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Imóvel fechado é direito não realizado

terça-feira, 18 de julho de 2023

Atualizado às 06:57

Os números não mentem: imóveis residenciais vagos são superiores ao déficit habitacional no Brasil: 11.397.889 x 5.876.000. E a distância está aumentando. Dados do IBGE e Fundação João Pinheiro. Muitas leituras podem ser feitas e trago aqui algumas delas que, se não esgotam a matéria, com certeza fazem parte desta realidade distorcida e injusta. A distorção é visível pelos próprios números. É injusta porque os imóveis fechados são inacessíveis por quem precisa de uma moradia. É um sintoma de muitas causas.

A reflexão parte de um tripé: mercado imobiliário, contingente populacional sem acesso à moradia e Poder Público. O mercado persegue lucro. Os imóveis urbanos se tornaram extremamente atrativos financeiramente, pois há diversos instrumentos que os tornam um "ativo", por exemplo, os fundos imobiliários negociados em bolsa de valores, os bônus recebidos pelos agentes privados que "emplacam" lançamentos considerados atrativos pelos investidores e uma vida financeira dos imóveis que passa muito longe da concretização das necessidades da população. Na outra ponta, há um número crescente de pessoas com retração de suas capacidades econômicas. No quesito moradia significa dizer que estão mudando para imóveis menores, ou mais distantes e com menos infraestrutura, ou voltam a morar com familiares, ou se instalam precariamente em áreas de absoluta vulnerabilidade chegando, enfim, à condição de moradores em situação de rua. As duas situações são crescentes.

Quanto ao Poder Público, se formos voltar à Constituição Federal (de onde nunca devemos sair), todo o Estado deve prover moradia, é assunto de Estado e não de governo (art. 6º, art. 23). Também é fundamental a elaboração e efetividade de planejamento urbano, em geral por meio do Plano Diretor, art. 182. Não é possível dizer que o Estado, principalmente os Municípios, não estão elaborando seus Planos Diretores, mas é possível afirmar que estão sendo, no mínimo, ineficientes. O Estado precisa assumir sua função de gestor, elencar prioridades e efetivá-las para além da norma abstratamente considerada nos planos. Seus decretos, mudanças normativas pontuais, licenciamento, distribuição de uso dos instrumentos urbanísticos (como outorga onerosa, transferência do direito de construir, compensações urbanísticas, entre muitos outros) devem estar alinhados com a efetiva realização do previsto na máxima da gestão do território urbano brasileiro (art. 182, CF - bem estar dos habitantes). Se o mercado quer lucro, o Estado precisa conduzi-lo por onde deve ir, de forma que seus resultados igualmente beneficiem a sociedade como um todo.

Normativamente, o combate ao déficit habitacional avançou tremendamente nos últimos vinte anos. A partir do Estatuto da Cidade, lei Federal 10.257/01, foram criados instrumentos até então inéditos. Um exemplo célebre é a CUEM, concessão de uso especial para fins de moradia, que estabeleceu segurança jurídica de posse sobre ocupação em áreas públicas por aqueles que a comprovassem por mais de cinco anos da data da promulgação da lei para uso precipuamente de moradia. Como um "mea culpa" do Estado brasileiro por não cuidar de suas próprias propriedades e não cuidar de sua gente. Cabível no art. 183 da Constituição Federal. Passados dezesseis anos e não vencidas as duas questões, déficit habitacional e exercício da função social da propriedade pública, a lei Federal 13.465/17 trouxe a CUEM repaginada, agora com o nome de legitimação fundiária. Podemos citar ainda consórcio imobiliário, legitimação de posse, demarcação urbanística entre tantos mais como instrumentos inéditos para atuar frente às complexas situações urbanas.

Por certo que há muito que analisar nos chocantes números divulgados pelo IBGE, mas não é possível excluir de qualquer análise que o Estado precisa se reposicionar, estruturando-se, capacitando-se, com transparência e efetividade na condução da gestão do território urbano. Inclui-se Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. A área urbana é, cada vez mais, palco de disputas econômicas, políticas e sociais (85% da população vive em áreas urbanas) e não está funcionando como está sendo feito. Não é possível conviver mais com o empobrecimento de nossa população como se fosse apenas um dado estatístico. Se a questão macroeconômica foge para além da gestão do território urbano, a indignidade da fragilidade e violência da vida nas cidades não. Ao Estado compete fornecer condições mínimas e básicas para que sua população tenha condições de ser produtiva e saudável e assim perseguirmos, realmente, os ditames de nossa República, quais sejam, redução das desigualdades sociais e regionais e combate à pobreza.