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Equipara-se ou Equiparam-se?

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Atualizado às 08:28

O leitor Rodrigo Tanajura envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Professor, o caput do art. 21 da lei 8.213/91 diz: 'Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta lei: (...).' Está correto o uso do verbo no plural, se, no caso, o 'se' é índice de indeterminação do sujeito, bem como, pelo fato do verbo equiparar não ter transitividade direta?"

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1) Um leitor traz a seguinte dúvida: "Professor, o caput do art. 21 da lei 8.213/91 diz: 'Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta lei: (...).' Está correto o uso do verbo no plural, se, no caso, o 'se' é índice de indeterminação do sujeito, bem como, pelo fato de o verbo equiparar não ter transitividade direta?"

2) Ora, a dúvida trazida pela consulta exige um raciocínio prévio e algumas premissas de importância, motivo pelo qual se pede um pouco de atenção e paciência a quem vai ler estas observações.

3) Diferentemente da frase "Gosta-se de um bom vinho" - com a qual se deve sempre comparar em análise - uma frase como "Aluga-se uma casa", em que há um se também acoplado ao verbo, pode ser dita de outra forma: "Uma casa é alugada".

4) E, por permitir essa transformação, pode-se dizer que "Aluga-se uma casa" é uma frase reversível, que serve de modelo para todas as outras, também reversíveis, que tenham o se unido ao verbo desse modo.

5) Em frases dessa natureza, podem-se extrair as seguintes conclusões: a) a frase reversível está na voz passiva sintética; b) o se é partícula apassivadora; c) o sujeito é uma casa (sujeito, e não objeto direto).

6) Por essas razões, se, em vez de uma casa, se diz casas, tem-se, por consequência, o sujeito no plural.

7) Exatamente por isso e por mera aplicação da regra de concordância verbal de sujeito simples, é que, se o sujeito está no plural, o verbo também deve ir para o plural: "Alugam-se casas".

8) Atente-se a que essa é uma construção muito comum nos meios jurídicos, devendo-se zelar por sua concordância adequada, no plural, e não no singular: "Buscaram-se soluções para o conflito"; "Citem-se os réus"; "Devolvam-se os autos"; "Entreguem-se os autos da carta precatória"; "Intimem-se as testemunhas"; "Processem-se os recursos".

9) Um segundo modelo é "Gosta-se de um bom vinho", do qual se podem extrair as seguintes ilações: a) o exemplo não pode ser dito de outra forma (ninguém pensaria em dizer "Um bom vinho é gostado"); b) não é, portanto, uma frase reversível; c) nesse caso, o exemplo não está na voz passiva, muito menos na voz passiva sintética; d) o se, no exemplo, não é partícula apassivadora, mas símbolo (ou índice) de indeterminação do sujeito; e) o sujeito da oração não é um bom vinho, mas é indeterminado; f) seria impossível considerar um bom vinho o sujeito, porquanto, como bem lembra Sousa e Silva, "o sujeito é membro regente, não pode vir regido de preposição"1; g) em tais circunstâncias, pela própria estrutura sintática apontada, se, em vez de um bom vinho, se diz bons vinhos, o sujeito não se altera, mas continua indeterminado; h) exatamente porque, ao se pluralizar o referido termo, não se altera o sujeito, não há razão alguma para modificar o verbo; i) o correto, então, no plural, é "Gosta-se de bons vinhos", e não "Gostam-se de bons vinhos".

10) Também é comum essa construção nos meios jurídicos, de modo que se há de atentar à concordância adequada no singular, e não no plural, em casos como os que seguem: a) "Trata-se de embargos à execução"; b) "Proceda-se aos inventários"; c) "Obedeça-se aos princípios legais". Oportuno lembrar que o traço comum, nesses casos, é a existência de uma preposição antes do termo que alguém poderia pensar ser o sujeito (de embargos, aos inventários, aos princípios).

11) Com essas ponderações como premissas, volta-se ao exemplo da consulta, ou seja, ao art. 21 da Lei 8.213/91, complementando o caput com alguns incisos não trazidos pelo leitor e eliminando o que não interessa para o raciocínio que aqui se faz: "Equiparam-se também ao acidente do trabalho [...]: I - o acidente ligado ao trabalho [...]; II - o acidente sofrido pelo segurado [...]; III - a doença proveniente de contaminação acidental [...]; IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho [...]".

12) Num primeiro aspecto, vamos extrair apenas o primeiro inciso, reduzindo, ainda mais, o exemplo e fazendo algumas adaptações: "Equipara-se também ao acidente do trabalho o acidente ligado ao trabalho". E, quando se tenta comparar essa estrutura (que tem em si um se), percebe-se que - assim como "Aluga-se uma casa", esta é uma frase reversível, que pode ser dita de outro modo: "O acidente ligado ao trabalho é equiparado ao acidente de trabalho". E, relembrando aspectos já analisados, em frases dessa natureza, podem-se extrair as seguintes conclusões: a) o exemplo está na voz passiva sintética; b) o se é partícula apassivadora; c) o sujeito é o acidente ligado ao trabalho (sujeito, e não objeto direto).

13) Pois bem. Se juntarmos ainda mais o caput do art. 21 com seus incisos, podemos dizer o exemplo do seguinte modo: "Equiparam-se também ao acidente do trabalho o acidente ligado ao trabalho, o acidente sofrido pelo segurado e a doença proveniente de contaminação acidental". E, valendo-nos das premissas anteriormente lançadas, daqui se podem extrair as seguintes ilações: (i) o verbo equiparar tem um sujeito composto com diversos núcleos; (ii) tal sujeito é posposto ao verbo; (iii) o primeiro núcleo do sujeito que vem depois do verbo está no singular; (iv) quando o sujeito é composto, o verbo normalmente vai para o plural; (v) por essa regra, está correto dizer "Equiparam-se também ao acidente do trabalho o acidente ligado ao trabalho, o acidente sofrido pelo segurado e a doença proveniente de contaminação acidental"; (vi) acresce dizer que, se o sujeito é posposto ao verbo, este também pode concordar com o primeiro núcleo de sujeito que vem após o verbo; (vii) por essa razão, de igual modo está correto dizer "Equipara-se também ao acidente do trabalho o acidente ligado ao trabalho, o acidente sofrido pelo segurado e a doença proveniente de contaminação acidental"; (viii) vale lembrar que, se o primeiro núcleo do sujeito fosse os acidentes, então seria obrigatório o plural; (ix) no caso dessa última hipótese, então, a única forma correta de dizer seria "Equiparam-se também ao acidente do trabalho os acidentes ligados ao trabalho...".

14) Por fim, dois pequenos reparos devem ser feitos à consulta do leitor: (i) porque a frase da consulta é reversível, o se é partícula apassivadora, e não símbolo de indeterminação do sujeito; (ii) no caso, o verbo equiparar é, sim, transitivo direto e indireto; (iii) para comprovar, basta ver o exemplo: "A lei (sujeito) equipara o acidente ligado ao trabalho (objeto direto) ao acidente de trabalho (objeto indireto)".

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1 SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958, p. 264.