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Entrevista: Manuel Carneiro da Frada

terça-feira, 20 de abril de 2021

Atualizado às 07:54

Quis o destino que essa coluna se seguisse à homenagem prestada a Claus-Wilhelm Canaris, um dos grandes nomes do direito mundial, recentemente falecido. O acaso foi sábio, pois nada mais pertinente que trazer na sequência ao leitor uma entrevista com um dos maiores discípulos do mestre alemão em Portugal, em cuja fala percebe-se a influência teórico-dogmática do renomado Professor da Universidade de Munique e uma linha de continuidade de pensamento - aperfeiçoada, por certo - entre dois grandes pensadores da atualidade.

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)
Com muita honra e alegria, o German Report dialoga, nesse momento histórico tão desafiador, com o Prof. Dr. Manuel António de Castro Portugal Carneiro da Frada, Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

Carneiro da Frada licenciou-se pela Universidade Católica do Porto, em 1984, onde estudou com grandes nomes do direito português, como Baptista Machado e José de Oliveira Ascensão.

O mestrado fora realizado na Universidade de Coimbra, em1994, sob orientação do Prof. Antunes Varela, bem conhecido do público brasileiro por sua densa obra e por seus estreitos laços acadêmicos e de amizade com nosso mestre Orlando Gomes.

Em seguida, Carneiro da Frada doutorou-se, em 2002, na Universidade de Lisboa, onde foi assistente do renomado Prof. António Menezes Cordeiro. Sua tese de doutorado é, sem dúvida, o estudo mais completo sobre a responsabilidade pela confiança já escrito em língua portuguesa, publicado pela editora Almedina com o título: Teoria da confiança e responsabilidade civil.

Durante o doutoramento, Carneiro da Frada esteve diversas vezes na Alemanha, frequentando a cátedra de Canaris, quem primeiro sistematizou a teoria da confiança no direito alemão em sua paradigmática obra: Vertrauenshaftung, publicada em 1971 pela editora Beck Verlag.  

Nas estadias em Munique, Carneiro da Frada teve intenso contato com Canaris e seus discípulos, hoje renomados professores, como Hans-Peter Grigoleit, Reinhard Singer e Jörg Neuner, os dois últimos já entrevistados aqui nessa coluna.

 

Exímio germanista, idioma aprendido ainda no colégio alemão do Porto, Carneiro da Frada é profundo conhecedor do direito alemão. Além de Canaris, suas ideias são influenciadas ainda por nomes como Franz Bydlinski, Eduard Picker e Johannes Köndgen, os dois últimos com relevantes escritos sobre a culpa in contrahendo, mais conhecida no Brasil como responsabilidade pré-contratual, tema de meu doutoramento.

Carneiro da Frada foi professor na Universidade de Lisboa entre 1985 a 2006 e, desde então, é titular de cátedra na conceituada Universidade do Porto, além de professor convidado da Universidade Católica de Lisboa.

Paralelamente ao magistério, atua como advogado e árbitro, participando ativamente de inúmeras instituições, como a Association Henri Capitant, além de ser pesquisador visitante em universidades de renome, como a Universidade de Columbia (New York) e a milenar Faculdade de Direito de Bolonha (Itália).

Carneiro da Frada é, de longe, um dos mais brilhantes juristas portugueses da atualidade, com escritos de referência e leitura obrigatória nas áreas da teoria do direito, direito civil, comercial, societário e corporate governance.  

É autor de inúmeras obras, monografias, estudos, artigos e ensaios, dentre os quais destacam-se - ao lado da já mencionada Teoria da confiança e responsabilidade civil - um fabuloso estudo sobre os deveres ético-jurídicos de conduta nos contratos, intitulado Contratos e deveres de proteção, além do manual Direito civil - responsabilidade civil, todos publicados pela renomada editora Almedina.

Seus escritos são leitura obrigatória para o público brasileiro, pois, para além do direito brasileiro fincar raízes históricas no direito português, em Carneiro da Frada tem-se acesso à melhor e mais pura dogmática civilista e comercial, herdeira e representante da melhor produção científica continental. Dessa forma, antes de buscar estrangeirismos, imperioso consultar a tradicional e rica doutrina lusitana.

Nessa entrevista, Carneiro da Frada reflete, com peculiar profundidade, sobre os desafios no direito contratual provocados pela pandemia de Covid-19, mas também sobre impossibilidade, alteração superveniente das circunstâncias, boa-fé e tutela da confiança. Confiram:

GR: A Europa ainda enfrenta a segunda onda de Covid-19, frustrando as esperanças de que a vida voltaria ao "normal" após o lockdown do ano passado. Como o Senhor avalia esse momento histórico que a humanidade está atravessando? 

Carneiro da Frada: Tudo continua em curso e falta ainda a perspectiva para uma avaliação mais distanciada e consistente. Diria que a crise sanitária é, no flagelo que constitui para a nossa existência individual e colectiva, no plano económico, social e político, uma oportunidade para repensarmos a nossa vida e o que queremos que ela seja, pessoal e, conjuntamente, como sociedade. 

A pandemia confrontou-nos com a nossa fragilidade de seres humanos, que nem os vastos conhecimentos da ciência ou o extenso domínio da técnica apagam, afinal: o super-homem das nossas sociedades mais desenvolvidas recebeu, porventura contrafeito, uma cura de humildade. 

E fracassam as ideologias que respondem às grandes interrogações da existência com o enaltecimento do homem na ara das leis de um inexorável progresso, patentes que são as suas limitações. Mostra-se também ainda a artificialidade da recusa, no plano individual mas também da opinião pública e do diálogo social, do tema da relação do ser humano com Deus e a transcendência que aquelas interrogações também colocam, convocando resposta. 

Abre-se-nos em todo o caso uma excelente oportunidade para recentrarmos a nossa existência no que mais importa, redescobrindo valores fundamentais e descortinando sentidos mais perduráveis e consistentes para a vida de cada um. A rejeição do individualismo, a busca de uma sociedade efectivamente solidária e o reforço das suas raízes de "comunidade", o respeito pela beleza da vida em todas as suas formas, a reharmonização do homem com a dádiva que é, para ele, a natureza, podem ser marcas muito positivas - é o que desejamos! - de uma crise que todos desejamos ultrapassar.  

GR: A pandemia provocou disrupções nas cadeias de produção, distribuição e consumo em quase todo o globo, afetando profundamente a economia mundial. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o mundo pode viver uma recessão só equiparável à grande depressão de 1929. Muitos contratantes estão com extrema dificuldade de cumprir os contratos por causa da perda ou redução significativa de seus rendimentos em razão do lockdown. O direito português tem mecanismos para resolver esse problema? 

Carneiro da Frada: O problema, tal como é posto, não tem, nalgumas vertentes, precedente, e a pandemia oferece-nos, efectivamente, um laboratório muito vasto de análise de questões até aqui porventura não suficientemente equacionadas. Obviamente: no direito português, as dificuldades de cumprimento por parte dos devedores resultantes de um acréscimo do custo da realização do programa obrigacional (risco da prestação) podem ser aliviadas com recurso à resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, verificados os respectivos requisitos. 

E cremos mesmo que, em tese, uma grande alteração das circunstâncias como a que ocorreu presentemente com a crise sanitária não pode repercutir-se unilateralmente apenas numa das partes do contrato por ela directamente afectado, porque constitui risco de todos. Falta uma reflexão aprofundada sobre a matéria, mas já nos pronunciamos no sentido da necessidade de uma igualação das partes relativamente aos sacrifícios e prejuízos que a pandemia pode provocar. 

As dificuldades económicas experimentadas pelo devedor não são porém, em Portugal como em muitos outros países, causa geral de exoneração perante o credor. Especificamente no que toca à perda de rendimentos em virtude da pandemia, julgo que ela não consubstancia, em si mesma, propriamente, uma alteração das circunstâncias. "Geld muss man haben", dizem os alemães: a falta de recursos económicos, mesmo se imprevista, não exonera o devedor.

 Porém, a exigência do cumprimento dos contratos não pode implicar a ofensa ao necessário a uma existência conforme com aquele mínimo que exige a dignidade da pessoa humana (constitucionalmente garantida pelo art. 1.º da Constituição da República Portuguesa). À partida, as várias restrições de direito processual à penhorabilidade geral dos bens acautela-o, mas não pode excluir-se a directa incidência da exigência constitucional do respeito da dignidade da pessoa humana neste campo (como excepção válida do devedor ao cumprimento do contrato). 

A questão não respeita às sociedades, que suportam sem limitações os riscos gerais da actividade económica a que se dedicam. Mas, no que respeita às pessoas propriamente ditas (físicas), ela coloca-se também fora do âmbito de uma alteração das circunstâncias como a que vivemos, muito embora esta a torne especialmente sensível. 

Todos têm direito ao imprescindível para uma vida minimamente digna. Os interesses do crédito, particularmente se comercial, encontram nele um limite. (O abuso do direito, na forma de um exercício desproporcionado de um direito, pode também ser mobilizado no mesmo sentido.). Falo de situações extremas que, até pela complexidade de que muitas vezes se revestem, consentem várias soluções e reclamam, por isso, opções político-legislativas claras. Também para obviar à insegurança jurídica que se poderia gerar. 

GR: Pode-nos dizer, em linhas gerais, como a teoria da quebra da base do negócio é aplicada em Portugal? 

Carneiro da Frada: Tomo a referência à teoria da quebra da base do negócio num sentido amplo, correspondente ao do reconhecimento da possibilidade de resolver ou modificar um contrato por alteração das circunstâncias. E, de facto, o art. 437, nº. 1, do nosso Código Civil, ao admitir, verificados certos requisitos, a resolução ou a modificação do contrato "se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal" mostra no seu texto a influência que essa teoria exerceu no legislador histórico (em particular, no pensamento do Prof. Vaz Serra). 

Sobre a sua aplicação, diria sumariamente o seguinte. Após um período inicial de aplicação menos intensa deste regime - correspondente ao início de vigência do Código Civil (1967) e à sua interiorização pela doutrina e pela cultura judiciária - segue-se hoje uma aplicação frequente e dinâmica desse regime. A crise financeira de 2008 teve um papel propulsionador de relevo, tendo-se multiplicado e aperfeiçoado a discussão em torno da figura: por exemplo, em virtude da chamada "questão dos swaps" entre nós debatida na própria opinião pública devido ao impacto político que tiveram os encargos financeiros que dela resultavam para o Estado português, e em que se colocou a pergunta de saber se contratos de swap que tenham vindo a revelar-se profundamente desequilibrados em virtude da intervenção das autoridades monetárias europeias no mercado das taxas de juro, fixando-as administrativamente, podiam ser ou não resolvidos por alteração das circunstâncias. 

A resposta afirmativa que foi dada a essa questão pelos tribunais portugueses, como foi reconhecido pelo tribunal londrino que apreciou vários contratos de swap subscritos por importantes empresas públicas portuguesas perante (no caso) o Banco Santander, mostra o dinamismo e a relevância que o regime da alteração das circunstâncias adquiriu entre nós. 

Apesar disso, confrontados que somos agora com uma nova "grande alteração das circunstâncias" constituída pela crise sanitária - uso a expressão no sentido técnico que adquiriu entre nós, cunhada a partir da "grande base do negócio" de Kegel, de modificação de bases gerais da vida em sociedade - verifica-se que temos ainda um enorme caminho a percorrer com vista a compreender e estruturar devidamente a distribuição dos riscos contratuais correspondentes a este tipo de alteração (deixei algumas reflexões para o efeito em A alteração das circunstâncias perante o Covid-19/Teses e reflexões para um diálogo, in Revista da Ordem dos Advogados, 2020, I-II, 153 ss). 

Existe, a seu ver, um dever de renegociar no direito português?

A questão que me coloca surgiu com acuidade no decurso da pandemia. Tenho expressado uma opinião divergente da sensibilidade até aqui manifestada pela maior parte dos meus colegas portugueses. Penso que não há na nossa ordem jurídica nenhum dever legal geral de, em nome da boa fé, renegociar o contrato sobrevinda uma alteração das circunstâncias. Nada impede, naturalmente, que as partes acordem então entre si uma modificação do contrato. O art. 437.º/1 prevê, no entanto, apenas o direito da parte lesada a obter do juiz a modificação do contrato segundo juízos de equidade.

É uma pretensão que pode ser exercida nos tribunais, mas que não obriga a contraparte a qualquer iniciativa de renegociação do contrato propriamente dita. O exercício do direito potestativo à modificação do contrato não deve, naturalmente, ser indevidamente impedido, pois tal consubstanciaria sem dúvida uma violação da regra de conduta segundo a boa fé. De qualquer forma, não se permite à contraparte um novo exercício da sua autonomia privada negocial (reabrindo os termos de um contrato já celebrado, e possibilitando-lhe a sua renegociação).

Impõe-se-lhe apenas a não obstaculização ou o acatamento do direito da contraparte à adaptação do contrato em função da alteração das circunstâncias. Tal não é propriamente renegociá-lo (reconstruindo a sua equação económica inicial e como oportunidade de procurar maximizar proveitos à custa alheia). O legitimado à modificação também não pode mais do que solicitar a adaptação do contrato segundo a medida exacta de equidade pedida pela quebra da base negocial ocorrida.

Abrir genericamente as portas a uma renegociação dos contratos afectados pela pandemia conduziria infalivelmente, de parte a parte, a condutas oportunísticas e de exploração. O direito português bem andou ao - com grande realismo, e de forma muito prudente e pragmática - evitar aproveitamentos de alterações de circunstâncias em proveito próprio que o estabelecimento de um dever indiscriminado de renegociar infalivelmente propiciaria. Assim, se as partes não se entenderem quanto ao que consideram ou não ser o direito à modificação, o juiz decide.

Elas só recorrerão, de resto, a tribunal porque não foi possível entenderem-se antes. No direito português, uma modificação do contrato requer por princípio o acordo delas (como estabelece o princípio do contrato proclamado no art. 406.º/1 do Código Civil). A boa fé não tem a virtualidade de obrigar as partes a renegociar um contrato, pois não é fonte de deveres de prestar, apenas comandando o modo da sua execução. Conto poder esclarecer melhor o que penso em estudo que tenho no prelo. 

GR: O direito alemão considera o caso do anel no fundo do lago como impossibilidade fática, nos termos do § 275 II BGB, enquanto os casos chamados de impossibilidade econômica são solucionados pelo § 313 BGB com apoio na teoria da base do negócio. Como o problema é solucionado no direito português? 

Carneiro da Frada: O direito português é similar. Apesar de o exemplo colocar de manifesto a fluidez - afinal de contas - da categoria da impossibilidade, o caso é efectivamente usado na nossa doutrina para exemplificar a impossibilidade. Talvez porque, de acordo com as concepções habituais do comércio  - talvez melhor, do próprio usuário do exemplo, que interpreta o caso segundo o propósito justificativo que presidiu à sua enunciação -, "não faça sentido" filtrar os resíduos de um lago para realizar a prestação. (São nítidas as insuficiências de uma compreensão puramente fisico-naturalística da impossibilidade, como o actual direito germânico reconhece.) 

Parece claro que no direito português o limiar da impossibilidade se tem de adequar ao teor da prestação - conexionando-se assim com a interpretação e a integração do contrato (no qual a regra da boa fé pode introduzir já uma ponderação de razoabilidade e equilíbrio de interesses) - e que os esforços a prestar devem ser proporcionados. Afigura-se para o efeito relevante a compreensão usual das exigências que se colocam aos devedores no sector contratual em causa, designadamente quanto ao limiar das dificuldades que conduzem à sua exoneração por impossibilidade. Abaixo desse limiar, o art. 437.º/1 relativo à alteração das circunstâncias pode actuar; é esse o seu campo de intervenção. 

GR: No Brasil, alguns autores sustentam que só cabe revisão contratual quando houver variação no valor original da prestação ou o custo da prestação se tornar excessivamente oneroso, i.e., quando houver aumento no custo do cumprimento. Porém, não caberia revisão nas situações em que a pandemia agravou a situação patrimonial do devedor, embora a Covid-19 e a paralisação parcial das atividades econômicas possam ser considerados eventos anormais e imprevisíveis, que alteraram profundamente as circunstâncias iniciais do contrato. A teoria da base do negócio soluciona esses casos? 

Carneiro da Frada: Segundo o art. 437º/1 do Código Civil, a resolução e a modificação do contrato por alteração das circunstâncias requerem, efectivamente, a lesão do devedor. O conceito não está precisado, mas converge-se facilmente que o aumento do custo da prestação pode consubstanciar uma lesão para esse efeito. Como regra geral, cabe ao devedor, no nosso direito, o risco da prestação, isto é, o risco do agravamento das condições e dispêndios necessários para a sua realização. Só por si, portanto, esse agravamento não exonera o devedor nem o dispensa do pontual cumprimento das suas obrigaçoes. 

Mas o aumento da sua onerosidade pode torná-la excessiva e, se - reporto-me ao direito português - decorrer de uma alteração das circunstâncias em que ambas as partes fundaram a decisão de contratar,  conduzir a que a exigência, por parte do credor, da obrigação assumida seja contrária aos princípios da boa fé. Nesse caso, o contrato é resolvido ou modificado. A onerosidade excessiva decorrente do que pode chamar-se a quebra da base do negócio torna-se então relevante. 

A lei não cinge a onerosidade superveniente - no direito português, a lesão -  a uma circunstância que afecte apenas o contrato (eventualmente) a resolver ou modificar, e que dele seja privativa. Requer-se em todo o caso que haja uma repercussão negativa da alteração das circunstâncias nas condições de cumprimento do contrato em causa, ainda que mediata. Mas deve exigir-se sempre, naturalmente, que ela esteja numa relação de causalidade adequada da lesão por ele sofrida.

 Compreende-se também que, quando a onerosidade afecta uma multiplicidade de contratos, a solução deva ser aferida em ligação com outros princípios que informam a actividade contratual do devedor no seu conjunto: por exemplo, no que toca aos prestadores de bens essenciais ou de serviços objecto de uma contratação de massa, com o princípio da igualdade de tratamento dos clientes. 

Dou um exemplo: discutiu-se em Portugal, na sequência da crise financeira de 2008, se determinados produtos financeiros comercializados por um banco em larga escala podiam ou não dar lugar à modificação ou resolução dos respectivos contratos. Nesta situação, parece-me claro que a solução a aplicar deve ser universalizável, isto é extensível a todos os clientes em idêntica situação. Não é suficiente a demonstração pelo cliente de que uma dada alteração das circunstâncias lhe provocou uma lesão ut singuli se tal significar uma solução privilegiada relativamente à que se mostra possível para outros clientes em similar situação, ou se desse modo colocar em risco direitos idênticos dos demais. 

No direito da insolvência e da recuperação de empresas parece adequado impôr-se ao devedor uma solução alargada e universal que distribua por todos os contratos que mantém com as suas contrapartes os riscos e contingências a que se viu exposto. Deve, porém, ter-se em conta que fora dos mecanismos próprios desse campo não é fácil dar relevo à necessidade de salvaguardar a igualdade com outros contratantes em situações idênticas. São os limites que os critérios de justiça distributiva encontram em relações comutativas. 

Uma última nota para referir que a onerosidade excessiva não esgota o universo das alterações de circunstâncias. Os casos de frustração do fim ou de consecução do fim por outra via são de tal um expelo eloquente. Atentas as limitações do direito da impossibilidade, a teoria da quebra da base do negócio e - em Portugal, o disposto no art. 437.º/1 - podem contribuir para a sua solução. 

GR: Sustenta-se no Brasil ainda que a teoria da base do negócio não teria fundamento na boa-fé, embora a figura tenha se desenvolvido no direito alemão à partir da Treu und Glauben do § 242 BGB. Qual a importância da boa-fé para a teoria da base do negócio?

Entendo a pergunta como referida ao direito português. Na realidade, é sabido que a teoria alemã da base do negócio foi, com outras, considerada e ponderada pelo legislador histórico - refiro-me, em especial aos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1967 elaborados pelo Professor Vaz Serra -, e que grande parte da doutrina lusa posterior se lhe acolheu. É também certo que o teor do art. 437.º/1, na parte em que alude à alteração das circunstâncias "em que as partes fundaram a decisão de contratar", se inspira claramente nessa conhecida concepção de Oertmann, mais tarde muito trabalhada por esse grande jurista alemão que foi Karl Larenz. 

Em si mesma, a noção de base do negócio não aponta as valorações segundo as quais a sua frustração deve ser considerada pela ordem jurídica. Nesse sentido pode dizer-se que o  cerne, o critério normativo central do referido art. 437.º/1 é constituído pelos "princípios da boa fé", pois são estes que decidem se a exigência, pelo credor, das obrigações assumidas (ocorrida aquela alteração) é possível. A lei impede a sua afectação grave, mas não indica em que consistem tais princípios. Nem há paralelo legal da expressão "princípios da boa fé", preferindo o legislador integrar a palavra "boa fé" noutras locuções (procedimento de boa fé do devedor e do credor, no art. 762.º/2, limites impostos pela boa fé, no abuso do direito do art. 334, regras da boa fé no art. 275.º/2 a propósito da conduta das partes na pendência da condição, ditames da boa fé, no art. 239.º, como critério de integração de lacunas contratuais). 

A doutrina mais recente tem notado que a expressão deve ser objectivada: estão em jogo exigências de justiça contratual - da relação contratual, sobrevinda a alteração -, sendo certo que essas exigências devem ser medidas em função do equilíbrio contratual inicialmente gizado pelas partes, ou seja da equação económica originária do contrato, para cuja fixação as representações das partes são evidentemente relevantes. 

Não está em causa - mesmo se em muitos aspectos coincidente - o respeito pela vontade das partes, ainda que hipotética (ao contrário do que parece sugerir, na Alemanha, o disposto no § 313 do BGB). O apelo a tal vontade esconde, na realidade, no ordenamento jurídico português, ponderações de justiça objectiva. Confirma-o o facto de, no direito português, a modificação do contrato se fazer segundo juízos de equidade, uma medida objectiva: ainda que includente das valorações das partes, não se detém nelas. 

Tal alarga o espaço da resolução ou a modificação do contrato por alteração das circunstâncias a casos que se encontram bem para lá das hipóteses de eleição da teoria da imprevisão francesa ou de um entendimento subjectivado da teoria da pressuposição windscheidiana. Por outro lado, confere realmente uma medida para a onerosidade excessiva, permitindo uma adequada operacionalização da noção nos sistemas jurídicos que acolhem esse conceito. 

GR: Ao longo do século 20, doutrina e jurisprudência alemãs desenvolveram diversos institutos com base na boa-fé (v.g. culpa in contrahendo, violação positiva do contrato, culpa post factum finitum, teoria da base do negócio) e renovaram outros, como o abuso do direito e o próprio conceito de relação obrigacional, que hoje não retrata apenas o vínculo do qual emanam deveres prestacionais, pois pode produzir apenas deveres laterais de conduta, sendo, por isso, chamada relação de confiança ou relação obrigacional sem dever de prestação. Qual a importância da boa-fé para a modernização do direito obrigacional alemão e português? 

Carneiro da Frada: Vou centrar-me no direito português. A modernização do direito português alcançada mediante a dinamização da boa fé é muito grande. Ela tem evidentemente características diferentes das de que se revestiu a evolução do direito germânico. Desde logo porque, na nossa ordem jurídica, a quase totalidade das figuras referidas - culpa in contrahendo, cumprimento defeituoso do contrato, alteração das circunstâncias, abuso do direito - se apresentam, praticamente desde o início, legislativamente consagradas ou cunhadas. Não temos, pois, em Portugal uma dinamização tão ampla e corajosa da boa fé como a que foi levada a cabo pelos tribunais alemães durante o século XX. 

Apesar disso, mesmo tendo portanto em conta o acolhimento, pela lei, de tais figuras e institutos, a boa fé tem vindo a propulsioná-las muito activamente. Em virtude de uma apreciável mobilização da doutrina nesse sentido, sendo justo reconhecer, neste particular, a enorme importância da obra de Menezes Cordeiro sobre a boa fé, de meados da década de 80, nesse sentido.

 O tempo decorreu, naturalmente, e, considerando a enorme proliferação de decisões proferidas com base na boa fé, assiste-se hoje a um esforço de racionalização e aprofundamento das suas exigências. Na maior parte dos sectores, o crescente analistismo da doutrina e a necessidade de diferenciar situações, trazendo à colação os critérios materiais de decisão, encarregaram-se já de relegar para o insatisfatório o pura e simples apelo à boa fé, em nome da previsibilidade das decisões e do controlo da racionalidade jurídica; não podendo também ignorar-se as "derivas" que, de forma muito criticável e indevida, a boa fé tem permitido, pelo empobrecimento do discurso jurídico que aqui ou acolá a expressão tem permitido, normalmente com desrespeito de exigências elementares do método jurídico. 

Na reelaboração dogmático-crítica que muitas dessas figuras e institutos têm recebido, a boa fé é uma noção "de passagem", destinada a converter-se numa noção agregadora de argumentos materiais situados para lá dela própria. E tal, enquanto não alcançam maior maturidade e organização dogmáticas esses argumentos. Embora, no caso português, não possa esquecer-se a centralidade a que a sua difundida consagração legal obriga. O que, diga-se de passagem, requererá sempre uma cuidada e correcta metodologia na aplicação do Direito (que nem sempre se verifica). 

GR: Em sua opinião, qual a importância da boa-fé na interpretação contratual? 

Carneiro da Frada: De forma muito sumária, penso que o papel da boa fé não tem sido suficientemente valorado na interpretação contratual, e ao contrário do que ocorre no campo da convizinha integração, em que se reconhece, entre nós, aos ditames da boa fé o papel de critério integrador. 

Posso avançar duas grandes razões. A primeira, a de que - como já apontei em estudo meu - na nossa doutrina a interpretação contratual tem sido, na maior parte das vezes, indevidamente dissolvida no tema mais geral da interpretação da declaração negocial, esquecendo-se a especificidade que apresentam os contratos em matéria de interpretação (cfr. o meu Forjar o Direito, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 11 segs). E, de facto, o nosso Código Civil não autonomiza nem menciona a boa fé enquanto critério da interpretação negocial.

 A segunda razão tem a ver com o facto de na interpretação procurarmos um sentido para a declaração de vontade e, nesse juízo, uma valoração segundo a boa fé parece estar deslocada: quer-se ou não se quer, vale ou não vale um certo sentido da declaração negocial; não está em causa nenhuma apreciação do comportamento do sujeito ao emitir uma certa declaração negocial, nem depois de a produzir. 

A verdade é que, num contrato, há que harmonizar as declarações das partes, simultaneamente declarante e declaratário. O que coloca a interpretação, ab initio, num plano diferente do da interpretação da declaração negocial (isolada). A interpretação procura, nos contratos, por entre a vontade das partes (rectius, nas suas declarações) um equilíbrio, uma razoabilidade intersubjectiva teleologicamente orientada pelos fins do contrato. A boa fé poderia expressá-lo, como no fundo faz em matéria de integração (em que teve essencialmente presente a realidade contratual). Mas o legislador português não terá visto com suficiente nitidez essa proximidade. 

GR: O Código Civil brasileiro dedicou três cláusulas gerais à boa-fé: no art. 113 ela vem positivada como cânone interpretativo-integrativo do negócio jurídico; no art. 187 enquanto limite ao exercício abusivo do direito e o art. 422 diz que o devedor deve observar a boa-fé na formação e na execução do contrato. A teoria da base do negócio pode ser recepcionada em um ordenamento jurídico que possua essas cláusulas gerais, tendo em vista o lacunoso regime revisional legal, que não tutela todos os casos de alteração superveniente das circunstâncias? 

Carneiro da Frada: A minha resposta é positiva. Penso que nada obsta à recepção ou ao desenvolvimento do tema da alteração das circunstâncias a partir da boa fé. Dado que a resolução ou modificação do contrato só se põem propriamente perante um programa contratual previamente estabilizado mediante a interpretação e a integração, e considerando também o âmbito muito geral do abuso do direito, julgo que é particularmente relevante para o efeito a regra que vincula as partes a uma conduta segundo a boa fé na execução do contrato. 

Pode certamente ser contrário à boa fé que, sobrevinda uma quebra da base do negócio da qual decorre uma lesão grave para uma das partes, a outra insista no pontual cumprimento do contrato. Tratar-se-á, pois, de uma manifestação particular da regra de conduta segundo a boa fé. A quebra da base do negócio é alcançada por essa regra e constitui, dentro dela, uma sua expressão particular. Faz dentro dela sentido uma autonomização problemático-dogmática do tema da alteração das circunstâncias. 

A boa fé - em qualquer uma das suas previsões no direito legislado brasileiro acima apontadas - tem certamente um enorme efeito expansivo: a sua consagração numa só dessas normas repercutir-se-á certamente no entendimento das demais e de múltiplas constelações de facto que, encontrando-se apertis verbis fora do alcance dessas normas, concitem ponderações análogas em nome da justiça (que é igualdade de tratamento). 

Temos, de resto, o exemplo ímpar da lei civil alemã que, a partir de um só preceito do BGB - o § 242 - provocou em todo o século XX um fecundíssimo desenvolvimento jurisprudencial, que se ramificou por diversos institutos e figuras, entre as quais a alteração das circunstâncias (hoje codificada, na sequência da lei alemã de modernização do direito das obrigações, de 2002). Ora, se tal ocorreu num país habituado a um raciocínio formal e conceptualmente mais rígido, assim como a um método jurídico altamente preciso e diferenciador,  mais tenderá a ocorrer - ou a poder ocorrer - em culturas jurídicas às quais é inerente, por tradição (para não dizer pela legítima idiossincrasia de cada uma), uma grande flexibilidade e plasticidade argumentativa.

No Brasil, a generosidade com que o seu direito legislado reconhece ou apela hoje à boa fé, quer em matéria de interpretação e integração do contrato, quer como critério do abuso do direito, quer ainda enquanto regra de comportamento na fase pré-contratual e, também, na da execução do contrato, parece legítimo dizer-se que a relativa estreiteza das normas constantes do art. 317 e do art. 478 do CC brasileiro (permitindo a revisão ou a resolução do contrato por alteração do valor da prestação ou por onerosidade superveniente) não obstará, portanto, ao reconhecimento da possibilidade de extinguir ou modificar o contrato se sobrevêem alterações das circunstâncias que se repercutam no contrato de modo diferente ao que essas disposições prevêem (por exemplo, perturbando o seu fim). Assim o têm também entendido vozes brasileiras, como a de Karina Nunes Fritz. 

Neste contexto, a questão resume-se a saber se a teoria da base do negócio se apresenta ou não indispensável do ponto de vista do rigor e das necessidades da dogmática jurídica.

 De facto, não me parece que o abuso do direito ou a regra de conduta segundo a boa fé - e, muito menos, a interpretação/integração do negócio - sejam sucedâneos perfeitos de uma doutrina da alteração das circunstâncias, que permitam dispensar a sua teorização autónoma. Não haverá dúvida de que essas figuras permitirão, na maior parte dos casos, resolver o essencial dos problemas postos. Só que as ponderações específicas que a alteração das circunstâncias coloca merecem, a meu ver, individualização e tratamento dogmático próprio, ainda quando as consequências jurídicas respectivas se possam justificar ao abrigo do abuso do direito ou da regra de conduta segundo a boa-fé. 

De resto, a resolução ou a modificação do contrato escapam ao tipo de efeitos comummente associados ao abuso do direito ou à violação da regra da boa fé. Parece, pois, que também essas consequências justificam uma explicação dogmaticamente autonomizada relativamente ao que estatuem os preceitos do abuso do direito ou da regra de conduta segundo a boa-fé. 

A teoria da base do negócio tem, portanto, total pertinência e  oportunidade. Mas é ainda, sobretudo, uma fórmula geral, compreensiva; que não dispensa de indagar as razões e os termos concretos segundo os quais se devem fazer repartir o risco da realidade subjacente ao contrato entre os contraentes. Na verdade, ela não parece, por si só, proporcionar uma justificação para a resolução ou a modificação do contrato: carece de ser precisada, e, sobretudo, de se integrar numa teoria da justiça do contrato. 

Pode e deve certamente ser acolhida num espaço jurídico como o Brasil. Com a consciência embora de que, como em qualquer país, remete para um contexto referencial mais amplo que responda à questão de saber qual o verdadeiro fundamento da vinculatividade do contrato e não dispensa depois o desenvolvimento e a especificação de critérios de distribuição de risco que a operacionalizem. 

Olhando pelo prisma do ordenamento jurídico português, venho defendendo - na esteira de um grande amigo do Brasil, o Prof. Doutor Oliveira Ascensão - que os "princípios da boa fé" que constituem o eixo do art. 437.º/1 significam que a justiça objectiva do contrato (rectius, da relação contratual) é o vero critério normativo central dessa norma (cfr., por exemplo, Forjar o Direito, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 67-68). Uma justiça que tem de ter em conta as representações das partes, mas uma justiça objectiva, que não implica qualquer ilicitude de comportamento dos sujeitos, nem qualquer abuso por parte deles para poder desencadear as consequências que lhe estão associadas: a resolução e a modificação do contrato segundo juízos de equidade. E a jurisprudência sufraga-o também, independentemente de etiquetagens formais. 

GR: A teoria da confiança e o terceiro gênero de responsabilidade ainda são pouco compreendidos no Brasil. O Senhor poderia explicar em linhas gerais o que entende por teoria da confiança? 

Carneiro da Frada: Suponho que estará a referir-se de modo implícito à obra da minha autoria intitulada Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil (Almedina, Coimbra, 2004), que culminou uma longa investigação sobre essa temática. Nela procurei esclarecer as ligações entre a doutrina da confiança e o direito da responsabilidade civil, em termos que continuo a pensar correctos, independentemente de um ou outro acento que hoje daria. 

A base de que parti estava na altura constituída, essencialmente, pela construção absolutamente fundamental de Canaris sobre a confiança (que fiquei a conhecer aprofundamente graças a algumas estadias de investigação que muito gentilmente me proporcionou junto da sua cátedra de Munique). Na doutrina portuguesa, havia então ecos muito fortes da sua obra, embora, nalguns aspectos, muito parcelares e, a meu ver, redutores. 

Mas constituiu também base das minhas reflexões a crítica acesa que esse monumental esforço dogmático gerou na Alemanha, com posições muito adversas por parte de juristas de proa - várias delas negacionistas de uma doutrina da confiança no direito civil -, de que também na doutrina portuguesa havia notícia e seguidores. 

Propus-me, pois, uma reconstrução dogmático-crítica da doutrina da confiança, e em especial no seio da responsabilidade civil, onde a crítica à confiança mais se fazia sentir. Pensava então - e não mudei de opinião - que era imprescindível depurá-la do que na realidade lhe não era inerente; e que, devidamente perscrutada, ela apresentava um núcleo teorético-dogmático muito forte, que, se fosse devidamente perfilado, seria capaz de resistir às investidas dos seus múltiplos inimigos. Cheguei com isso a um modelo que, na sua pureza teórica, me parece válido independentemente de consagração legislativa e cuja vigência, onde não acolhida pelo legislador, remete para o tema geral dos termos e requisitos da efectividade do Direito perante uma dada ordem jurídica. 

Durante o percurso das reflexões que fiz dei-me conta de que havia incompletudes, discrepâncias e incoerências várias na doutrina de referência acerca da confiança. Procurei, pois, colmatá-las - rectius, ajudar a colmatá-las - propondo um quadro teórico-dogmático distinto. Chamei, nesse sentido, à minha concepção, uma "teoria pura da confiança". 

Se bem que ainda e sempre tributária do esforço ímpar de Canaris - a Vertrauenshaftung deixara, é certo, na sombra a ligação à responsabilidade civil que me interessava, mas havia pelo menos um texto seu que a delineara no início da década de oitenta -, a minha proposta é essencialmente uma tentativa de aperfeiçoamento e integração das asserções relativas à confiança e ao direito da responsabilidade civil numa concepção que se pretende unitária, coerente e harmoniosa. Isolo, nesse sentido, a teoria pura da confiança de outras interpretações que concorrem para o domínio daquilo a que podemos chamar, inspirando-nos em Canaris, a terceira via da responsabilidade civil (para este autor efectivamente cingida e identificada, a meu ver excessivamente, com a confiança). 

Em Portugal multiplicaram-se e são hoje dominantes as vozes contrárias contrárias a essa terceira via da responsabilidade civil. Mas penso que essa doutrina veio para ficar: ela corresponde a uma impostação lógica do pensamento presentes que sejam os limites da responsabilidade por violação de deveres de prestar e identificado que seja, de modo correcto também, a função e o âmbito da responsabilidade delitual. Não creio que estejamos perante realidades historicamente contingentes, dependentes de ordenamento para ordenamento. Há arquétipos e modelos de pensamento jurídico que desafiam o tempo e o espaço. 

Passaram-se já alguns anos desde a publicação da minha investigação sobre o tema. Sem prejuízo de alguns esclarecimentos suplementares hoje conferiria às traves-mestras da concepção a que cheguei, mantenho a minha convicção sobre a sua pertinência. Sem deixar de chamar renovadamente a atenção para que ela convoca, sem dúvida, dimensões de teoria do Direito mais amplas. Contrariamente ao que esperava, não encontrei uma crítica profunda e consistente ao que escrevi. Mas, pela minha parte, continuo a pensar que há muito para reflectir, discutir e progredir no âmbito do magno tema da confiança e da responsabilidade civil.