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A vulnerabilidade na pandemia

domingo, 7 de março de 2021

Atualizado em 5 de março de 2021 10:05

A palavra vulnerável foi paulatinamente introduzida na legislação brasileira em razão de sua ampla conceituação e abrangente configuração, alcançando cada vez mais espaços nas relações humanas. Pode-se atribuir tal conquista ao princípio da dignidade da pessoa, erigido como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito na Constituição Federal. Habermas já enfatizava que a "Constituição põe em vigor precisamente os direitos que os cidadãos precisam admitir mutuamente se quiserem regular sua convivência com os meios do direito positivo".1

As leis editadas após a Constituição Federal de 1988 carregam um comprometimento diferenciado, não só na sua estrutura legislativa como também nas tutelas anunciadas. As proteções são as mais variadas dentro da esfera dos direitos fundamentais, como à vida, à saúde, à cidadania, à segurança, educação, cultura, moradia, alimentação, esporte, lazer, trabalho, liberdade, dignidade e acesso à justiça, independentemente de classe social, de origem, raça, orientação sexual, cultura, renda, idade, religião ou qualquer outra forma de discriminação, além do que, num só artigo, a Lei Maior resume a isonomia que deve prevalecer no Estado Democrático.

Vulnerável, termo de origem latina, vulnerabilis, em sua origem vem a significar a lesão, corte ou ferida exposta, sem cicatrização, feridas sangrentas com sérios riscos de infecção. Houaiss2, por sua vez, assim define: "que pode ser fisicamente ferido; sujeito a ser atacado, derrotado, prejudicado ou ofendido". Demonstra sempre a incapacidade ou a fragilidade de alguém, motivada por circunstâncias especiais

É verdadeira a premissa de que toda pessoa é vulnerável, daí a existência da própria lei para realizar a tutela necessária. A proteção legal passa a ser a lente pela qual possa ser visualizado aquele que se apresenta como o mais frágil, necessitando de cuidados especiais. Pode-se dizer genericamente que todo indivíduo tem sua vulnerabilidade intrínseca, originária, criada pela sua própria insegurança ou pelos conflitos sociais geradores de tantos problemas que afetam a mente, em razão da evolução natural das pessoas. Além dessa, outras pessoas são afetadas por vulnerabilidades circunstanciais, abrangendo pobreza, doenças crônicas e endêmicas, pandemia, falta de acesso à educação, alijamento dos mais comezinhos direitos de cidadania e outras situações que as tornam susceptíveis a sofrer danos. As diversas causas de estresses, de fobias, de depressões são enfermidades produzidas pela sociedade moderna e, na medida em que vão sendo contidas pelos homens, outras assumem as posturas de novas agressões comportamentais.

Com a decretação da pandemia, o governo Federal editou a lei 13.979/20, que estabeleceu as medidas direcionadas a todas as pessoas para o enfrentamento da emergência decorrente do coronavírus. A Organização Mundial da Saúde, por sua vez, traz também as orientações para o combate e insere no rol protetivo, dentre outras, as pessoas idosas e as com comorbidades.

Ocorre que a população toda do país, pelo quadro atual, pode ser considerada em estado de vulnerabilidade. O agravamento da saúde ganhou proporções incontroláveis de combate à pandemia. Pode-se dizer que não é vulnerável somente aquele considerado doente, pobre, sem habitação digna, sem emprego, sem alimentação condizente, mas todas as pessoas. Os mais novos, que eram tidos como resistentes ao vírus, experimentaram um número representativo de internações e até mesmo de óbitos. As redes públicas e privadas em todas as regiões do país vão se colapsando pela superpopulação, sendo que em alguns casos são feitas transferências de pacientes de um Estado para outro. Novas medidas restritivas à população serão impostas trazendo sérias consequências econômicas, com a necessidade urgente de implantar mais uma série do auxílio emergencial. As duas vacinas disponíveis são distribuídas de forma lenta e em pequenas doses regionais, insuficientes para dar a pronta e imediata imunização para impedir o avanço da pandemia, além do que a mutação do vírus aumenta e em muito o número de infectados, podendo até mesmo colocar em risco a eficácia vacinal. Com a crise instalada na saúde as doenças pré-existentes foram agravadas e paralisados os tratamentos no combate à hipertensão, diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, respiratórias, raras, cânceres e transplantes, dentre outras.  As estruturas hospitalares e as equipes médicas estavam voltadas para o combate à pandemia da Covid-19, deixando um caminho aberto para a passagem do vírus. Até mesmo o distanciamento social tornou-se um óbice para que as pessoas pudessem visitar seus médicos e, consequentemente, ficaram expostas às doenças.

Assim, diante de tal quadro, pode-se dizer que toda a população do país se encontra em estado de vulnerabilidade.

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1 Habermas, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Traduzido por Denilson Luís |Werle. São Paulo: Editora Unesp, 2018, p.341.

2 Houaiss, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetivo Ltda, 2001, verbete vulnerável.