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Efeitos legais e jurídicos da pandemia

domingo, 3 de janeiro de 2021

Atualizado em 30 de dezembro de 2020 11:04

O ano de 2020, que iniciou com os melhores auspícios para a recuperação da economia brasileira, num repente transformou-se totalmente atípico para a saúde do povo brasileiro. A decretação da pandemia pela Organização Mundial da Saúde - na realidade uma verdadeira sindemia - encontrou a rede pública de saúde sucateada e abandonada em leito de UTI aguardando o provável estertor. Tanto é que, de forma apressada e com a urgência necessária, as autoridades responsáveis injetaram vários recursos para ampliação de instituições de saúde, construções de hospitais de campanhas e tendas hospitalares para atendimento dos pacientes infectados pela Covid-19, em casos de média e alta complexidades. A mesma providência foi tomada com relação à aquisição de insumos e aparelhos necessários.

Paralelamente, como providência legal, o Brasil proclamou a Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) e sancionou a lei 13.979/2020, lei excepcional caracterizada pelas circunstâncias específicas que determinaram sua edição, que prevê medidas de enfrentamento da emergência da saúde pública, com a finalidade de evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus. Dentre as medidas previstas no artigo 3º para o enfrentamento, destacam-se as de realização compulsória, compreendendo: exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação, outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos.

No campo científico, com o incessante avanço da pandemia provocada pela Covid-19, muitos países se lançaram numa verdadeira competição em busca da descoberta de medicamentos e até mesmo da imunização total por meio da vacina. Percebe-se que é um trabalho de grande fôlego e, até o presente, a comunidade científica, após vários estudos clínicos que completaram a terceira fase, ofertou vacinas que receberam a homologação das agências credenciadas para autorizar a imunização em massa.

Todas as normas relacionadas com a experimentação em seres humanos no Brasil são de competência do Ministério da Saúde que, pelo Conselho Nacional de Saúde, expediu a resolução 466/2012, estabelecendo, de forma disciplinada, as regras de proteção, garantia e demais tutelas aos participantes voluntários. O participante de pesquisa voltada para os seres humanos é detentor de um dos pilares estabelecidos na Constituição Federal, que é a dignidade da pessoa humana.

O Judiciário, por sua vez, em razão do princípio da inafastabilidade da apreciação judicial previsto no artigo 5º, XXXV, da Lei Maior, passa a ser o catalisador das pretensões relacionadas com o direito à saúde dos cidadãos e o responsável para dirimir os conflitos existentes entre eles e os representantes públicos das três esferas. O Judiciário, ao contrário do gestor público, apreciará a questão levando-se em consideração o preceito constitucional da dignidade humana em sua modalidade mais ampla, um dos alicerces da Carta Magna. Assim, na visível colidência de interesses, irá atender aquele que patrocina a vida humana em todas as suas nuances, sempre entregando uma decisão que seja adequada e protetiva para o bem-estar coletivo, retirando-o do estágio de vulnerabilidade e seguindo as recomendações científicas comprovadas e idôneas.

Conforme foi noticiado pela imprensa, em razão de imensas filas, o representante legal do paciente que se encontra internado aguardando vaga em UTI, aciona o órgão jurisdicional pleiteando tutela provisória de emergência em caráter antecipatório para que seja feita a transferência do paciente para o leito pretendido. Se a justiça acatar o pleito e deferir a tutela, o paciente que, juntamente com vários outros aguardava sua vez para ser promovido à UTI, com toda certeza está sendo beneficiado em detrimento dos demais concorrentes que aguardam o cumprimento do protocolo estabelecido pelos médicos.

Até mesmo o Supremo Tribunal Federal foi chamado para decidir a respeito da obrigatoriedade ou não da vacinação. Foi incisivo em declarar que a vacina contra a Covid-19 deve ser compulsória, não no sentido de imunização coercitiva, forçada e sim compreendendo medidas indiretas e oblíquas ao cidadão que se mantiver irredutível em sua autonomia. Quando se determina a obrigatoriedade vacinal compreende-se - e é necessário que assim seja - a limitação ao direito individual da autonomia da pessoa em favor do bem-estar e da saúde dos demais. A voz da maioria é absoluta. O ordenamento legal e, somente ele, estribado na justiça geral em favor da necessidade humana, faz evidenciar não só a defesa da saúde da comunidade, como também os interesses econômicos, sociais e outros necessários para o compartilhamento harmônico das atividades humanas. Em uma sociedade democrática e pluralística é totalmente admissível a restrição de um direito individual em favor da assistência sanitária que visa à proteção do direito à saúde de toda a comunidade, inclusive daquele que se recusa à imunização.