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O caso Siemens/Neubürger e o dever de compliance dos administradores de sociedades

terça-feira, 25 de abril de 2023

Atualizado às 09:44

A coluna German Report desta semana recebe o contributo do jovem Bruno Tostes Corrêa, dedicado estudioso do Direito Societário alemão, comentando um dos julgados mais emblemáticos do Landgericht München I, o juízo de primeira instância de Munique.

O caso envolve temática palpitante no Direito Societário: os deveres dos administradores, tema em voga nas últimas décadas com o chamado dever de compliance, o qual vem associado, na Alemanha, ao chamado dever de controle da legalidade (Legalitätskontrollpflicht), que, por sua vez, é um corolário do dever de legalidade (Legalitätspflicht).

Nosso articulista é bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), advogado e mestrando em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo sob a orientação do ilustre Prof. Mauro Rodrigues Penteado. Dentre suas recentes publicações, merece destaque o profundo artigo escrito com Gustavo Machado Gonzalez sobre o "Dever de legalidade dos administradores de sociedades", publicado em 2022 na Revista Semestral de Direito Empresarial. Boa leitura a todos!

* * *

No direito societário, os deveres dos administradores constituem um tema de enorme relevância. Afinal de contas, o bom funcionamento das sociedades depende de uma atuação adequada de tais atores. Tendo isso em mente, as ordens jurídicas determinam uma série de deveres aos administradores. Para além disso, em âmbito doutrinário e jurisprudencial, o assunto é normalmente objeto de inúmeros desenvolvimentos.

No contexto dos deveres dos administradores, um tema que ganhou muita relevância nas últimas décadas é o chamado dever de compliance. Na Alemanha, isso não foi diferente. Em solo germânico, tal assunto é normalmente relacionado ao dever de controle da legalidade (Legalitätskontrollpflicht1), um corolário do dever de legalidade (Legalitätspflicht)2, entendido aqui como o dever de o administrador não só cumprir a ordem jurídica, mas também promover ou assegurar que a sociedade administrada cumpra todas as normas que recaiam sobre ela3.

Para o desenvolvimento da matéria na Alemanha, há um precedente jurisprudencial que é considerado como um marco pela doutrina daquele país. Trata-se do caso Siemens/Neubürger, julgado pelo Landgericht München I4 em 10 de dezembro de 20135.

Os fatos do caso

O caso Siemens/Neubürger diz respeito a um escândalo de corrupção que envolveu a Siemens Aktiengesellschaft e suas subsidiárias.

No início da década de 1980, um sistema de caixa dois foi instituído na companhia6, propiciando a utilização dos recursos disponíveis em tal sistema para pagamento de propinas. O método foi alterado nos primeiros anos da década de 2000 por diversos funcionários da Siemens: em vez de um sistema de caixa dois, passou-se a fazer uso de contratos de consultoria fictícios, que levavam à emissão de notas frias.

Essa estrutura ilícita era mantida por funcionários da Siemens, não havendo, ao menos em tese, a participação direta de membros da administração da companhia.

De todo modo, desde o final da década de 1990, os membros do Vorstand (diretoria) da Siemens já sabiam da importância de a companhia agir conforme a lei, em especial nos meses seguintes à entrada em vigor da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE)7. A necessidade de completa observância da Siemens ao Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) americano também foi destacada internamente, chegando-se a informar aos funcionários da companhia sobre o conteúdo das normas do FCPA8.

Em 2000, apareceu o primeiro grande sinal de que havia um esquema de corrupção na estrutura da Siemens. O chefe do departamento jurídico da companhia compartilhou com Heinz-Joachim Neubürger, diretor financeiro (Finanzvorstand), uma carta do governo da Áustria elaborada a partir de uma determinação judicial do Poder Judiciário suíço. No caso, o objeto da carta eram recursos financeiros de propriedade de um ex-ditador da Nigéria.

Entre as contas bancárias listadas na carta, havia uma que tinha sido aberta secretamente por um dos funcionários da Siemens, sem o conhecimento e consentimento da administração da companhia. No âmbito interno da Siemens, os recursos depositados na referida conta haviam sido usados para pagamentos clandestinos, sempre classificados como despesas úteis.

Nos anos subsequentes, outras evidências de que havia um esquema de corrupção vieram à tona. Por exemplo, em 2003, uma auditoria tributária realizada descobriu que haviam sido feitos pagamentos suspeitos com base em contratos de consultoria. Também no mesmo ano, auditores reportaram a Heinz-Joachim Neubürger que tinham notado um saque considerável de dinheiro numa conta bancária da companhia em Munique.

À vista dessas evidências, ele determinou o início de uma investigação interna, cujo resultado foi a descoberta de um saque de 4 milhões de euros, montante que fora enviado para a Nigéria por alguns empregados.

Logo após esse incidente, ainda em 2003, o departamento jurídico da Siemens chegou a recomendar que houvesse uma reforma do sistema interno de compliance da companhia, mas isso foi rejeitado pelo Vorstand. Cerca de um ano depois, o sistema interno de compliance da Siemens foi finalmente reestruturado.

Na vigência desse novo sistema interno, Heinz-Joachim Neubürger chegou a encaminhar, por exemplo, uma circular que determinava que quaisquer saques de dinheiro que ultrapassassem o piso que disparasse o dever de notificação, nos termos das respectivas leis de combate à lavagem de dinheiro locais, só poderiam ser efetivados se explicitamente aprovados pelo diretor financeiro da sociedade titular da conta e que deveria haver uma explicação detalhada sobre o uso de tais recursos.

Esses esforços tardios da Siemens não foram suficientes para isentar a companhia de sofrer punições, seja do Estado alemão, seja do Estado americano, a partir do momento em que houve o estouro do escândalo, em novembro de 2006. Em tal data, policiais e promotores revistaram os escritórios da Siemens - a suspeita era de que havia uma estrutura de subornos em grande escala.

Em outubro de 2007, o juízo de primeiro grau de Munique (Landgericht München I) condenou a Siemens num processo criminal ao pagamento de multa no valor de 201 milhões de euros9. Em dezembro de 2008, a promotoria (Staatsanwaltschaft München I)10 multou a Siemens em 395 milhões de euros11. Nos Estados Unidos, a Siemens e algumas de suas subsidiárias sofreram punições no Distrito de Colúmbia12 e perante a Securities and Exchange Commission13 - ao todo, em solo americano, isso significou um prejuízo de 800 milhões de dólares para o grupo Siemens.

Todas essas punições, vale dizer, foram aplicadas considerando uma série de atos de corrupção que foram descobertos mundo à fora envolvendo o grupo Siemens - como, por exemplo, na Venezuela, na Argentina, no México, em Israel, no Iraque e na Nigéria. O esquema era feito para o grupo Siemens ganhar contratos nas mais diversas ordens jurídicas.

O processo e a decisão

Considerando as punições recebidas pela companhia e suas subsidiárias em função do escândalo de corrupção, o conselho de supervisão (Aufsichtsrat) da Siemens tomou a decisão de processar antigos membros da diretoria (Vorstand) que estiveram na administração ao longo de vários anos nos quais o esquema esteve vigente. Ao mesmo tempo, ofereceu a todos a possibilidade de celebrar acordos. Este foi o caminho escolhido por quase todos os antigos administradores da Siemens.

A exceção ficou com Heinz-Joachim Neubürger, antigo diretor financeiro, que recusou a celebração de um acordo no qual pagaria 4 milhões de euros à companhia. Em sua visão, ele não tinha violado nenhum dever.

Por esse motivo, a Siemens ingressou em juízo contra Heinz-Joachim Neubürger, pleiteando a condenação do antigo administrador ao pagamento de uma indenização. Apesar de, em tese, poder pleitear um valor muito maior, a companhia se contentou em processar seu ex-administrador para condená-lo ao pagamento do montante de 15 milhões de euros.

Em grande parte, o referido montante correspondia aos valores que a companhia teria gastado para pagamento de honorários a uma firma de advocacia americana após a deflagração do escândalo de corrupção. Entretanto, o valor pleiteado em juízo também incluía quantia que havia sido paga pela Siemens no âmbito de um contrato de consultoria fictício relacionado aos negócios da companhia na Nigéria.

Os advogados da Siemens decidiram escolher apenas esses dois elementos - i.e., o que fora pago aos advogados americanos e aquilo que fora desembolsado no contexto de um contrato de consultoria fictício específico - por uma razão bem simples: tratava-se daquilo que era mais fácil de provar e calcular14.

Como fundamento para sua pretensão, a Siemens argumentou basicamente que Heinz-Joachim Neubürger teria violado seus deveres como administrador ao falhar em garantir a licitude da conduta da companhia e de seus empregados. Ele não teria assegurado que a companhia tivesse um eficiente sistema de compliance, nem teria tomado medidas adequadas ante uma série de indícios de que havia comportamentos ilícitos na estrutura do grupo Siemens.

Em sua defesa, o ex-administrador contra-argumentou que não ter violado nenhum dever. Em linhas gerais, seu argumento foi o seguinte: ele teria tomado todas as precauções que alguém em sua posição teria feito, inclusive em matéria de compliance,e que não seria razoável que se imputasse responsabilidade a ele pela efetivação de pagamentos ilícitos na Nigéria, algo que não estaria dentro da sua alçada.

No entanto, o Landgericht München I deu ganho de causa à Siemens. O substrato teórico utilizado pelo tribunal para proferir seu julgamento foi o dever de legalidade (Legalitätspflicht) em sua acepção de garantir a instituição de uma estrutura de controle da legalidade dos atos praticados pela companhia (Legalitätskontrollpflicht).

Nos termos da decisão, o dever dos membros do Vorstand de assegurar que a conduta da companhia esteja em conformidade com a lei inclui o dever de organizar e supervisionar a sociedade de modo que inexistam violações à lei, como o pagamento de propinas a pessoas localizadas em países estrangeiros, sejam elas da iniciativa pública ou privada.

Para o tribunal, isso significaria o dever de os membros da diretoria implementarem um sistema de compliance adequado para prevenção de danos e controle de riscos. As medidas necessárias para cumprimento do referido dever dependeriam (i) do tipo de negócio explorado pela sociedade, (ii) do seu tamanho e de sua organização interna, (iii) do conjunto de normas aplicáveis, (iv) do seu escopo geográfico e (v) de eventuais condutas suspeitas praticadas no passado.

Assim, o Landgericht München I não só reconheceu a existência do dever de legalidade (Legalitätspflicht), mas também do dever de controle da legalidade (Legalitätskontrollpflicht), ainda que não tenha usado explicitamente esta última expressão15.

A esse respeito, vale ainda dizer que o reconhecimento do referido dever pelo Landgericht München I ocorreu à míngua de previsão expressa do tema na Lei das Sociedades por Ações (Aktiengesetz). Aliás, o tribunal preferiu não se preocupar tanto com a fonte legal do dever de compliance na Aktiengesetz, tendo afirmado que era pouco relevante saber se o dever decorreria do § 91, Abs. 216 ou das disposições gerais previstas no § 76, Abs. 117 e no § 93, Abs. 118.

Em matéria de provas, o tribunal afirmou que a Siemens havia comprovado os fatos constitutivos de seu direito. Nesse sentido, haveria provas suficientes de que Heinz-Joachim Neubürger não teria agido de modo diligente ante os indícios de ilegalidades que estavam sendo cometidas no grupo Siemens.

Por exemplo, argumentou-se que ele não teria buscado incrementar adequadamente o sistema de compliance da Siemens, mesmo após receber informações de que estava - ou poderia estar - havendo ilícitos de corrupção. Por consequência, ele foi responsabilizado, em conformidade com o § 93, Abs. 219 da Aktiengesetz.

Considerando que se tratava de uma decisão proferida por um órgão judiciário de primeira instância, contra a qual houve a interposição de recurso, esperava-se que o caso seria revisto ao menos pelo Oberlandesgericht München, órgão de segunda instância. Na melhor das hipóteses, sob a perspectiva daqueles interessados na evolução da discussão, o Bundesgerichtshof também analisaria o tema. Entretanto, nada disso ocorreu. A decisão proferida pelo Landgericht München I terminou inalterada, tendo em vista que as partes chegaram a um acordo meses após a prolação do acórdão.               

Relevância da decisão

Acima de tudo, a decisão do caso Siemens/Neubürger é considerada uma enorme referência no Direito alemão quando se fala em compliance. Para além de fazer considerações teóricas de grande relevância sobre o dever de compliance, que nada mais é que uma materialização do dever de controle da legalidade (Legalitätskontrollpflicht), o acórdão teve consequências práticas20.

Uma delas foi mostrar que um sistema de compliance deve efetivamente existir no mundo real e ser eficaz - i.e., não pode apenas estar no papel, nem ser completamente ineficaz, apresentando falhas sistemáticas ou permanentes.

Outra foi indicar que esse tema diz respeito aos membros da administração - no caso, os membros do Vorstand -, não podendo ser delegado totalmente para outros membros da estrutura societária21. Assim, um sistema de compliance deficiente pode trazer sérias consequências não só para a própria companhia, mas também para os membros da administração, com sua responsabilização.

Por fim, uma outra consequência que merece ser apontada se refere à extensão do dever de compliance ao conjunto de atividades exercidas pelas sociedades alemãs em países estrangeiros, inclusive por meio de subsidiárias. Desse modo, afasta-se de uma vez por todas o argumento de que seria aceitável a prática de ilícitos de corrupção em países estrangeiros nos quais isso é uma prática generalizada.

O tema no Brasil

No Brasil, como ocorre na Alemanha, igualmente se reconhece, especialmente no âmbito de companhias abertas, que a administração deve instituir um sistema de compliance, normalmente por meio de expressões como sistema de controles internos.

A respeito disso, dois julgados proferidos pelo Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) merecem destaque: os casos Telemig22 e Petrobras23.

O caso Telemig originou-se do denominado "escândalo do Mensalão", no qual a Telemig foi utilizada para pagamento de propinas mediante a emissão de notas frias no âmbito de contratos de publicidade. A questão levada ao Colegiado da CVM era saber se o diretor responsável pelas atividades relacionadas ao departamento de marketing teria descumprido o dever de constituir controles internos adequados.

O caso Petrobras, a seu turno, teve como origem os fatos ilícitos descobertos no âmbito do "escândalo do Petrolão", na esteira das investigações da denominada "Operação Lava Jato". No referido caso, o Colegiado da CVM teve que decidir, entre outros pontos, se os membros do conselho de administração da Petrobras teriam descumprido seu dever na supervisão dos controles internos da companhia no contexto da construção da Refinaria Abreu e Lima.

Em ambos os precedentes, similarmente ao ocorrido no caso Siemens/Neubürger, o Colegiado da CVM apontou a existência de uma dimensão do dever de diligência relacionada à supervisão das atividades da companhia, aplicável tanto ao conselho de administração (caso Petrobras), quanto à diretoria (caso Telemig)24.

Apesar de a base teórica utilizada pela CVM em tais julgados derivar, explícita ou implicitamente, do Direito americano, a construção feita é bastante similar àquela empreendida pelo Landgericht München I no caso Siemens/Neubürger.

Conclusão

O dever de compliance dos administradores de sociedades, tema relevante em diversos países do mundo, teve seu grande impulso na Alemanha a partir do escândalo envolvendo a Siemens. O julgamento do caso Siemens/Neubürger, que surgiu em decorrência do referido escândalo, estabeleceu as bases de uma discussão que ainda hoje é relevante na Alemanha, como se pode ver em decisões mais recentes25 e, inclusive, em alteração legislativa de 202126, promovida na esteira do escândalo da Wirecard.27

__________

1 Há quem prefira o termo Legalitätsorganisationspflicht (cf., por exemplo, GRIGOLEIT, Hans Christoph; TOMASIC, Lovro. § 93. In: GRIGOLEIT, Hans Christoph [Hg.]. Aktiengesetz Kommentar. 2. Aufl. München: Beck, 2020, p. 985), que poderia se traduzir como dever de organização da legalidade.

2 Cf., nesse sentido, SEIBT, Christoph H. § 76. In: SCHMIDT, Karsten; LUTTER, Marcus (Hrsg.). Aktiengesetz Kommentar. Bd. I, §§ 1-132 AktG. 4. Aufl. Köln: Dr. Otto Schmidt, 2020, p. 1.096.

3 HABERSACK, Mathias. Die Legalitätspflicht des Vorstands der AG. In: BURGARD, Ulrich; HADDING, Walther; MÜLBERT, Peter O.; NIETSCH, Michael; WELTER, Reinhard (Hrsg.). Festschrift für Uwe H. Schneider. Köln: Dr. Otto Schmidt, 2011, p. 431-432.

4 Na estrutura do Poder Judiciário alemão, os Landgerichte são equivalentes aos juízos de 1ª instância brasileiros. Sobre o tema, cf. BENEDUZI, Renato. Introdução ao processo civil alemão. 2. ed., rev., ampl e atual. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 45.

5 Landgericht München I, 10.12.2013 - 5 HK O 1387/10, Neue Zeitschrift für Gesellschaftsrecht, 17. Jahrgang, Heft 9, 2014, p. 345 e ss. Na doutrina, fala-se que nenhum outro julgado proferido por um órgão de primeira instância é considerado tão importante - na área do direito societário - quanto aquele proferido no caso Siemens/Neubürger (cf. BACHMANN, Gregor. Siemens/Neubürger - LG München I NZG 2014, 345: Compliance-Pflicht des Vorstands und Organhaftung. In: FLEISCHER, Holger; THIESSEN, Jan (Hrsg.). Gesellschaftsrechts-Geschichten. Tübingen: Mohr Siebeck, 2018, p. 692).

6 Sobre o sentido de caixa dois, cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Infidelidade patrimonial e caixa dois: a perspectiva alemã. In: LEITE, Alaor; TEIXEIRA, Adriano (Org.). Crime e política: corrupção, financiamento irregular de partidos políticos, caixa dois eleitoral e enriquecimento ilícito. Rio de Janeiro: FGV Editora 2017, p. 234 ("[f]ala-se em um 'caixa dois' quando se mantém parte de um patrimônio administrado por terceiro, que atua sob confiança do dono do patrimônio, fora da contabilidade oficial da empresa (geralmente em conta bancária apartada), com o objetivo de utilizar o dinheiro no real ou suposto interesse da empresa, evitando, assim, um controle externo").

7 No Brasil, a referida convenção foi ratificada em 15 de junho de 2000 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº. 3.678/2000.

8 A necessidade de estrito cumprimento ao FCPA se impunha em razão da listagem dos valores mobiliários de emissão da Siemens na bolsa de Nova York.

9 Com fundamento no § 30, Abs. 1, da Lei de Infrações Administrativas alemã (Gesetz über Ordnungswidrigkeiten - OWiG), cumulado com o § 334 do Código Penal alemão (Strafgesetzbuch - StGB).

10 No Direito alemão, as Staatsanwaltschaften são equivalentes ao Ministério Público brasileiro (cf. NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Notas sobre a Justiça e o Ministério Público no Direito da Alemanha Ocidental. Revista de Processo, v. 47, p. 168-214, 1987, item 14).

11 Com fundamento nos §§ 30 e 130 da Lei de Infrações Administrativas alemã (Gesetz über Ordnungswidrigkeiten - OWiG).

12 A punição sofrida no Distrito de Colúmbia ocorreu em razão de violações ao FCPA.

13 Segundo a Securities and Exchange Commission, a Siemens teria violado alguns dispositivos do Securities Exchange Act de 1934 - Section 13(b)(2)(A), Section 13(b)(2)(B) e Section 30A.

14 BACHMANN, Gregor. Siemens/Neubürger..., cit., p. 713.

15 BACHMANN, Gregor. Siemens/Neubürger..., cit., p. 710.

16 "§ 91 Organisation. [...]

(2) Der Vorstand hat geeignete Maßnahmen zu treffen, insbesondere ein Überwachungssystem einzurichten, damit den Fortbestand der Gesellschaft gefährdende Entwicklungen früh erkannt werden. [...]".

Em tradução livre: "§ 91 Organização. [...] (2) O Vorstand deve tomar as medidas adequadas e, em especial, instituir um sistema de monitoramento, a fim de permitir que sejam identificados em uma fase inicial eventos que possam comprometer a continuidade da sociedade. [...]".

17 "§ 76 Leitung der Aktiengesellschaft

(1) Der Vorstand hat unter eigener Verantwortung die Gesellschaft zu leiten. [...]".

Em tradução livre: "§ 76 Direção da sociedade anônima (1) O Vorstand deve dirigir a sociedade sob sua própria responsabilidade. [...]".

18 "§ 93 Sorgfaltspflicht und Verantwortlichkeit der Vorstandsmitglieder

(1) Die Vorstandsmitglieder haben bei ihrer Geschäftsführung die Sorgfalt eines ordentlichen und gewissenhaften Geschäftsleiters anzuwenden. [...]".

Em tradução livre: "§ 93 Dever de diligência e responsabilidade dos membros do Vorstand (1) Os membros do Vorstand devem empregar, em sua gestão, a diligência de um gestor prudente e criterioso. [...]".

19 "§ 93 Sorgfaltspflicht und Verantwortlichkeit der Vorstandsmitglieder [...]

(2) Vorstandsmitglieder, die ihre Pflichten verletzen, sind der Gesellschaft zum Ersatz des daraus entstehenden Schadens als Gesamtschuldner verpflichtet. [...]".

Em tradução livre: "§ 93 Dever de diligência e responsabilidade dos membros do Vorstand [...] (2) Os membros do Vorstand que violarem seus deveres serão solidariamente responsáveis por indenizar a sociedade por qualquer dano que daí resulte". [...]".

20 BACHMANN, Gregor. Siemens/Neubürger..., cit., p. 723.

21 FLEISCHER, Holger. Aktienrechtliche Compliance-Pflichten im Praxistest: Das Siemens/Neubürger-Urteil des LG München I. Neue Zeitschrift für Gesellschaftsrecht, 17. Jahrgang, Heft 9, p. 321-329, 2014, p. 323.

22 Processo Administrativo Sancionador CVM nº 24/06, Dir. Rel. Otavio Yazbek, j. 18.02.2013.

23 Processo Administrativo Sancionador CVM nº 05/2016, Dir. Rel. Henrique Machado, Voto do Diretor Gustavo Machado Gonzalez, j. 03.11.2020.

24 Para um aprofundamento de ambos os casos, relacionando o tema ao dever de legalidade aplicável aos administradores de sociedades, cf. GONZALEZ, Gustavo Machado; TOSTES CORRÊA, Bruno. Dever de legalidade dos administradores de sociedades. Revista Semestral de Direito Empresarial, Rio de Janeiro, n. 30, p. 1-87, jan./jun. 2022, p. 50 e ss.

25 Cf., nesse sentido, Oberlandesgericht Nürnberg, 30.03.2022 - 12 U 1520/19 (reconhecendo o dever de compliance imputável ao administrador de uma GmbH & Co. KG).

26 Faz-se referência à Finanzmarktintegritätsstärkungsgesetz, de 2021, que incluiu expressamente na Aktiengesetz (§ 91, Abs. 3) o dever de compliance no contexto das companhias abertas (cf. FLEISCHER, Holger. § 91. In: SPINDLER, Gerald; STILZ, Eberhard (Hrsg.). Beck-Online Großkommentar Aktienrecht. Band 1: §§ 1-132 AktG. 5. Auflage. München: Beck, 2022. p. 1.697). Nos termos do § 91, Abs. 3, "Der Vorstand einer börsennotierten Gesellschaft hat darüber hinaus ein im Hinblick auf den Umfang der Geschäftstätigkeit und die Risikolage des Unternehmens angemessenes und wirksames internes Kontrollsystem und Risikomanagementsystem einzurichten". Em tradução livre: "o Vorstand de uma companhia aberta deve também estabelecer um sistema de controles internos e um sistema de gestão de riscos que sejam apropriados e eficazes tendo em vista o alcance das atividades empresariais e a situação de risco da sociedade".

27 O escândalo da Wirecard diz respeito a uma enorme fraude financeira que envolveu a Wirecard AG, uma companhia aberta alemã que explorava primordialmente o ramo de processamento de pagamentos. Por muito tempo, a Wirecard AG foi considerada a principal fintech alemã, chegando a ter suas ações listadas no DAX (Deutscher Aktienindex), o principal índice da bolsa de valores de Frankfurt (Börse Frankfurt). Em 2020, descobriu-se que uma quantia bilionária que constava das demonstrações financeiras da Wirecard AG simplesmente não existia. O escândalo foi objeto de excelente documentário produzido pela Netflix, disponível em sua plataforma desde setembro de 2022 (Skandal! Bringing Down Wirecard).