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Isonomia - É sinônima de igualdade?

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Atualizado às 07:40

O leitor Thiago Antônio envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Prof. José Maria, tenho uma dúvida sobre sinônimos há tempos. Do ponto de vista idiomático, isonomia pode ser sinônimo de igualdade? Em Direito, haveria mister de um cuidado com o emprego de ambas? Além disso, porém na mesma linha, nossa língua referenda a utilização, como sinônimos, de "igual", "isonômico" e "équo" (de equidade)? Obrigado".

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1) Um leitor quer saber se isonomia é verdadeiramente palavra sinônima de igualdade. E se os adjetivos igual, isonômico e équo podem ser tidos como sinônimos.

2) Em linhas gerais, pela própria etimologia (syn = conjunto + onymia = nomes), uma palavra sinônima é aquela que pertence a um mesmo conjunto semântico, ou que tem significação idêntica ou aproximada de outra. Dizendo com os dicionaristas, é aquela "que tem com outra uma semelhança de significação que permite que uma seja escolhida pela outra em alguns contextos, sem alterar a significação literal da sentença".1  Dizendo de outro modo, "é a palavra ou locução que tem a mesma ou quase a mesma significação que outra".2

3) A partir dos próprios conceitos alinhados, uma diferenciação precisa ser feita: há os sinônimos absolutos (ou perfeitos) e os sinônimos relativos (ou imperfeitos). Os primeiros são termos de significação praticamente idêntica e, portanto, intercambiáveis, podendo ser substituídos um pelo outro em todo e qualquer contexto (como morrer e falecer, após e depois); já os segundos têm uma relação de sentido muito próxima, abrindo na conceituação a noção de sinonímia, mas não se pode afirmar que haja entre eles real identidade de conteúdo semântico (como casa e lar, feliz e alegre, trabalho e emprego).

4) Veja-se, apenas para ilustrar com mais clareza, que os dicionaristas atribuem à palavra cachaça a extensa sinonímia de mais de 400 palavras em nosso idioma. Uma análise mais acurada dessa lista, todavia, revela que o emprego desses vocábulos depende de diversos critérios, de modo que cada qual acaba por adquirir uma conotação peculiar quando de seu emprego, tudo a depender do prisma de consideração do usuário: se o foco de conceituação se dá pelo plano científico ou leigo; se há intento de ironia ou não; se o nível da conversa é elevado ou plebeu; se o fim é atribuir ao vocábulo um uso ofensivo ou não...

5. Com essas considerações genéricas a título de premissas, passa-se à indagação da consulta.

6. Isonomia (do grego iso = igual + nomia = o que é de lei) tem os seguintes conceitos trazidos pelo Dicionário Houaiss: (i) "estado dos que são governados pelas mesmas leis"; (ii) com especificidade para o campo do Direito, é "o princípio geral do direito segundo o qual todos são iguais perante a lei, não devendo ser feita nenhuma distinção entre pessoas que se encontram em mesma situação".3  As considerações do Dicionário Aurélio apontam para o mesmo sentido.

7) igualdade vem assim tratada pelos dicionaristas: (i) "fato de não apresentar diferença quantitativa"; (ii) "fato de não se apresentar diferença de qualidade ou valor, ou de, numa comparação, mostrar-se as mesmas proporções, dimensões, naturezas, aparências, intensidades; uniformidade; paridade, estabilidade"; (iii) "princípio segundo o qual todos os homens são submetidos à lei e gozam dos mesmos direitos e obrigações"4 ; (iv) "qualidade ou estado de igual; paridade"; (v) "uniformidade, identidade"; (vi) "equidade, justiça".5

8) Uma comparação entre as noções trazidas pelos dicionários permite extrair ilações importantes: (i) para isonomia, os dicionaristas se apegam ao conceito técnico-jurídico do vocábulo; (ii) nem mesmo indiretamente há menção a um sentido extrajurídico, para abranger a significação leiga de paridade ou de estabilidade, que tem sido fixada por uma transposição semântica pelos usuários da língua; (iii) já para igualdade, os dicionaristas privilegiam o sentido leigo de uniformidade, paridade ou estabilidade, apenas lançando, ao final, como significação indireta, a noção de princípio que submeteria todos, sem distinção, ao regramento da lei, com os mesmos direitos e obrigações; (iv) e isso faz concluir que, embora estejam num círculo indicativo de uma relação próxima, não se pode afirmar que haja efetiva identidade de sentido entre si, a ponto de se passarem por termos intercambiáveis; (v) são, portanto, sinônimos relativos (ou imperfeitos), e não absolutos (ou perfeitos).

9) Pode-se dizer o mesmo dos adjetivos trazidos pelo leitor em sua consulta. São termos que se relacionam de modo relativo ou imperfeito, de modo que não podem ser classificados como sinônimos absolutos ou perfeitos. E isso vale dizer que os adjetivos por ele trazidos não são termos que possam ser tidos como intercambiáveis.

10) A esta altura, parece importante tecer considerações finais sobre os sinônimos nas peças processuais e forenses: (i) os termos das realidades jurídicas e forenses pertencem à Ciência do Direito, de modo que são portadores de significação fixa e científica; (ii) como em toda e qualquer ciência, o usuário não deve e não pode ter a preocupação de variar o emprego das palavras, a pretexto de inovar na linguagem ou de evitar repetições; (iii) dizendo de outro modo, se há termos técnicos determinados pela legislação, então não há como fugir a seu uso; (iv) assim, não se deve substituir, a pretexto de inovação, petição inicial por exordial, prefacial ou peça vestibular; (iv) de igual modo, se a terminologia correta é Código Penal, Código de Processo Civil, Código Penal Militar e Lei das Sociedades Anônimas, não se há de querer inovar, respectivamente, com estatuto repressivo, estatuto adjetivo civil, ou, o que beira ao ridículo, pergaminho repressivo castrense, ou mesmo diploma do anonimato.

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1 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 2.581.

2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 1.940.

3 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 1.657.

4 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, 1.567.

5 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 1.122.