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Voz ativa e voz passiva

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Atualizado em 19 de abril de 2022 14:45

1) Um leitor envia a seguinte dúvida, que acaba sendo autoexplicativa: Na voz ativa, temos um sujeito + um verbo transitivo direto e um objeto direto. Na voz passiva, o objeto direto passa a ser o sujeito paciente, e o sujeito da voz ativa passa a ser o agente da passiva. Mas e o verbo? É certo que se torna ele uma locução verbal, mas qual a sua transitividade? Pode-se dizer que continua um verbo transitivo direto?

2) A dúvida do leitor pode ser respondida de modo bastante simples e direto, mas, para uma compreensão mais ampla de toda a matéria, são necessárias algumas ponderações.

3) Voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma realidade de fato, conforme o sujeito pratique ou receba a ação indicada pelo verbo: a) "O magistrado proferiu a sentença" (voz ativa, porque o sujeito magistrado pratica a ação indicada pelo verbo proferir); b) "A sentença foi proferida pelo magistrado" (voz passiva, porque o sujeito sentença recebe a ação indicada pelo verbo proferir).

4) Da observação dos exemplos dados, algumas regras são de importância vital para o emprego de diversos verbos e para a própria criação de estruturas sintáticas.

5) Assim, por primeiro, o objeto direto da voz ativa torna-se sujeito da voz passiva, e o que era sujeito na voz ativa passa a ser o agente da passiva.

6) Observe-se esta transposição no esquema a seguir:

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

7) Por essa explicação, vê-se que, por via de regra, só tem voz passiva um verbo que seja transitivo direto ou transitivo direto e indireto (bitransitivo).

8) Exemplificando essa asseveração, vê-se que a frase "O juiz não gostou do depoimento" não tem voz passiva, porque não há, na voz ativa, objeto direto que possa tornar-se o sujeito da voz passiva.

9) O verbo obedecer, embora seja transitivo indireto, tem voz passiva, por questões históricas, configurando exceção. Ex.: a) "A suposta vítima não obedeceu ao comando do policial" (voz ativa); b) "O comando do policial não foi obedecido pela suposta vítima" (voz passiva).

10) Verbos que, num sentido, são transitivos diretos e, noutro sentido, transitivos indiretos (como assistir), apenas na primeira hipótese, por via de regra, podem ser usados na voz passiva. Assim, "O advogado assiste o constituinte" faz, na voz passiva, "O constituinte é assistido pelo advogado".

11) Já a frase ativa "Dezenas de estagiários assistiram aos debates" não permite a utilização da voz passiva, de modo que é errado dizer "Os debates foram assistidos por dezenas de estagiários".

12) Ressalve-se, porém, que Napoleão Mendes de Almeida (1981, p. 214) - sob o argumento de que alguns desses verbos por último referidos, embora transitivos indiretos, "têm recipiente" na voz ativa - defende-lhes o uso na voz passiva, exemplificando de modo textual: a) "A missa foi assistida por muitas pessoas"; b) "Ele foi perdoado por todos".

13) De igual modo, Mário Barreto admite, de modo expresso, o apassivamento de determinados verbos transitivos indiretos, como aludir, obedecer, perdoar e responder, observando, porém, Aires da Mata Machado Filho (1969a, p. 599), que lhe citou a lição, que "as formas passivas fixaram-se na vigência da construção transitiva direta", do que teria advindo "a aparente contradição".

14) O autor por último citado, por um lado, aceita a construção passiva de perdoar seguido de complemento de pessoa, argumentando que, em épocas passadas, tal verbo "já foi construído com objeto direto", fixando-se, por isso, "a possibilidade do apassivamento" (MACHADO FILHO, 1969b, p. 745); por outro lado, contudo, quanto ao verbo assistir, no sentido de ver, presenciar, lança-o na vala comum dos verbos transitivos indiretos sem voz passiva, aplicando-lhe o argumento de que "a voz passiva repugna à quase totalidade dos verbos transitivos indiretos" (MACHADO FILHO, 1969b, p. 758).

15) Tais posicionamentos peculiares e exceções episódicas, todavia, não infirmam as regras estabelecidas para a estrutura considerada.

16) Já se observou que "Assisto ao filme" é regência correta e significa que eu vejo o filme na qualidade de espectador; já "Assisto o filme" também é regência correta, mas significa, em última análise, que auxilio em sua produção, em sua confecção. Pelas regras já postas acerca da conversão da voz ativa para a voz passiva, podem-se extrair as seguintes conclusões: a) "Assisto o filme" (com o sentido de "auxílio na confecção do filme") faz, na voz passiva: "O filme é assistido por mim"; b) "Assisto ao filme" (com a acepção de "vejo o filme na qualidade de espectador") não pode ser empregado na voz passiva.

17) Quanto à dúvida do leitor, importa observar, por fim, que: (i) na voz ativa, o verbo é transitivo direto; (ii) na voz passiva, ele se torna uma locução verbal (ou seja, duas ou mais palavras desempenhando o papel de um único verbo); (iii) e, quanto a sua natureza, esse verbo em locução continua sendo transitivo direto, mas flexionado na voz passiva.