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Princípio da Precaução e a Anvisa

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Atualizado em 19 de fevereiro de 2021 10:23

A Medida Provisória 1003/20 aprovada pelo Senado Federal - que depende da decisão do presidente da República em vetar ou não - concede à ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) o prazo de cinco dias para autorizar o uso emergencial para importação, distribuição e uso de qualquer vacina no Brasil contra a Covid-19, que tenha sido aprovada por outras agências internacionais. A lei 14.006/20, que alterou a lei 13.979/20, já estabelecia o prazo de 72 horas para a agência autorizar de forma excepcional a distribuição de medicamentos e insumos, desde que aprovados pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos, Japão, China e União Europeia. Pela nova proposta foram incluídas as agências do Canadá, Reino Unido, Coreia do Sul, Rússia e Argentina.

O mesmo diploma legal possibilitou a aprovação de autorização temporária de uso emergencial desde que as vacinas fossem recomendadas pela Covax Facility, que se resume em um consórcio homologado pela Organização Mundial da Saúde com a finalidade de ampliar a busca internacional de vacinas, submetendo-as a uma rigorosa avaliação e dispensando o difícil acordo entre o governo e a indústria de fármacos para aquisição dos imunizantes.

A situação do Brasil, que ainda se encontra no início da tarefa vacinal, dependendo somente das vacinas produzidas pela Coronavac e AstraZeneca, em quantitativos insuficientes e imprevisíveis de continuidade, necessita, urgentemente, buscar novas opções para atingir a pretendida imunidade coletiva. Aliás, a estratégia mais recomendável no momento seria a imunização de um maior número de pessoas antes que novas cepas recrudesçam e ganhem cada vez mais espaços, obrigando, consequentemente, a realização de novos estudos científicos para combatê-las.

Diante de tal impossibilidade, a proposta contida na Medida Provisória representa a esperança de se conseguir, em prazo mais condizente com a realidade brasileira, novas frentes para se buscar vacinas aprovadas por outras agências reguladoras. Mas a reflexão exige um aprofundamento necessário levando-se em consideração que outros países estabelecem critérios diferenciados da avaliação feita pela Anvisa.

O artigo 5º da referida Medida Provisória diz textualmente: "A ANVISA concederá autorização temporária de uso emergencial para a importação, a distribuição e o uso de qualquer vacina contra a Covid-19 pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, em até 5 (cinco) dias após a submissão do pedido...". Na melhor interpretação é de se concluir que a agência brasileira não fará qualquer avaliação a respeito da fabricação, da qualidade dos insumos e dos métodos utilizados, enfim sem qualquer análise técnica e específica das vacinas na investigação da segurança, qualidade e eficácia.  Além do que, pelo teor imperativo do núcleo verbal contido no texto, o trabalho da agência será meramente homologatório, vez que "concederá".

É indiscutível que o prazo de cinco dias é totalmente inadequado para apreciação de mérito de qualquer vacina, e a agência brasileira, diante da exiguidade temporal, na situação proposta pela legislação, irá funcionar exclusivamente como um órgão interveniente para fins homologatórios. Mesmo em se tratando de uma autorização emergencial em que o Brasil se encontra com dificuldades de contratar novas vacinas, poderia ser dilatado um pouco mais o prazo estipulado para que o órgão possa emitir uma avaliação de segurança para a população.

A lei 9.782/99 criou a Anvisa e lhe atribuiu independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes, autonomia financeira e, em seu extenso rol de competência, conferiu a incumbência de regulamentar, controlar e fiscalizar produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública como é o caso dos medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias.

Assim a Amvisa, quando atua com relação à avaliação das vacinas, tem como rota segura a obrigação de observar dois princípios básicos atrelados à Bioética.

O primeiro deles é o da precaução, representado pelo cuidado necessário para evitar condutas arriscadas e não recomendadas que venham provocar riscos e danos. Determinada vacina que, aparentemente, deixa transparecer um sinal satisfatório para o homem, com o passar do tempo, por mais paradoxal que possa parecer, poderá aflorar algum mal até então encoberto. A ciência deve ser sim estimulada e privilegiada e o resultado científico perquirido, proveniente de uma dose exacerbada de bom senso, sem perder a censura correta da ciência, expressará a proteção conferida ao ser humano. Se determinado medicamento apresentar algum risco previsto e não corresponder a um determinado grau de segurança, será rejeitado. Daí que deve a agência estabelecer de forma clara e sistemática o embasamento científico que seja mais adequado e aconselhável para a população.

O princípio da beneficência vem acolitar o primeiro. O ser humano deve figurar sempre como o destinatário do estudo científico, sem experimentar qualquer dano. É a regra do malum non facere ou primum non nocere. Em outras palavras, seria envidar todos os esforços para maximizar os resultados que trouxeram significativos dividendos à saúde e minimizar os possíveis efeitos nefastos com impactos negativos à saúde. Todo este iter deve vir acompanhado de passos sincronizados, que tragam suporte de benefício não só para a pessoa, como também para a comunidade.

A Anvisa, conforme proposto na novel legislação, não pode ser considerada, portanto, uma instância meramente burocrática, homologatória e sim a guardiã para estabelecer os parâmetros éticos e recomendáveis de uma vacina. Afinal a saúde humana é prioridade inafastável e orbita no âmbito da responsabilidade pública.