COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Gramatigalhas >
  4. Pretérito mais-que-perfeito - Como usar?

Pretérito mais-que-perfeito - Como usar?

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Atualizado às 08:25

Um leitor que se faz conhecido apenas pelo prenome Alberto envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Exmos. Srs.: Agradeço que me esclareçam a seguinte frase em Português: 'Quando o noivo apareceu, a noiva já chegara à igreja'. No exemplo, chegara está no pretérito mais-que-perfeito. Mas qual é a ação concluída antes de outra ação do passado ter-se iniciado? É essa a minha dúvida. Aguardo contato. Obrigado".

E o leitor Gabriel Escudero César também envia a seguinte mensagem:

"Caro José Maria, uma dúvida não me deixa concentrar. Após conjunções como embora, não obstante, ainda que, etc., quando se quer exprimir a ideia de passado, usam-se os verbos no pretérito mais-que-perfeito. Um exemplo: 'Embora tenha sido (fora) avisado, continuou falando demasiadamente'. Não entendo por que o pretérito perfeito nunca é usado nestas situações. Ficaria esteticamente inviável ('embora foi avisado'), na minha opinião, mas isto, penso eu, deve-se justamente ao fato de não se usar escrever desta maneira. Ou existe uma explicação gramatical para tanto".

Envie sua dúvida


1) Um leitor parte do seguinte exemplo: "Quando o noivo apareceu, a noiva já chegara à igreja". Reconhece ele que o verbo apareceu está no pretérito perfeito e que chegara está no pretérito mais-que-perfeito, mas tem dificuldade para identificar qual é a ação concluída antes de outra ação, também no passado, ter-se iniciado.

2) E um outro leitor pergunta por que, no exemplo a seguir, se emprega o pretérito mais-que-perfeito, e não apenas o pretérito perfeito: "Embora tenha sido (fora) avisado, continuou falando demasiadamente".

3) Em termos de fixação de premissas, observe-se que o pretérito perfeito indica uma ação terminada ("Fiz o trabalho"), enquanto o pretérito mais-que-perfeito aponta uma ação passada em relação ao próprio perfeito ("Quando ela chegou, eu já fizera [ou tinha feito] o trabalho").

4) Para Evanildo Bechara, em seu emprego clássico, o pretérito mais-que-perfeito "denota uma ação anterior a outra já passada" (1974, p. 275), e isso se pode observar com facilidade em exemplo de autor inquestionável: "No dia seguinte, antes de me recitar nada, explicou-me o capitão que só por motivos graves abraçara a profissão marítima..." (Machado de Assis).

5) Por facilidade didática, discrimine-se o que se deu, quanto aos verbos, no exemplo trazido por Machado de Assis: "... explicou-me o capitão que só por motivos graves abraçara a profissão marítima": (i) explicou indica uma ação que ocorreu no passado e se encerrou em relação a hoje; (ii) por isso se diz que o verbo está no pretérito perfeito (pretérito porque é passado e perfeito porque indica uma ação que se encerrou, que se aperfeiçoou); (iii) o verbo abraçara indica também uma ação havida no passado, mas anterior ao tempo em que se deu a ação noticiada pelo verbo explicou; (iv) ou seja, abraçara indica um passado que é mais passado do que explicou; (v) desse modo, uma vez que explicou é pretérito perfeito, abraçara é pretérito mais-que-perfeito.

6) Insista-se, para corroborar e para atender ao primeiro leitor em sua dúvida: "Quando o noivo apareceu, a noiva já chegara à igreja". Nele, de igual modo, encontram-se presentes os seguintes aspectos: (i) apareceu indica uma ação que ocorreu no passado e se encerrou; (ii) por isso se diz que o verbo está no pretérito perfeito (pretérito porque é passado e perfeito porque indica uma ação que se encerrou, que se aperfeiçoou); (iii) a ação chegara indica também uma ação havida no passado, mas que é anterior ao tempo em que se deu a ação noticiada pelo verbo apareceu; (iv) ou seja, chegara indica um passado que é mais passado do que apareceu; (v) desse modo, se apareceu é pretérito perfeito, chegara é pretérito-mais-que perfeito.

7) Embora o segundo leitor não tenha conseguido enxergar a razão do ocorrido, o exemplo que ele dá se encarta exatamente em mesmo raciocínio: "Embora tenha sido (fora) avisado, continuou falando demasiadamente". Nele, de igual modo, encontram-se presentes os seguintes aspectos: (i) a locução verbal continuou falando indica uma ação que ocorreu no passado; (ii) por outro lado, a ação indicada pela locução verbal tenha sido avisado ou fora avisado indica também uma ação havida no passado, mas que é anterior ao tempo em que se deu a ação noticiada pela locução continuou falando; (iv) ou seja, tenha sido avisado ou fora avisado chegara indica um passado que é mais passado do que continuou falando; (v) daí decorre a necessidade de uso, no caso, do verbo no tempo pretérito-mais-que perfeito.