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Por uma Inteligência Artificial antropófaga

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Atualizado às 08:20

O livro "Filosofia da Inteligência Artificial com Base nos Valores Construcionistas do Homo Poieticus" faz parte de um trabalho de pesquisa, apresentando-se como um "work in progress", em sendo um desdobramento da "Teoria Poética do Direito", da "Teoria Erótica do Direito", trabalhos originários do mestrado e doutorado em Direito da A., e também da tese de doutorado em Filosofia "Theatrum philosophicum - o teatro filosófico de Foucault e o direito", bem como das pesquisas realizadas como "visiting researcher" - University of Miami, Florida University of Florida,  European University Institute - Law Department, do CIJIC (Centro de Investigação Jurídica do Ciberespaço), e ainda como pesquisadora do C4AI - Centro de Inteligência Artificial (USP), no Instituto que fundou e preside, o EthikAI - ethics as a service, e no atual pós-doutorado em Inteligência Artificial pela USP - IEA (Cátedra Oscar Sala), visando trazer reflexões filosóficas sobre a temática da IA, no âmbito da atual relação homem-máquina-natureza.

Ao analisar de que forma a tecnodiversidade e o reconhecimento do potencial da técnica enquanto "poiesis" com base nos valores construcionistas do "homo erotico-poieticus", buscou-se estabelecer como contribuir para um empoderamento do ser humano, por meio de tal potencial enquanto descolonizador, no lugar de se restringir ao conceito de técnica enquanto domínio econômico do capital. A ideia é que devemos refletir a partir da tecnodiversidade, o que significaria contemplar uma cosmotécnica amazônica, inca, ou maia, por exemplo, em uma epistemologia que fundamente uma filosofia pós-europeia.

Do que se trata, afinal, é de repensarmos a relação entre as diversas disciplinas e saberes, e de rediscutirmos a inter e a transdisciplinaridade em novas bases (Lúcia Santaella - Cátedra Oscar Sala), diante da dissolução  das fronteiras entre as ciências exatas e as humanidades, por meio do  desenvolvimento de uma teoria inclusiva e democrática, levando-se em consideração o desenvolvimento de uma Teoria Fundamental da  Inteligência Artificial, influenciada pela Teoria dos Direitos Fundamentais, de forma a propiciar uma  adequada proteção aos direitos fundamentais envolvidos, contemplando a importância do multiculturalismo e das Epistemologias do Sul na perspectiva do estudo e defesa dos Direitos Humanos.

O problema central da pesquisa é como poderíamos construir as bases epistemológicas de uma filosofia da IA baseada nos valores construcionistas do "homo poieticus", no sentido de uma filosofia da IA como uma pra´tica orientada teoricamente, um saber pra´tico, uma teoria que traga resultados práticos, no sentido original, grego, de uma "poie´tica". Uma filosofia da IA com fundamento no postulado de uma tecnodiversidade, portanto, buscando-se as bases epistemológicas e fundacionais para a técnica enquanto relacionada à "poiesis", logo, com o que é de mais humano, com o ero´tico, enquanto poe´tico, "poie´tico" (criador e criativo), ao contrário da ordem da reprodução, mediação e representação.

Os atores sociais não podem mais se resumir aos seres humanos, pois o Planeta Terra vem reagindo a diversos abusos e excessos cometidos pelos seres humanos, é um ator político, portanto, actante, no sentido que Leibniz associado a Gabriel Tarde conceitua as mônadas, como forças substantivas, originárias, que possuem em si sua própria determinação e perfeição essencial.

É urgente, pois, o desenvolvimento de premissas e fundamentos epistemológicos para uma filosofia da IA, aliando-se o verde da sustentabilidade e economia de fato compartilhada, com o azul da inovação e tecnologia1, mas partindo da premissa primeira que a ciência possui também seus limites, o que demandará a articulação das demais disciplinas.

Trata-se de vincular a compreensão de tais temáticas pela mediação de uma linguagem e compreensão distópica, diagonal, heterotópica, do afirmativo, acategórica, logo, poética, múltipla, antidogmática, pragmática, reconhecendo insuficiente a visão apenas dialética e matemática.

Ao invés de pensarmos apenas em uma "Human-centered AI", com base em valores antropocêntricos, e muitas vezes também eurocêntricos, temos que ir além e pensar em uma "Planet-centered AI".2

Em vez da singularidade, afirma-se a multiplicidade, por meio de um necessário salto, "da Amazon à Amazônia", muito mais do que uma simples "random forest", ou florestas randômicas, pois trata-se de imaginar uma inteligência artificial antropófaga (resgatando Oswald de Andrade), ou tropicalista, no sentido do desenvolvimento de uma IA inclusiva, democrática, multicultural, multidimensional e com foco nas Epistemologias do Sul, pós-eurocêntrica, em um sentido que seja bene´fico a` vida, ao inve´s de morti´fero, ameac¸ador ate´ da existe^ncia do nosso planeta, pelo poder de nos induzir a viver com iluso~es verdadeiramente delirantes, no estado de sonambulismo a que se refere Oswald de Andrade no Manifesto Antropo´fago.3

Como aponta Bruno Latour,4 a perspectiva terrestre demanda uma nova distribuição das metáforas, das sensibilidades, uma nova "libido sciendi" fundamental, e a reordenação dos afetos políticos, ao invés de olharmos para a natureza como um fator de produção a ser dominado e explorado, reconhecendo a interdependência do humano e da natureza.

Destaca-se a importância da governança digital, não se limitando apenas a inovações tecnológicas e se tornar competitivo em nível mundial, mas no sentido de governança digital sustentável, quando o azul do digital junta-se ao verde ambiental, produzindo um círculo virtuoso entre natureza e tecnologia.

Tal proposta se fundamenta em uma perspectiva de descolonização da governança de dados e da inteligência artificial, construindo-se novos imaginários sociais, levando-se em consideração os modos de vida, os valores e as epistemologias próprias do povo indígena e da população afrodescendente. Ou seja, os dados pessoais de tais parcelas vulneráveis são produzidos por terceiros, na maior parte das vezes, fora de tal representatividade adequada, com a reescrita de suas histórias e valores, ocasionando, pois, a desconexão com tais contextos e a possível ocorrência de "bias", já que há uma definição e conceituação através do olhar e das narrativas de terceiros, em um estado de dependência da matriz de colonização.

Desta forma, se produz um ecossistema de dados inconsistente, impreciso e irrelevante para os propósitos de soberania de dados indígenas e da população afrodescendente. A governança de dados descolonial implicaria no controle sobre o projeto, coleta, armazenamento e acesso aos dados por parte dos povos indígenas e comunidades afrodescendentes a partir da construção epistemológica própria a tais imaginários sociais, evitando-se epistemologias e propostas redutoras ou de cima para baixo.

Do que se trata, portanto, é da necessidade de se repensar a relação técnica-homem-natureza por meio de uma análise multidisciplinar, multidimensional, intercultural já que trata de questões com características polifacetadas, adotando-se uma nova visão hermenêutica e epistemológica, visando à construção de pilares essenciais para o design ético-técnico da IA voltando-se para o "human and fundamental rights by design", e para o "ecopoiesis by design", e o "planet-centered AI", por meio de uma perspectiva inclusiva, sustentável, democrática, contribuindo, sobretudo, para uma visão não antropocêntrica, mas antropófaga, por autóctone e aberta ao diálogo internacional, a fim de fortalecer o mercado nacional de IA, a partir do empoderamento do ser humano e do potencial de descolonização da própria tecnologia.

A proposta hermenêutica e epistemológica, a partir da perspectiva poética, por não linear, não bidimensional, pressupõe um entendimento que passe pelo pensamento filosófico polifônico, do múltiplo, como uma pragmática do múltiplo, isto é, um pensamento plural, a fim de nos aproximar do conceito de "homo poieticus".5

Trata-se de uma mudança do entendimento representacionalista (mimético) para um construcionista (poiético), da "mimesis" para "poiesis", resultando em uma interpretação poiética de nosso conhecimento, assim desenvolvendo uma lógica de design dos artefatos semânticos pelos quais somos epistemicamente responsáveis. Chegaríamos com isso a uma epistemologia poiética (construtiva) ao invés da epistemologia mimética (representativa), capaz de fundamentar uma ética e uma filosofia da IA relacionadas aos valores construcionistas do "homo poieticus".

Diante dos buracos na Economia Circular, diante do extrativismo de dados, dumping ético, colonialismo eletrônico ou colonialismo digital (eColonialismo) concebido Herbert Schiller ("Communication and Cultural Domination"), já que o papel do Terceiro Mundo se concentra em ser a principal fonte da matéria-prima, do "superavit comportamental", devido a uma maior fragilidade em termos de legislação, conscientização e educação digital e fiscalização adequada, é essencial a postulação por uma IA inclusiva e democrática com foco em uma abordagem de co-construção ("co-construction approach"), tal como prevista pela Declaração de Montreal publicada em 2018, ou seja, uma abordagem que envolveria quatro condições necessárias, quais sejam: diversidade epistêmica, acesso à informação relevante, moderação e interação.

No tocante à diversidade epistêmica, deverá ser assegurada a diversidade dos grupos deliberativos, em termos de ambiente social, gênero, geração e origem étnica. Tal diversidade é indispensável para alcançarmos uma IA democrática e inclusiva, bem como para se aumentar a qualidade epistêmica dos debates, permitindo diversos pontos de vista e perspectivas. Destaca-se ainda a necessidade dos participantes disporem de competências ou conhecimentos na área em discussão, devendo, para tanto, obter acesso à informação relevante e de qualidade que seja simultaneamente acessível e fiável. No que tange à moderação, os participantes precisam ter liberdade para raciocinar livremente, afastando-se os preconceitos cognitivos. A interação, por sua vez, se faz presente por meio de diversas reuniões e workshop de co-construção reunindo todas as partes interessadas (associações, sindicatos, representantes profissionais, empresas), bem como representantes políticos, considerando-se os seminários como espaços de deliberação.

Sobretudo, ao se pensar sobre questões éticas e em uma filosofia da IA, devemos repensar as bases epistemológicas para a construção do conhecimento científico em tais searas em novas bases, e com fulcro nos valores do "homo poieticus", no sentido de uma filosofia, ética, e de um direito libertos do bino^mio aprisionador sujeito-objeto, mas comprometidos com o múltiplo e o acategórico, no sentido de libertar a diferença, que é o elemento essencial quando se fala em recuperação de diversas características essencialmente humanas, e de modo a reequilibrar a relação humano-algoritmos. Uma leitura e compreensão poéticas, não dialéticas, que levem em conta o não dito, o resto, a heterotopia.6

Tal multiplicidade relaciona-se à época em que vivemos, época do simultâneo, da justaposição, do próximo e do longínquo, do lado a lado, do disperso,7 como uma pragmática do múltiplo, trazendo um pensamento plural, quando entre o sujeito e o outro se estabelece o espaço da alteridade.

Para melhor compreensão da técnica e da nossa relação com esta devemos propiciar a aproximação com outros pensamentos, na esteira de Simondon e Heidegger, a partir do conceito de Epistemologia do Sul, nos dizeres de Boaventura de Souza Santos, inspirado em Anibal Quijano, pensando-se nas cosmotécnicas, amazônica e do Sul Global.

Ao se pensar as novas tecnologias com seu potencial heurístico juntamente com as possíveis contribuições das ciências exatas, no sentido de uma tecnodiversidade, buscando um empoderamento através da tecnologia, ao invés de uma limitação em sua perspectiva problemática, buscamos alcançar uma compreensão diferenciada das questões atuais e urgentes que as humanidades enfrentam.

Posicionamo-nos em favor de uma pluralidade de pensamento, semelhante ao que Luciano Floridi caracteriza como "homo poieticus", favorecendo uma mudança da compreensão representativa (mimética/ordem e medida) do conhecimento para uma compreensão construcionista (poiética).

Embarcamos assim na filosofia como design conceitual, envolvendo a crítica, a arte (criatividade), o erotismo, relacionada com as potências da vida, uma epistemologia poiética (construtiva) ao invés de mimética (representativa), apta a propor a ética da IA relacionada aos valores construcionistas do "homo poieticus". Isto porque quando presos apenas no foco conceitual, no modo conceitual de investigação, nos desviamos da verdadeira face da filosofia, a qual deverá se aproximar da vida fática ("Dasein"), aproximando-se da vida efetivamente vivida, trazendo a importância de problematizações e de uma filosofia do acontecimento (Foucault).

Uma filosofia da IA com base nos valores do "homo poieticus", no sentido de uma filosofia liberta do binômio aprisionador sujeito-objeto, mas comprometida com o múltiplo e o acategórico, no sentido de libertar a diferença, que é o elemento essencial quando se fala em recuperação de diversas características essencialmente humanas, viria novamente equilibrar a relação humano, natureza e técnica, e termos assim alguma chance em obter de volta o que nos torna de fato humanos, e não querermos nos igualar ou ter características maquínicas, pois estas já estão presentes na IA, a qual nos supera em tais qualidades, já sendo uma aposta vencida se pensamos em superá-la quanto a tais aspectos.

A perspectiva do "homo poieticus" envolveria considerar os conceitos de "ecopoiesis" design, trazendo uma perspectiva inclusiva, um ambientalismo inclusivo, através de uma nova aliança entre o natural e o artificial, entre física e técnica.

Uma inversão do platonismo é do que se trata, pois com ele iniciaria a concepção das ideias como modelos universais de explicação do mundo, o que será desenvolvido por Aristóteles, dando origem à compreensão de filosofia e da arte como representação, desqualificando os simulacros como a imagem destituída de semelhança e que vive da diferença. A representação é a episteme da época clássica, do século XVII, em termos de ordem e medida: uma reflexão analítica, classificadora, calculista, com exclusão de tudo que é desmedido, não classificável, incalculável. Ocorre aí a expulsão do discurso do que é essencialmente não representativo, da instância da desordem e do irracional.

No lugar da matematização da vida, negando-se cientificidade ao que não seja matematizável, aposta-se numa possível "virada", uma "passagem para o poe´tico" (Benedito Nunes), no sentido de retomada do desencobrimento da produção, da "poiesis", quando o homem deixaria de ser disponível, preso na disponibilização generalizada de tudo e todos, reencontrando sua própria esse^ncia de humano, livre.

Apenas com a "poiesis", com a poética (e artes que se aproximem da "poiesis") sairíamos da representação, indo além da mediação e chegando a uma interação/experimentação efetiva. Com a poética ocorre a suspensão e exposição da língua, um discurso inoperoso de potência (Agamben), que torna possível um outro pensamento do pensamento, ocorrendo a desativação do dispositivo sujeito-objeto, em uma poética da inoperosidade, desativando a função utilitária, comunicativa por meramente informativa, permitindo uma abertura da linguagem e aproximando-se assim da experiência abissal que nos habita como o mais próprio e autêntico.

É preciso assim tocar as margens do impensável e do inominável, no sentido da construção de um pensamento filosófico próprio, autóctone, por não envolver apenas a reprodução do já dito, por buscar ir além daqueles que são nossos mestres, e continuar o caminho do pensamento de onde pararam, fazendo um experimento com a linguagem e o pensamento. Uma linguagem poética do pensamento emergiria, o dobrar, a superdobra, no sentido de se pensar o lado de fora, uma nova linha de fuga, a experiência do fora como uma forma de resistência, trazendo a possibilidade de novos devires. Uma reconversão do pensamento ("metanoia") se tornaria possível, no sentido de se escapar do modo de ser do discurso da representação, e assim trazer a possibilidade de novas subjetividades. Buscar a experiência do fora no sentido de colocar o sujeito como objeto para si mesmo, projetado para fora de si, e com isso conseguir voltar a si mesmo, através de um esquecimento, abrindo-se a novos devires. O diferente, o desigual, o devir, não como deficiências que afetam a cópia, mas eles próprios como modelos: simulacro, acaso, devir, múltiplo.

Portanto, de forma a resgatar o valor dialógico e diacrítico da linguagem, trata-se de buscarmos a recuperac¸a~o da "poiesis", de "Eros", recuperando assim a outricidade ba´sica da linguagem, com o reconhecimento do outro e da diferença, opondo-se à atual simplificação ou vulgarizac¸a~o da linguagem.8

Pela poética as palavras são conduzidas a ambientes estranhos a um sentido lógico prefixado, sendo desmobilizadas do seu habitat e libertas da rede lógica da linguagem, chegando ao resíduo do mundo sem nomes.9

A poética permitiria a presentidade, a imediatividade, saindo da linearidade, e entrando na espiral ascendente, nos aproximando do resto, permitindo uma abertura para novos devires e diferenças libertadas.

A interação vincula-se à experiência, em um espaço-tempo próprio, singular, rompendo com a linearidade, e aproximando-se da perspectiva do espaço-tempo espiral, intraduzível em termos de linguagem formal e lógica.

O pensar como o lance de dados (pensamento nômade, como irregularidade intensa e dissolução do self), tal como aponta Deleuze, o qual não irá abolir o acaso (Mallarmé), a diferença, como nas novas ciências, diante do seu indeterminismo, a exemplo da física quântica. Esta é uma outra, terceira, dimensão, operando além ou aquém (aquém, no sentido de informe, do que não se formou ainda) das duas formas (imagem e palavra), invocando a instância da imaginação.

Seria uma linguagem que não mais aprisione o homem, mas onde o homem encontra sua morada, distanciando-se em especial do fetiche dos conceitos, em uma linguagem técnica, fechada em si mesma como os dogmas, mas ligada a uma abertura da própria linguagem, na busca de uma nova linguagem para a técnica moderna - ligada a "poiesis", portanto.10

Como poderíamos afirmar então a "techné" como "poiesis", como na Antiguidade clássica grega, no sentido de recuperar tal aproximação quanto à técnica moderna?

A técnica para Heidegger é uma forma de des-encobrimento ("aletheia"), desvelamento. A palavra técnica é originária do grego "technikon", dando origem a` "techne´", não se relaciona apenas com o fazer artesanal, mas também com o fazer das grandes artes e das belas-artes. A te´cnica aqui entrelaçada à "poiesis" é então compreendida como o saber trazer o ente a` presenc¸a.

Heidegger também apontaria para a questão do acontecimento apropriador, por meio de um salto por cima do abismo, mas que, contudo, jamais chegaria à outra margem, sendo tal salto sustentado pelo dizer poético11.

Para os gregos, pois, a "techné" tinha também algo de "poiesis", pois a "techné" era considerada como um instrumento humano para extrair da "physis" as possibilidades que já se encontrariam presentes nesta. A "techné" era um aperfeiçoamento do que já existe, da natureza, uma continuação dela, da "physis", que já é produção, mas não como submissão da natureza à técnica, ao contrário, a técnica é que se submeteria à natureza para extrair dela as suas possibilidades e com isso alcançaríamos um saber vocacionado para a melhoria das condições de vida, um saber viver e saber morrer.

Rebatendo a afirmação de Hegel de morte da arte, Heidegger afirmaria que a arte pode não ter chegado ao seu fim, havendo outro possível papel para a arte no sentido de contribuir para uma possibilidade de um novo pensamento após o fim da filosofia, e como tentativa de situar a própria arte fora do esquema da representação, como na obra de Cézanne, de Klee e de Kandinsky vendo nestas uma tentativa de repensar a essência da técnica, a partir da possibilidade se tornar visível o invisível. Com isso, a "techné" retorna ao seu conceito original dos gregos como um desencobrir produtor, relacionando-se com a "poiesis", e mais próxima da essência do homem como um ser de relação.

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1 FLORIDI, Luciano. Il verde e il blu per un futuro sostenibile e preferibile, Editora Cortina Raffaello, 2020.

2 JONAS, H. The Imperative of Responsibility: In Search of an Ethics for the Technological Age, University of Chicago Press, 1985.

ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropo´fago. In: TELES, Gilberto Mendonc¸a. Vanguarda europe´ia e modernismo brasileiro: apresentac¸a~o e cri´tica dos principais manifestos vanguardistas. 3a ed. Petro´polis: Vozes; Brasi´lia: INL, 1976.

4 LATOUR, Bruno. Onde aterrar. Rio de Janeiro: Editora Bazar do tempo, 2020.

5 FLORIDI, Luciano. Lógica da Informação: A Theory of Philosophy as Conceptual Design, Oxford: OUP, 2019.

6 CANTARINI, Paola. Tese de doutorado em Filosofia, Paola Cantarini, PUCSP, 2021, O teatro Filosófico de Foucault e o Direito.

7 FOUCAULT, M. "Ditos e escritos", vol. III, Estética Literatura E Pintura Musicas e Cinemas, Editora Forente, 2013, p. 465.

8 FOUCAULT, M. Ditos e escritos, vol. III, p. 424..

9 HAUSMAN, Carl. Metaphor and Art. New York: Cambridge at UP, 1989.

10 FOUCAULT. M. Ditos e escritos, vol. II, p. 31. Manuscrito inédito, citado por F. Gros, "Situação do curso" in FOUCAULT, M. A Hermenêutica do sujeito, p. 636.

11 HEIDEGGER, Martin. The Origin of the Work of Art, in Off the Beaten Track, trans. Julian Young and Kenneth Haynes, Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2004; The Provenance of Art and the Determination of Thinking, [Die Herkunft der Kunst und die Bestimmung des Denkens]; Otto Po¨ggler, Bild und Technik Heidegger, Klee und die Moderne Kunst (Mu¨nchen: Wilhelm Fink Verlag, 2002.