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Pronome relativo - Cujo ou De cujo?

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Atualizado em 13 de janeiro de 2023 10:16

A leitora Giselle Rocha envia a seguinte mensagem para a seção Gramatigalhas:

"Professor, li com atenção sua explicação sobre 'Pronome relativo preposicionado' (clique aqui), mas não consegui colocá-lo em prática nos exemplos abaixo, extraídos de uma prova de concurso público: 1. As propostas, 'de cuja' falta sentiu Mário Campana, eram, na verdade, inúmeras e contrastantes. 2. Os impulsos missionários, 'de que' o autor não se mostra carente, poderiam levá-lo a combater a fome do mundo. Pelo gabarito, o número 2 está correto e o 1, não. Desde já agradeço."

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1) Uma leitora estudou bastante a questão do pronome relativo preposicionado, mas não conseguiu distinguir por que, nos dois seguintes exemplos, ambos extraídos de concurso público, o segundo está correto, enquanto o primeiro está errado: a) "As propostas, 'de cuja' falta sentiu Mário Campana, eram, na verdade, inúmeras e contrastantes"; b) "Os impulsos missionários, 'de que' o autor não se mostra carente, poderiam levá-lo a combater a fome do mundo".

2) Fixem-se, de início, duas premissas importantes: a) se funciona como complemento, o pronome relativo depende totalmente da regência do verbo ao qual se liga; b) se vai haver ou não preposição antes de tal pronome, ou qual vai ser essa preposição, tudo depende do verbo que está sendo completado por ele. Exs.: i) "Editou-se uma lei em que acreditamos, com que simpatizamos e por que lutamos" (acreditar em, simpatizar com e lutar por); ii) "Fazer da aplicação da lei a arte de distribuir justiça é o ideal a que aspiramos e em que nos comprazemos" (aspirar a e comprazer-se em).

3) Com essas premissas, passa-se à análise do segundo exemplo ("Os impulsos missionários, de que o autor não se mostra carente, poderiam levá-lo a combater a fome do mundo"): a) um pronome relativo começa uma segunda oração; b) essa oração, no caso, é "de que o autor não se mostra carente"; c) a ordem direta dessa segunda oração é "o autor não se mostra carente de que" (isto é, não se mostra carente dos quais impulsos missionários); d) como não é difícil perceber, o que substitui a expressão impulsos missionários, referida na oração anterior; e) em outros dizeres, tal pronome substitui um substantivo anteriormente referido, com o qual se relaciona; f) porque substitui um nome, chama-se pronome; g) porque representa esse nome em outra oração e a ele está relacionado, chama-se pronome relativo; h) muito embora substitua um nome referido na oração anterior, sua função sintática fica na total dependência daquilo que tal pronome significa para a oração em que ele se situa; i) ora, quem se mostra carente, mostra-se carente "de" alguma coisa, ou, mais especificamente, mostra-se carente dos quais impulsos missionários; j) por isso é que a forma correta é exatamente aquela trazida pelo exemplo, a saber, "de que o autor não se mostra carente".

4) Em continuação, estabeleçam-se três premissas adicionais para a compreensão do pronome relativo cujo: a) no português atual, esse pronome sempre acompanha um substantivo, de modo que não serve para substituí-lo; b) esse pronome relativo traz embutida em si a ideia da preposição de, que não vem escrita (no exemplo "Esta é uma lei cujos dispositivos são claros", o sentido é "Esta é uma lei da qual os dispositivos são claros", embora esse último exemplo não esteja correto quanto à Gramática); c) o pronome relativo cujo até pode ter preposição antes de si, mas tal preposição vai reger o termo que vem depois do pronome (como no exemplo "Esta é uma lei em cujas disposições não acreditamos, com cuja finalidade não simpatizamos e de cujos dizeres discordamos, mas a cujas determinações obedecemos para a manutenção do estado de direito").

5) Com essas premissas, segue-se a análise do primeiro exemplo ("As propostas, 'de cuja' falta sentiu Mário Campana, eram, na verdade, inúmeras e contrastantes"): a) como pronome relativo, cuja também começa uma segunda oração; b) no caso, a segunda oração é "de cuja falta sentiu Mário Campana"; c) a ordem direta dessa oração é "Mário Campana sentiu de cuja falta"; d) ora, quem sente, sente alguma coisa; e) no caso, sente falta (um complemento sem preposição); f) o substantivo falta é que pede um complemento regido pela preposição de; g) ocorre, porém, que o pronome relativo cujo já tem embutida em si a ideia da preposição de; h) então, no caso, a preposição está sobrando; i) o exemplo correto, portanto, é "As propostas, cuja falta sentiu Mário Campana, eram, na verdade, inúmeras e contrastantes".