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Juíza do Tribunal Constitucional Alemão fala sobre pandemia e direitos fundamentais

terça-feira, 2 de março de 2021

Atualizado às 09:54

Na última sexta-feira, dia 26/2, tive a honra de moderar o evento "Direito Constitucional e Vacinação: direitos, deveres, tratamento igualitário?", organizado pela Embaixada da Alemanha juntamente com o Fórum de Democracia Europa-Brasil, coordenado por Michael Westland, e o Fórum Jurídico Brasil-Alemanha, grupo de pesquisadores brasileiros dedicado ao debate dos direitos brasileiro e alemão1.

O evento teve como objetivo discutir e refletir sobre as ações de combate ao coronavírus e seus impactos restritivos sobre os direitos fundamentais, abordando os aspectos mais polêmicos envolvendo vacinação, liberdade, igualdade, proteção da vida e da saúde como direito dos cidadãos e dever fundamental do Estado diante da pandemia global de Covid-19.

E para debater os temas, a Embaixada da Alemanha convidou dois importantes juízes da Suprema Corte de ambos os países: Sibylle Kessal-Wulf, do Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht) e Gilmar Ferreira Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em apertada síntese, ambos abordaram as principais questões discutidas nas respectivas Cortes desde o início da crise mundial de saúde pública há um ano.

A exposição dos dois juristas deixou claro uma realidade inegável: embora diante dos mesmos problemas e desafios (vírus desconhecido, elevado número de contágio e óbito, isolamento social, paralisação de atividades não essenciais, crise econômica, agravamento das desigualdades sociais, escassez de vacina, discursos negacionistas, etc.), ambos os países reagiram diferentemente face ao monstro comum, fato que se reflete nas questões jurídicas levadas ao Judiciário.

Isso ficou patente já na fala de abertura da juíza Kessal-Wulf, segundo quem, desde o primeiro caso de Covid-19 no país, "a República Federal [da Alemanha] reagiu com uma série de medidas", adotadas rapidamente pelo governo federal.

Assistiu-se, então, à promulgação de uma série decretos restritivos de liberdades fundamentais: isolamento e restrições de contato, toques de recolher, fechamento de diversos estabelecimentos (comerciais, educacionais, culturais, de lazer e entretenimento, religiosos, etc.), restrições de visitas a hospitais e casas de repousos de idosos e doentes, dentre outras medidas que interferiram - e estão a interferir - consideravelmente nos direitos fundamentais dos cidadãos. 

Protagonismo do Executivo

Em decorrência da intensa atuação do governo de Angela Merkel, uma das questões mais discutidas atualmente na Alemanha, tanto no campo politico, como no campo jurídico, diz respeito ao protagonismo exercido pelo Poder Executivo no combate à pandemia.

Ao contrário daqui, a atuação dos governos federal e estadual por lá foi tão intensa que o primeiro ano da pandemia ficou conhecido como "o momento do Executivo" (der Stunde der Exekutive), que decidiu - quase alheio à participação do Parlamento - acerca da adoção da quase totalidade das medidas concretas de enfrentamento da pandemia.

As medidas propostas pelo governo central partiram fundamentalmente do Ministério da Saúde (Bundesministerium für Gesundheit), amparado nas recomendações técnicas emitidas por duas agências federais a ele subordinadas: o Instituto Robert Koch, responsável pelo controle e prevenção de doenças, e o Instituto Paul-Ehrlich, responsável pela aprovação e liberação de vacinas e medicamentos.

Por isso, a crítica que tem sido feita, sobretudo entre os constitucionalistas, é que, sob a ótica constitucional alemã, as decisões fundamentais - principalmente as que envolvem severas restrições aos direitos fundamentais - devem ser decididas no Parlamento (Bundestag) e não pelo Poder Executivo. E isso vale principalmente depois da fase inicial da pandemia, em que se precisou reagir com rapidez e flexibilidade.

Passado um ano do início da crise de saúde pública, dizem os críticos, é chegado o "momento do Legislativo" (Stunde der Legislative), a hora do Parlamento (re)assumir sua principal tarefa, vez que massivas interferências nos direitos fundamentais não podem ser feitas com base - apenas - em decretos executivos, mas precisam resultar do debate parlamentar e do processo democrático.

Curioso é que toda a discussão irrompeu embora o governo alemão tenha agido com amparo na lei federal de proteção contra infecções, a chamada Infektionsschutzgesetz (InfSchG), de 1/1/2001, que em razão do acesso debate político-jurídico foi alterada em novembro do ano passado para se adaptar à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus.

Desde então, os governos federal e estadual têm editado decretos específicos para a contenção da pandemia com base nos critérios fixados na lei, sempre acompanhados da a devida fundamentação e limitação temporal - em regra, quatro semanas, passível de prorrogação.

Interessante notar que essa discussão não surgiu no Brasil na mesma dimensão. E isso se explica, evidentemente, em razão da "tímida" atuação do governo federal no combate à pandemia, no limiar da omissão.

As poucas medidas (eficazes) de contenção da crise de saúde pública - comprovadamente: distanciamento social e fechamento de estabelecimentos não essenciais - partiram de iniciativas dos governos estaduais e municipais, principalmente no primeiro quartel do ano passado e mais recentemente, quando o país enfrenta o pior momento da pandemia2.

Essa atuação baseia-se na competência comum consagrada no art. 23 da CF/1988, a qual foi assegurada pelo STF no julgamento das ADIs 6341 e 6343, nas quais o Plenário da Corte decidiu que as medidas adotadas pelo governo federal para enfrentamento do coronavírus não afastam a competência concorrente, nem a tomada de providências normativas e administrativas por estados, Distrito Federal e municípios, de forma que os entes locais não precisam de autorização ou ação prévia do ente central para agir no contexto das competências comuns do art. 23 da CF/19883.

Também a atuação do Legislador brasileiro, diante da crise pandêmica, nem de longe lembra a do alemão. Diante da letargia generalizada dos poderes competentes, o grande protagonismo tem cabido ao Judiciário, que tem se esforçado, em maior ou menor medida, para exigir que o Estado cumpra, por meio da adoção de medidas eficazes, seu dever de proteção dos direitos fundamentais à vida e saúde da população.

Esse dever de proteção (Schutzpflicht), como bem salientou Kessal-Wulf, decorre - sobretudo no atual contexto epidemiológico - em primeira linha do direito fundamental à vida e saúde, positivado no art. 2, inc. 2, 1º. período da Lei Fundamental alemã, bem como da tutela da dignidade humana, prevista no art. 1, inc. 1, 2º. período da Grundgesetz. 

Triagem de pacientes

Outra questão polêmica suscitada pela juíza do Bundesverfassungsgericht diz respeito à triagem de pacientes, feita diariamente pelos médicos nos postos e hospitais de atendimento. Aqui se discute se não caberia ao Legislador a tarefa de estabelecer critérios claros e objetivos para a fixação da ordem de prioridade no tratamento dos pacientes de Covid-19 ao invés de deixar a decisão a cargo dos médicos, que com isso se expõem a diversos riscos e responsabilidades, sobretudo na esfera penal.

Como noticiado nessa coluna em 18/8/2020, tramita atualmente na justiça alemã ação movida por pessoas que, em razão de condições especiais (ex: idade avançada, deficiência, etc.) ou doenças preexistentes, integram o grupo de risco da Covid-19, na qual se pleiteia que o Parlamento seja instado a regular em lei o procedimento de triagem médica.

Os autores interpuseram queixa constitucional perante o Tribunal Constitucional em Karlsruhe alegando, em síntese, estarem sendo discriminados e preteridos pelos médicos nos processos de triagem por causa das baixas chances de êxito que possuem no tratamento da Covid-19 em razão de suas condições clínicas e/ou pessoais.

Bundesverfassungsgericht negou, porém, a tutela de urgência requerida ao argumento de que o processo cautelar era meio inadequado para discutir a complexa questão acerca do dever (ou não) do Parlamento de estabelecer critérios para a triagem de pacientes durante a pandemia. Além disso, a Corte observou que os autores não corriam risco de dano grave e irreparável, pois o sistema de saúde não estava sob risco de colapso e havia tratamento médico-hospitalar suficiente para todos.

Fazendo referência expressa ao caso, Kessal-Wulf explicou que no direito alemão a omissão do Legislador pode configurar ofensa à Constituição (Verfassungsverstoß). Mas isso só ocorre em situações excepcionais, quando, por exemplo, o Legislador deixa de criar normas legais mesmo diante da existência de um dever de proteção ou de atuação em prol dos direitos fundamentais ou, ainda, quando as regras e medidas adotadas são absolutamente inadequadas para os fins às quais se destinam.

Além do dilema da triagem direta dos pacientes acometidos por Covid-19, a juíza chamou atenção ainda para o problema da triagem indireta, que se põe toda vez que o médico precisa decidir entre tratar um paciente de Covid-19 ou um paciente acometido por outras doenças graves e letais, vez que os leitos dos hospitais estão sendo utilizados prioritariamente pelos acometidos pelo coronavírus, inclusive aqui no Brasil4. Nessas situações também ocorre uma interferência no direito fundamental à vida e à saúde desses pacientes, salientou.

Enquanto a Alemanha não vivenciava um dilema tão agudo de triagem médica desde o fim da 2ª Guerra Mundial, como confessou Kessal-Wulf, essa é, lamentavelmente, uma realidade diária para os médicos brasileiros atuantes no sistema público de saúde, cuja estrutura, já debilitada antes da pandemia, entrou em colapso nos últimos meses5.

Vacina, ordem de preferência e fura-fila

A questão da triagem, disse a juíza, põe-se ainda no momento da fixação da ordem de prioridade da vacina. Como distribuir as poucas vacinas disponíveis? Quem determina - amparado em qual base legal ou médica - a ordem de preferência de vacinação? A vacina deve ser obrigatória?

Esse é um ponto distintivo central entre ambos os ordenamentos jurídicos, pois, enquanto aqui a vacinação é, em princípio, obrigatória, embora se admita justificativa médica para dispensa e se vede a vacinação forçada, como afirmou o STF no julgamento da ADI 6586/DF, em 16/12/2020, sob a relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, na Alemanha cada cidadão pode decidir se imunizar ou não.

Pelo menos, por enquanto, pois, como ressaltou Kessal-Wulf, a discussão em torno da vacinação obrigatória não está encerrada e o próprio Tribunal Constitucional alemão reconheceu a obrigatoriedade da vacina contra o sarampo, restringindo a decisão dos pais pela não imunização em prol da proteção da vida e saúde das outras pessoas.

As discussões em torno da vacinação põe o Parlamento novamente no foco das atenções, poder democraticamente legitimado para tomar decisões dessa envergadura constitucional.

Mas, até agora na Alemanha a ordem de prioridade da vacinação foi estabelecida por decretos do Ministério da Saúde, com base em níveis de prioridades entre as pessoas baseados em critérios como idade, doenças preexistentes, alto risco de complicações em caso de contágio pelo coronavírus, exposição elevada ao contágio (ex: médicos, enfermeiros, professores e educadores) ou o pertencimento a grupos profissionais relevantes para o sistema, como policiais, que precisam estar aptos para agir no interesse da coletividade.

Como observou Kessal-Wulf, a definição da ordem de prioridade da vacina envolve o balanceamento de direitos fundamentais e a definição da intensidade da intervenção nesses direitos, pois, na medida em que se exclui um grupo de pessoas da vacinação, expõe-se essas pessoas a um risco de contágio que pode resultar em morte.

Por isso, diante do atual quadro epidemiológico, tem-se falado na Alemanha em "repartição de chances de sobrevivência" (Zuteilung von Überlebenschancen) para acentuar a dramática escolha de quem vacinar primeiro diante da escassez de vacina.

A juíza do Bundesverfassungsgericht relatou que na Alemanha também ocorreram casos de desobediência da fila de vacinação e algumas pessoas que não estavam na lista dos grupos prioritários, como prefeitos, políticos e eclesiásticos foram imunizados com sobras da vacina que, se não aplicadas, seriam descartadas.

Por conta disso, tramita no Parlamento um projeto de lei que qualifica como contravenção penal a conduta de desrespeitar a ordem cronológica da vacinação, sancionando o fura-fila (Vordrängler) com multa de até 25 mil euros.

Porém, o prefeito da cidade de Halle, há 150km de Berlim, está sendo processado pelo crime de veruntreuende Unterschlagung, um tipo penal equivalente à apropriação indébita, previsto no § 246 do Código Penal alemão6.

Medidas mais duras têm sido propostas no Brasil para punir a prática de furar a fila da vacina. O Projeto de Lei 25/2021, aprovado dia 11/2/2021 na Câmara dos Deputados, tipifica os crimes de infração do plano de imunização, peculato de vacinas, bens medicinais ou terapêuticos e corrupção em plano de imunização e prevê pena de reclusão de um a três anos e multa, aumentada de 1/3 se o agente falsificar atestado, declaração, certidão ou qualquer documento.

A pena é agravada na hipótese do agente expor a vida ou a saúde de alguém a perigo em caso de simulação ou aplicação fraudulenta de vacina, conduta deplorável registrada em algumas cidades brasileiras: detenção de 6 meses a 2 anos.

Em São Paulo, está em vigor desde 13/2/2021 lei (PL 37/2021) que prevê penalidades para o descumprimento da ordem de vacinação. A pessoa que furar a fila da vacina poderá ser multada em até R$ 98 mil e os valores recebidos por meio das multas serão recolhidos ao Fundo Estadual da Saúde7. 

Privilégios

Outra questão polêmica, conexa à vacinação, diz respeito aos chamados privilégios (Privilegien) para as pessoas vacinadas. Discute-se intensamente na Europa se quem já se vacinou pode - rectius: deve - ser liberado de cumprir as medidas de combate à pandemia, restritivas dos direitos de liberdade.

Israel, por exemplo, que já vacinou quase toda a população, está emitindo o chamado "passaporte verde" para pessoas vacinadas e, por isso, países como Grécia e Espanha pressionam a União Europeia para aprovar o "passaporte da vacina" a fim de permitir que as pessoas vacinadas voltem a circular livremente no bloco, como garante o Tratado da Comunidade Europeia.

Se é evidente que os estados possam exigir comprovantes de vacinação para que as pessoas adentrem suas fronteiras, a discussão ganha outros contornos quando se trata de definir, por exemplo, se os estabelecimentos comerciais (fechados em muitos pontos do continente europeu) podem reabrir para receber apenas pessoas já vacinadas.

O tema é polêmico. De um lado, argumenta-se que se a pessoa já se vacinou, não há mais motivos a justificar a restrição de seus direitos fundamentais, principalmente os direitos de liberdade. Logo, os estabelecimentos poderiam reabrir e receber os vacinados.

De outro, questiona-se como conceder privilégios a pessoas vacinadas se o Estado não disponibiliza imunizantes para todos os cidadãos, ponto nevrálgico aqui no Brasil. Além disso, há o receio - em alguns países europeus - de que esses privilégios tornem a vacinação obrigatória na prática e dividam a sociedade em duas classes (vacinados e não vacinados), aprofundando ainda mais as desigualdades sociais.

Isso sem falar na espinhosa questão de saber se o Estado deve deixar que as próprias empresas decidam, com base na autonomia privada e na liberdade contratual, quem pode - e quem não pode - frequentar seus estabelecimentos ou se isso precisaria ser decidido pelo Legislador.

O tema, portanto, tem simplicidade aparente. Por isso, países como França e Alemanha estão relutantes com a medida. Segundo Kessal-Wulf, o Conselho de Ética da Alemanha (Deutscher Ethikrat) já se pronunciou oficialmente contra a ideia de liberar os vacinados das restrições governamentais.

Segundo o Conselho, primeiro teria que se esclarecer - pressupondo a existência de imunizantes para todos - se a vacina realmente impede a pessoa imunizada de contagiar as demais, o que ainda não está comprovado cientificamente.

Essa questão prejudicial já desaconselharia, na visão do Deutscher Ethikrat, a suspensão individual das restrições, de forma que o ideal seria suspender as medidas restritivas de liberdade para todos na medida em que diminuísse o risco de colapso do sistema de saúde.

Indenização por danos decorrentes da vacina

Por fim, a juíza abordou a polêmica discussão sobre quem poderá responder pelos danos causados pela vacina. E aqui está-se a falar, por óbvio, de complicações que superam as reações comuns de um imunizante, como dores e inchaços, alertou Kessal-Wulf.

Quando o dano extrapolar o campo da normalidade das reações e o Estado tiver, pelo menos, recomendado a vacina - como tem ocorrido em quase todos os países, diga-se - o lesado tem direito de receber uma indenização do Estado, de acordo com o § 60 da lei alemã contra infecções (InfSchG).

Por trás da norma há a ideia do sacrifício (Aufopferung) em prol da coletividade: a pessoa que se vacina assume um risco em prol não apenas de sua própria proteção, mas também em prol da coletividade. "Ela recebe uma indenização quando, por causa do seu sacrifício em prol da coletividade, sofre consequências negativas à saúde", disse a magistrada.

No direito alemão, a Aufopferung não é uma ideia altruística, mas um instituto jurídico tradicional que remonta ao famoso Código Prussiano (Allgemeines Landrecht für die Preußischen Staaten), de 1794. Por meio dele, concede-se ao indivíduo uma pretensão ressarcitória, de natureza jurídica pública, por danos decorrentes de intervenções do Poder Público em seus bens jurídicos imateriais, como saúde e personalidade.

Isso não impede que a empresa fabricante do imunizante ou até mesmo os médicos sejam responsabilizados pelos danos surgidos. A responsabilidade do fabricante vem consagrada em diversos diplomas legais, como na lei de medicamentos (Arzneinmittelgesetz), que prevê a responsabilidade objetiva em caso de morte ou de graves danos ao corpo ou à saúde da pessoa, bem como na lei de responsabilidade por produtos defeituosos (Produkthaftungsgesetz) e no próprio Código Civil alemão (BGB).

Já a responsabilidade do médico ou do corpo clínico pode se configurar quando ele administra a vacina de forma negligente ou em desconformidade com os padrões estabelecidos na ciência médica ou, ainda, quando não informa adequadamente os riscos e efeitos colaterais conhecidos ao paciente, disse Kessal-Wulf.

Epílogo

Em síntese, essas são as atuais discussões travadas na Alemanha em torno dos impactos da pandemia nos direitos fundamentais. Muito deixou de ser dito, obviamente, em razão da escassez do tempo. Da mesma forma, aqui não sobra espaço para as colocações precisas do Min. Gilmar Mendes, por todos, porém, conhecidas em razão das decisões tomadas pelo STF durante a pandemia.

O principal ponto convergente entre os expositores foi o inquestionável dever que recai sobre o Estado de adotar medidas eficazes de enfrentamento à mais grave pandemia da nossa era, que, segundo os especialistas, está longe de acabar por aqui. Como disse o Min. Gilmar Mendes, não pairam dúvidas acerca da existência do dever de proteção do Estado para com os direitos fundamentais à vida e à saúde da população. Pelo andar da carruagem, só nos resta torcer para que o STF cumpra seu papel de guardião da Constituição e dos direitos fundamentais dos brasileiros.

__________

1 O Fórum Jurídico Brasil-Alemanha é um grupo de pesquisados comparatistas, que coordeno juntamente com o Dr. Rodrigo Borges Valadão, e que tem organizado debates sobre temas atuais com a participação, ainda, de convidados estrangeiros. Agradeço penhoradamente aos amigos germanistas Prof. Marcelo Shenk Duque, Doutor pela UFRGS e Universidade de Heidelberg (Alemanha), e Artur Ferrari de Almeida, Mestre e doutorando na Universidade de Freiburg (Alemanha), pelas críticas e sugestões ao texto.

2 Confira-se: 17 capitais têm ocupação de UTIs acima de 80%, alerta Fiocruz. Valor Econômico, 26/2/2021; 'Há grande chance de um colapso nacional. A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia`, diz Miguel Nicolelis. O Globo, 26/2/2021.

3 BARCELOS, Ana Paula. Pandemia e federação: a nova diretriz do Supremo Tribunal Federal para interpretacao das competências comuns e alguns desafios para sua universalização. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva n. 42 (2020), 166-181, p. 171.

4 Logo na primeira fase da pandemia, no primeiro semestre de 2020, os pacientes acometidos de doenças graves, como câncer e cardiopatias, começaram a denunciar as dificuldades de atendimento nos hospitais por conta do coronavírus, expondo o problema da triagem indireta aqui no Brasil, que coloca em risco o direito fundamental à vida e à saúde dos demais pacientes. Confira-se, dentre outras reportagens: Pacientes com doenças graves não conseguem atendimento por conta do coronavírus: 'também queremos viver`. G1, 8.4.2020.

5 'Há grande chance de um colapso nacional. A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia', diz Miguel Nicolelis. O Globo, 26/2/2021.

6 Durchsuchung bei Oberbürgermeister von Halle. ZDF, 22.2.2021. O tipo "veruntreuende Unterschlagung" seria uma espécie de apropriação indébita qualificada pela violação de um dever, cujo elemento central é a apropriação pelo autor (não precisa ser funcionário público) de coisa (no caso: as vacinas) que lhe foi anteriormente confiada para uma determinada finalidade, quando tinha, na verdade, o dever de devolver ou de utilizar a coisa apenas para a finalidade específica. Agradeço ao Dr. Alaor Leite, Assistente da cátedra de Direito Penal na Universidade Humboldt de Berlim, pelos esclarecimentos acerca do tipo penal.

7 Segundo informações do site do governo do estado de São Paulo, caso a pessoa imunizada descumpra o cronograma previsto de vacinação, a multa estabelecida é de 1.700 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (UFESPs), atualmente calculada em R$ 49.453,00. Essa multa pode dobrar e chegar a R$ 98.906,00 se a pessoa que tomou a vacina for um agente público, cuja vacinação ainda não estava prevista pelo cronograma. Disponível aqui. Acesso: 27/2/2021.