produtos principais das prateleiras virtuais. Estamos à venda na nossa sociedade prostituída.