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Para apresentar ou Para apresentarem?

quarta-feira, 24 de março de 2021

Atualizado às 08:59

A leitora Marcela Souza envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"O que seria correto dizer: 'Aos recorridos para apresentar contrarrazões' ou 'Aos recorridos para apresentarem contrarrazões'?".

Envie sua dúvida


1) Uma leitora indaga qual a forma correta de dizer e escrever: (i) "Aos recorridos para apresentar contrarrazões"; (ii) "Aos recorridos para apresentarem contrarrazões".

2) Para se ver que essa é uma dúvida trazida de modo recorrente, outro leitor indaga qual ou quais as formas corretas nos seguintes exemplos: a) "Nosso pai sempre nos incentivou a ser fortes"; b) "Nosso pai sempre nos incentivou a sermos fortes"; c) "A miséria compele-nos a não ter prurido"; d) "A miséria compele-nos a não termos prurido"; e) "... comportamentos a ser adotados..."; f) "... comportamentos a serem adotados...".

3) Em frases como as apontadas, o que se tem é um verbo no infinitivo e precedido por uma preposição - para ou a. E a questão, em suma, busca resposta para a seguinte indagação: Usa-se o infinitivo não flexionado (apresentar ou ser) ou o infinitivo pessoal (apresentarem ou sermos), quando precedido pela preposição para ou a?

4) Quanto ao uso do infinitivo flexionado ou não, de um modo geral, leciona Said Ali que a escolha depende de cogitarmos somente da ação ou do intuito ou da necessidade de pormos em evidência o agente da ação: no primeiro caso, preferimos o infinitivo não flexionado; no segundo, o flexionado (ALI apud CUNHA, 1970, p. 230).

5) Também para Hêndricas Nadólskis e Marleine Toledo, "muitas vezes, a opção entre a forma flexionada ou não flexionada é estilística e não gramatical. Quando mais importa a ação, prefere-se a forma não flexionada; quando se realça o agente da ação, usa-se a forma flexionada" (1998, p. 125).

6) Celso Cunha (1970, p. 126), que cita o primeiro autor, em complementação, diz tratar-se, em verdade, de um emprego seletivo, mais do terreno da Estilística do que, propriamente, da Gramática.

7) Assim também leciona Artur de Almeida Torres (1966, p. 151-252) a esse respeito: "o infinitivo poderá variar ou não, a critério da eufonia, se vier precedido das preposições sem, de, a, para ou em". Exs.: a) "Vamos com ele, sem nos apartar um ponto" (Padre Antônio Vieira); b) "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo" (Alexandre Herculano); c) "Careciam de obstar a que se escrevesse o que faltava do livro" (Alexandre Herculano); d) "Os manuscritos de Silvestre careciam de serem adulterados" (Camilo Castelo Branco); e) "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes" (Alexandre Herculano); f) "... obrigava a trabalharem gratuitamente" (Alexandre Herculano); g) "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade" (Camilo Castelo Branco); h) "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material" (Alexandre Herculano).

8) Veja-se que eufonia, em última análise, significa um som agradável, e a atenta leitura mostra que os exemplos acima não repeliriam outra construção, como é fácil verificar: a) "Vamos com ele, sem nos apartar ..."; b) "Vamos com ele, sem nos apartarmos ..."; c) "... os levavam à pia batismal sem crerem no batismo"; d) "... os levavam à pia batismal sem crer no batismo"; e) "Obrigá-los a voltar o rosto contra os árabes"; f) "Obrigá-los a voltarem o rosto contra os árabes"; g) "... fanatizados que aparecem sempre para justificar o bom quilate da novidade"; h) "... fanatizados que aparecem sempre para justificarem o bom quilate da novidade"; i) "... tantos que nasceram para viverem uma vida toda material"; j) "... tantos que nasceram para viver uma vida toda material".

9) Nesse assunto de uso do infinitivo flexionado ou não flexionado, resguardados certos parâmetros mínimos de correção, de bom-senso e de eufonia, é oportuno rememorar a frase de José Oiticica, de que Aires da Mata Machado Filho (1969f, p. 324) lamentou não ter sido o autor, de modo que lhe restava apenas a satisfação de repetir: "Mandem os gramáticos às favas e empreguem o infinitivo à vontade".

10) Tais palavras, a bem da verdade, não deixam de ter suporte no que Júlio Nogueira disse com muita propriedade: "Além das sumárias indicações..., difícil será estabelecer regras seguras. É este um dos assuntos que têm dividido os competentes na matéria, dando lugar a fortes dissídios. Em alguns casos, a preferência entre a forma invariável e a variável é apenas de intuição natural, por eufonia, orientação perigosa, pois o que a uns parece agradável ao ouvido, a outros soa mal. Nisto, como no mais, os clássicos não são acordes, nem podem, pela prática generalizada, servir de modelo" (1939, p. 219-20).

11) Remate-se com a observação de Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante (1999, p. 491) de que "o infinitivo constitui um dos casos mais discutidos da língua portuguesa", e "estabelecer regras para o uso de sua forma flexionada, por exemplo, é tarefa difícil" e, "em muitos casos, a opção é meramente estilística".

12) De modo prático para os exemplos da primeira consulta, deve-se dizer que, em todos os casos em que o infinitivo vem precedido de preposição dessa natureza (sem, de, a, para ou em), estão corretos ambos os modos de fala: a) "Aos recorridos para apresentar contrarrazões"; b) "Aos recorridos para apresentarem contrarrazões".

13) E, quanto aos exemplos da segunda consulta, também todos os exemplos estão igualmente corretos: a) "Nosso pai sempre nos incentivou a ser fortes"; b) "Nosso pai sempre nos incentivou a sermos fortes"; c) "A miséria compele-nos a não ter prurido"; d) "A miséria compele-nos a não termos prurido"; e) "... comportamentos a ser adotados..."; f) "... comportamentos a serem adotados...".