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A indignidade sucessória e a deserdação no projeto de reforma do Código Civil

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Atualizado em 9 de dezembro de 2025 09:43

Como se sabe, existem situações previstas em lei, somadas ou não a ato de última vontade do autor da herança, em que é excluído o direito sucessório do herdeiro ou legatário. Nesse contexto surgem os conceitos de indignidade sucessória e de deserdação como penas civis. Essas categorias não se confundem com a falta de legitimação para suceder, pois neste caso há um afastamento do direito à herança por razão de ordem objetiva, enquanto na indignidade e na deserdação há uma razão subjetiva de afastamento, uma vez que o herdeiro é considerado desprovido de moral para receber a herança, diante de sua infeliz atitude.

A diferença inicial fundamental entre a exclusão por indignidade sucessória e a deserdação é que no primeiro caso o isolamento sucessório se dá por simples incidência da norma e por decisão judicial, o que pode atingir qualquer herdeiro (art. 1.815 do CC). Pelo mesmo dispositivo do CC, o direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se no prazo decadencial de quatro anos, contados da abertura da sucessão (§ 1.º).

Em agosto de 2023, em boa hora e em prol da economia processual, surgiu a lei 14.661, que incluiu o novo art. 1.815-A no CC, determinando que, em havendo indignidade, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória prévia acarretará a exclusão imediata do herdeiro ou legatário considerado indigno. Nos seus termos, "em qualquer dos casos de indignidade previstos no art. 1.814, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória acarretará a imediata exclusão do herdeiro ou legatário indigno, independentemente da sentença prevista no caput do art. 1.815 deste Código".

Dessa forma, perdeu a função, pelo menos em parte, a regra que estabelece o prazo decadencial de quatro anos para o ingresso da ação de indignidade, uma vez que, em muitas situações concretas, a sentença penal condenatória gerará, de forma automática e imediata, o reconhecimento da indignidade e a exclusão da herança. Desapareceu, portanto, a necessidade de duas ações para tanto em muitos casos concretos.

Doutrinariamente, já se reconhecia que a ação de indignidade poderia ser proposta pelo interessado ou pelo Ministério Público, o último quando houver questão de interesse público, conforme o enunciado 116 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, do ano de 2002: "o Ministério Público, por força do art. 1.815 do novo CC, desde que presente o interesse público, tem legitimidade para promover ação visando à declaração da indignidade de herdeiro ou legatário".

A lei 13.532, de 7 de dezembro de 2017, introduziu um § 2.º nesse art. 1.815 da lei civil, prevendo expressamente que o Ministério Público tem legitimidade para promover a ação de indignidade, quando houver crime de homicídio doloso ou sua tentativa praticada pelo herdeiro contra o falecido ou seus familiares (hipóteses do art. 1.814, inc. I).

No projeto de reforma do CC, PL 4/25, a respeito do tema, além da manutenção do prazo decadencial de quatro anos, no projetado § 4.º do art. 1.815 e para os casos em que ainda tiver incidência, são sugeridas melhoras no texto e a inclusão de regras procedimentais para a ação de indignidade. Nesse contexto, de forma mais completa, o seu caput enunciará que "a exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença, em ação proposta por qualquer herdeiro sucessível do autor da herança ou pelo Ministério Público, nos crimes de ação penal pública incondicionada".

Ainda nos termos da projeção, sendo a ação promovida pelo Ministério Público, os demais herdeiros devem ser cientificados da demanda para que declarem se concordam ou não com a propositura da ação (§ 1.º do art. 1.815). Caso discordem os demais herdeiros e a ação seja julgada procedente, o quinhão do indigno, não havendo direito de representação (art. 1.816), será apenas dos herdeiros que com ela concordaram (§ 2.º). Se todos discordarem, a quota do renunciante será revertida em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz (§ 3.º). A não manifestação no prazo decadencial de trinta dias implica concordância (§ 4.º). Sem dúvidas que essas proposições trazem maior segurança jurídica para o procedimento de exclusão e para o destino dos bens, esperando-se a sua aprovação pelo Congresso Nacional, pois as regras a respeito da temática ficam mais claras e efetivas.

Feitas tais considerações, e voltando-se à comparação entre os institutos, sabe-se que na deserdação, por outro lado, há um ato de última vontade que afasta herdeiro necessário, sendo imprescindível a confirmação por sentença. Por isso é que a deserdação é tratada pelo CC/02 no capítulo próprio da sucessão testamentária (arts. 1.961 a 1.965).

As hipóteses de indignidade e de deserdação estão unificadas em parte, e não totalmente, pela atual codificação privada. Assim, são considerados herdeiros indignos, nos termos do art. 1.814 do CC em vigor: a) os herdeiros que tiverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; b) os herdeiros que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro e; c) os herdeiros que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Pois bem, surge a seguinte dúvida a respeito da temática, tão comum na realidade do Direito Civil contemporâneo: o rol do art. 1.814 do CC é taxativo (numerus clausus) ou exemplificativo (numerus apertus)? Existem argumentos consideráveis - geralmente utilizados para defender minhas teses - para as duas correntes.

Para a afirmação de que o rol é taxativo, pode-se dizer que a norma é de exceção e restritiva de direitos e, como tal, não admite interpretação extensiva. Para a premissa da relação aberta, existe o argumento de que o CC de 2002 adotou um sistema aberto, baseado em cláusulas gerais e conceitos indeterminados, na linha da teoria tridimensional do Direito e da ontognoseologia de Miguel Reale.

Entre as duas argumentações, fico com a primeira, pois excluir um herdeiro é algo extremamente grave, somente admitido em casos em que a lei expõe de forma expressa e textual, até porque se trata de um direito fundamental, reconhecido pelo art. 5.º, inc. XXX, da Constituição Federal. Pelo rol taxativo, julgou o STJ, em 2010, seguindo a posição considerada majoritária, que "a indignidade tem como finalidade impedir que aquele que atente contra os princípios basilares de justiça e da moral, nas hipóteses taxativamente previstas em lei, venha receber determinado acervo patrimonial, circunstâncias não verificadas na espécie" (STJ, REsp 1.102.360/RJ, 3.ª turma, rel. min. Massami Uyeda, j. 9/2/2010, DJe 1/7/2010).

De todo modo, em 2022 surgiu acórdão muito debatido nos meios civilistas, no âmbito da 3ª turma do STJ, que, apesar de reafirmar o rol taxativo do art. 1.814 do CC, admitiu por interpretação teleológica e sociológica do seu inciso I que a indignidade sucessória também abrangesse ato infracional análogo a homicídio, praticado por menor de idade. Vejamos trecho de sua longa ementa:

"(...). Na esteira da majoritária doutrina, o rol do art. 1.814 do CC/02, que prevê as hipóteses autorizadoras de exclusão de herdeiros ou legatários da sucessão, é taxativo, razão pela qual se conclui não ser admissível a criação de hipóteses não previstas no dispositivo legal por intermédio da analogia ou da interpretação extensiva. (...). O fato de o rol do art. 1.814 do CC/02 ser taxativo não induz à necessidade de interpretação literal de seu conteúdo e alcance, uma vez que a taxatividade do rol é compatível com as interpretações lógica, histórico-evolutiva, sistemática, teleológica e sociológica das hipóteses taxativamente listadas. (...). A regra do art. 1.814, I, do CC/02, se interpretada literalmente, prima facie, de forma irreflexiva, não contextual e adstrita ao aspecto semântico ou sintático da língua, induziria ao resultado de que o uso da palavra homicídio possuiria um sentido único, técnico e importado diretamente da legislação penal para a civil, razão pela qual o ato infracional análogo ao homicídio praticado pelo filho contra os pais não poderia acarretar a exclusão da sucessão, pois, tecnicamente, homicídio não houve. (...). A exclusão do herdeiro que atenta contra a vida dos pais, cláusula geral com raiz ética, moral e jurídica existente desde o direito romano, está presente na maioria dos ordenamentos jurídicos contemporâneos e, no Brasil, possui, como núcleo essencial, a exigência de que a conduta ilícita do herdeiro seja dolosa, ainda que meramente tentada, sendo irrelevante investigar se a motivação foi ou não o recolhimento da herança. (...). A finalidade da regra que exclui da sucessão o herdeiro que atenta contra a vida dos pais é, a um só tempo, prevenir a ocorrência do ato ilícito, tutelando bem jurídico mais valioso do ordenamento jurídico, e reprimir o ato ilícito porventura praticado, estabelecendo sanção civil consubstanciada na perda do quinhão por quem praticá-lo. (...). Se o enunciado normativo do art. 1.814, I, do CC/02, na perspectiva teleológica-finalística, é de que não terá direito à herança quem atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, ainda que a conduta não se consume, independentemente do motivo, a diferença técnico-jurídica entre o homicídio doloso e o ato análogo ao homicídio doloso, conquanto relevante para o âmbito penal diante das substanciais diferenças nas consequências e nas repercussões jurídicas do ato ilícito, não se reveste da mesma relevância no âmbito civil, sob pena de ofensa aos valores e às finalidades que nortearam a criação da norma e de completo esvaziamento de seu conteúdo. (...). Hipótese em que é incontroverso o fato de que o recorrente, que à época dos fatos possuía 17 anos e 06 meses, ceifou propositalmente a vida de seu pai e de sua mãe, motivo pelo qual é correta a interpretação segundo a qual a regra do art. 1.814, I, do CC/02 contempla também o ato análogo ao homicídio, devendo ser mantida a exclusão do recorrente da sucessão de seus pais" (STJ, REsp 1.943.848/PR, 3.ª turma, rel. min. Nancy Andrighi, j. 15/2/2022, DJe 18/2/2022).

Tenho a honra de ser citado no voto da Ministra Relatora, como um dos defensores da relação fechada, e não entendo que se trata de conclusão pelo rol exemplificativo, pela analogia ou pela interpretação extensiva. A solução dada parece-me estar no campo da busca da finalidade da norma, exatamente como está no trecho destacado.

Mesma dedução - pela relação fechada ou numerus clausus - deve ser considerada quanto à deserdação, até com maior contundência, pelo fato de se excluir herdeiro necessário, protegido pela legítima. Conforme os arts. 1.962 e 1.963 do CC, além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes e vice-versa: a) a prática de ofensa física entre tais pessoas; b) a injúria grave entre elas; c) as relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; bem como as relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, entendidas como a prática de atos sexuais e envolvimentos afetivos entre as pessoas elencadas, tidos como adúlteros, de infidelidade ou incestuosos, conceitos hoje tidos como superados, sobretudo porque não se debate mais a culpa na dissolução do vínculo; e d) o desamparo praticado entre essas pessoas, havendo alienação mental ou grave enfermidade do prejudicado.

No projeto de reforma do CC, elaborado pela Comissão de Juristas nomeada no Senado Federal, pretende-se ampliar as hipóteses de indignidade e de deserdação, sendo a principal delas, de lege ferenda, o abandono afetivo.

Nesse contexto, o inciso I do art. 1.814 passará a mencionar que são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários que tiverem sido autores, coautores ou partícipes de crime doloso, ato infracional, ou tentativa destes, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, convivente, ascendente ou descendente. No inciso II, passarão a ser mencionados aqueles que tiverem sido destituídos da autoridade parental da pessoa de cuja sucessão se tratar. E, por fim, no inciso IV, os que tiverem deixado de prestar assistência material ou incorrido em abandono afetivo voluntário e injustificado contra o autor da herança.

A respeito da deserdação, o art. 1.962 passará a expressar, igualmente com o texto ampliado, no seu inciso I, a ofensa à integridade física ou psicológica; e, no seu inciso III, o desamparo material e abandono afetivo voluntário e injustificado do ascendente pelo descendente. Revoga-se o atual inciso IV do comando, que trata das antes mencionadas relações ilícitas, hoje consideradas superadas e distantes da realidade social. Em espelhamento necessário, essas mudanças são efetivadas no art. 1.963, incluindo-se no seu inciso IV o desamparo material e o abandono afetivo voluntário e injustificado do filho ou neto.

Penso que essa ampliação é mais do que necessária, atendendo-se ao clamor doutrinário, sobretudo na inclusão do abandono afetivo, hoje inexistente na norma, e que não pode fundamentar atualmente a indignidade ou a deserdação, por ser a herança um direito fundamental protegido no Texto Maior. Cabe pontuar que, apesar de a lei 15.240/25 ter consagrado o seu tratamento como ato ilícito civil, alterando os arts. 4.º e 5.º do Estatuto da Criança e do Adolescente, para que gere a perda do direito fundamental à herança, deve ser incluído nas normas específicas sucessórias em estudo.

Como última observação sobre o tema, também se almeja alterar no projeto de reforma do CC o art. 92 do CP, para se prever que são efeitos da condenação criminal, de forma automática, no seu novo inciso VI, "a indignidade sucessória, quando o autor, coautor ou partícipe de crime doloso, tentado ou consumado: a) for herdeiro legítimo, herdeiro testamentário ou legatário da vítima; b) praticar o crime com interesse na destinação do patrimônio hereditário, mesmo que não possua vínculo".

Essa proposição também é salutar, há tempos pleiteada pelos sucessionistas brasileiros, como é o meu caso, de Mario Delgado e de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, que integraram a Subcomissão de Direito das Sucessões, sendo imperiosa a sua aprovação pelo Parlamento Brasileiro.