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Do codicilo na reforma do CC

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Atualizado em 18 de novembro de 2025 12:19

O codicilo ou pequeno escrito constitui uma disposição testamentária de pequena monta ou extensão. Trata-se de ato de última vontade simplificado, para o qual a lei não exige tanta solenidade em razão de ser o seu objeto considerado de menor importância para o falecido e para os herdeiros.

Nas lições do clássico Carlos Maximiliano, "é um ato de última vontade, que dispõe sobre assuntos de pouca importância, despesas e dádivas de pequeno valor" (Direito das sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1952, v. 1, p. 557). Ainda segundo ele, o instituto tem origem do costume "de escreverem os hereditandos, após fazer o testamento, um ou mais bilhetes aos herdeiros instituídos, ordenando-lhes várias liberalidades, fazendo advertências e recomendações. A princípio eram atendidos espontaneamente; não se atribuía a esses papéis autoridade compulsória. Assim aconteceu até o reinado de Augusto, em Roma" (Direito das sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1952, v. 1, p. 55). Por isso fala-se que o codicilo é um pequeno testamento.

No sistema vigente, dispõe o art. 1.881 do CC que toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal.

Além desse conteúdo, é possível nomear ou substituir testamenteiros por meio de codicilo, conforme consta do art. 1.883 da codificação privada. É possível ainda fazer disposição sobre sufrágios da alma, como para celebração de uma missa ou culto em nome do falecido (art. 1.998). Por fim, por meio de codicilo, é viável fazer o perdão do herdeiro indigno (art. 1.818 do CC/02).

O atual PL do CC, elaborado pela Comissão de Juristas nomeada no Senado Federal, visa a incluir no sistema legal brasileiro o codicilo digital e por vídeo, na linha da necessária redução de burocracias proposta na sua elaboração, que igualmente deve atingir o pequeno testamento. Nesse contexto, o art. 1.881 da lei privada passará a prever que "toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, em formato físico ou digital, ou ainda mediante gravação em programa audiovisual, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal".

Em prol da segurança jurídica, pretende-se incluir na norma um § 1.º, prevendo que deve ser considerada como de pouca monta ou de pouco valor a disposição que não exceder a 10% (dez por cento) do monte-mor partilhável. Voltarei ao tema mais à frente, pois há instabilidade sobre o conteúdo possível do codicilo no atual sistema.

Por fim, o art. 1.881 da lei geral privada receberá um necessário § 2.º, prevendo que, em se tratando de bens digitais, tais como vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais e outros elementos armazenados exclusivamente na rede mundial de computadores, em nuvem, o codicilo em vídeo dispensa a assinatura para sua validade. Assim, e como não poderia ser diferente, por tudo o que está sendo proposto pela Comissão de Juristas, os bens digitais ou o patrimônio digital poderão ser objeto de codicilo, concretizando-se o Direito Civil Digital.

Voltando-se ao sistema vigente, na atualidade, a análise do que sejam bens de pequeno valor no conteúdo codicilar deve ser feita caso a caso, de acordo com o montante dos bens do espólio. Em suma, os critérios não são absolutos, mas relativos. Nesse sentido, da jurisprudência estadual mais remota: "na falta de um critério legal para se aferir o 'pequeno valor' da doação, será este considerado em relação ao montante dos bens do espólio, além de dever-se respeitar a última vontade do doador, máxime não havendo herdeiro necessário" (TJ/MG, apelação cível 1.0000.00.160919-7/000, 1.ª Câmara Cível, Belo Horizonte, rel. des. Orlando Adão Carvalho, j. 14.12.1999, DJMG 17/12/1999).

Em prol da segurança jurídica, como visto, no PL do CC pretende-se incluir no seu art. 1.881 um § 1.º, prevendo-se que deve ser considerada como de pouca monta ou de pouco valor a disposição que não exceder a 10% (dez por cento) do monte-mor partilhável. Com isso, mais um dilema verificado nos mais de vinte anos de vigência do CC será resolvido, o que se espera seja aprovado pelo Parlamento Brasileiro, efetivando-se a possibilidade de se utilizar o instituto, hoje ainda pouco usual em nosso País.

O objetivo é afastar a não admissão do codicilo em casos como o seguinte, julgado pelo TJ/SC, relativo ao codicilo de um veículo, o que esvazia a categoria jurídica, estando distante de seus objetivos e suas funções:

"APELAÇÃO. DIREITO SUCESSÓRIO. ARROLAMENTO. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE PARTILHA. VEÍCULO DE CONSIDERÁVEL VALOR QUE SE QUIS DEIXAR SOB A FORMA DE CODICILO. IMPOSSIBILIDADE. DISPOSIÇÃO DE VONTADE QUE SOMENTE PODE TRATAR DE BENS DE POUCO VALOR. ART. 1.881 DO CC. PRETENSÃO SUCESSÓRIA INSUBSISTENTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Dada a relevância do correspondente ato de disposição de vontade, vê-se que na sucessão de natureza testamentária o legislador sobreleva em muito a presença de testemunhas quando o testamento não se faz na pública forma. Está aí, mui provavelmente, a razão de autorizar o uso de codicilo, subscrito apenas pelo legatário, só e tão somente em se tratando de legado de móveis, roupas ou jóias, de pouco valor (art. 1.881 do CC)" (TJSC, apelação 0063059-35.2009.8.24.0023, 1.a Câmara de Direito Civil, rel. des. Edir Josias Silveira Beck, j. 2/6/2022).

Os atos descritos da norma, salvo direito de terceiro, valerão como codicilos, deixe ou não testamento o autor (art. 1.882 do CC). Assim, é perfeitamente possível a coexistência de um testamento e um codicilo, desde que os seus objetos não coincidam. Em relação a esse comando, não se faz qualquer proposição no PL 4/25, pois ele não gerou maiores debates nos mais de vinte anos de vigência da atual codificação privada.

No codicilo a vontade do testador deve estar clara, sendo certo que meras anotações esparsas feitas em vida pelo falecido podem não gerar a interpretação que se deseja. Nesse sentido, serve para elucidar o seguinte julgado do Tribunal Paulista: "escritos esparsos do de cujus, sem especificação de que seus bens passassem para a autora, não equivalem a codicilo. Neste, teria que ficar nítida, como no caso do veículo, a vontade de que certos e determinados bens de pequeno valor, seriam da autora, após seu óbito" (TJ/SP, apelação cível 253.609-4, 3.ª Câmara de Direito Privado, São Bernardo do Campo, rel. des. Alfredo Migliore, j. 26/11/2002).

Os atos praticados por meio de codicilo revogam-se por atos iguais, e consideram-se revogados, se, havendo testamento posterior, de qualquer natureza, este não confirmá-los ou modificá-los (art. 1.884 do CC). Em suma, a revogabilidade essencial do mesmo modo atinge o codicilo, pela sua natureza de testamento menor, não havendo igualmente qualquer proposição de mudança desse comando.

Consoante o art. 1.885 do CC, se o codicilo estiver fechado, será aberto do mesmo modo que o testamento cerrado, inclusive quanto aos requisitos de abertura judicial. De todo modo, como se sabe, o PL pretende extrajudicializar a abertura do testamento cerrado, perante o Tabelionato, o que igualmente atingirá o codicilo, pela aplicação da última norma, por analogia.

A confirmação do codicilo deve ser efetuada do mesmo modo que ocorre com o testamento particular, conforme preceitua o art. 737, § 3.º, do CPC/15; na linha do que constava do art. 1.134 do CPC/1973.

Mais uma vez, como já tratei em outros textos aqui publicados, existe dura crítica a respeito desse caminho, pois tal confirmação poderia ser feita extrajudicialmente, perante o Tabelionato de Notas, até porque o codicilo é ato de menor complexidade, tendo o CPC perdido a chance de trazer essa inovação.

Como palavras finais deste texto, é o que o PL do CC pretende fazer, por força do novo art. 1.990-A da lei geral privada, que terá a seguinte redação: "se todos os herdeiros e legatários concordarem, a abertura do testamento cerrado ou a apresentação dos testamentos público e particular, bem como o seu registro e cumprimento, a nomeação de testamenteiro e a prestação de contas poderão ser feitos por escritura pública, cuja eficácia dependerá de anuência do Ministério Público".

Penso que esse último dispositivo merece um reparo pontual, para nele se incluir expressamente o codicilo, esperando-se a sua aprovação pelo Parlamento Brasileiro, em prol da tão prolatada redução de burocracias e a extrajudicialização.