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Feminicídio ainda em pauta

domingo, 13 de junho de 2021

Atualizado em 11 de junho de 2021 10:51

A Lei Maria da Penha (11.340/2006), atendendo chamamento constitucional contido no artigo 226 § 8º da Carta Magna, quando de sua aprovação, trouxe consigo uma proposta bem clara e bifurcada em seus objetivos: em primeiro plano proporcionar uma mudança no comportamento humano com relação às agressões perpetradas contra namoradas, companheiras e esposas, oferecendo a elas a tutela protetiva emergencial, assim como a criação de políticas públicas para ampará-las contra a violência doméstica e familiar em razão do gênero, definindo que a violência pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, conforme artigo 7º da referida lei, ou qualquer outra modalidade de violência, vez que o rol desse artigo é exemplificativo.

Diferentemente das outras legislações, no caso presente, a tutela é voltada para o lar que, apesar de não carregar uma definição legislativa, vai muito além do território circunscrito à casa, residência ou moradia. É o território onde se abrigam pessoas que se consideram aparentadas, unidas por laços naturais, legais ou por afinidade, mas que têm em comum o respeito mútuo e a convivência harmônica. Não é a delimitação física, com estreitas divisórias, orientadas por números e nomes. É, sim, um espaço de convivência, amplo o suficiente para suportar o desenvolvimento natural e espiritual de seus moradores. É o templo sagrado (my home is my temple) onde serão edificados os sentimentos, a dignidade e o caráter de seus moradores que, posteriormente, poderão repassá-los à comunidade maior, que é a sociedade em que se vive.

O segundo plano, de origem criminal, provocou a criação de um tipo penal, de construção recente, com pena mais exacerbada que a do homicídio, também revestido do caráter de hediondez, com a finalidade de proteger a mulher na vivência doméstica e familiar, como, também, evitar qualquer modalidade de menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A título de curiosidade, a prática de homicídio simples prevê uma pena de 6 a 20 anos de reclusão, enquanto que no feminicídio, alojado ali na forma qualificada, a pena é de 12 a 30 anos, também de reclusão, sem contar ainda com os acréscimos em razão do estado gestacional da vítima, se o fato for praticado diante de descendentes ou ascendentes, assim como em razão de descumprimento de medida protetiva.

A deputada Federal Rose Modesto (PSDB-MS) apresentou à Câmara Federal (PL 1.568/2019), projeto que já foi aprovado em maio de 2021 e se encontra no Senado Federal com o sinal verde já anunciado, para que o feminicídio seja tipificado como crime autônomo e não como apêndice do crime de homicídio na forma qualificada, além da exasperação da pena mínima de reclusão que alcançaria 15 anos.

Será que o agravamento da pena mínima do crime de feminicídio, por si só, acarretaria uma redução significativa dessa prática que causa repulsa inconteste na comunidade?

A impressão que se tem é que o feminicida, sabedor que é do alto grau de periculosidade que reveste sua conduta, não se intimida diante da pena e sim que, conforme vem ocorrendo em escala progressiva e em muitos casos com requintes de crueldade - principalmente no período pandêmico - faz opção pelos atos de violência, não se importando com as consequências penais referentes ao seu status libertatis.

A teoria inibidora em razão da imposição de pena mais gravosa - levando-se em consideração que originariamente a pena mínima era de 6 anos, posteriormente galgou para 12 anos e agora, ao que tudo indica, atingirá 15 anos - cai por terra por total falta de sustentação e de credibilidade na intimidação do agressor. O mesmo fenômeno ocorreu quando da vigência da Lei dos Crimes Hediondos (8.072/90), que surgiu como se fosse a tábua de salvação no campo penal, pois ditou normas a respeito do caráter de hediondez do crime, expondo-o como uma conduta ignóbil e repulsiva, que provoca a indignação seguida da reprovação unânime da sociedade. Em razão disso, carregou um plus legislativo diferenciado, que permitia ao Judiciário segregar provisoriamente; negar o benefício da liberdade provisória; negar o pagamento da fiança e indeferir qualquer pleito com relação à graça, anistia, indulto, assim como determinar o cumprimento da pena em regime mais rigoroso. Com o tempo e interpretações jurisprudenciais o pouco conquistado foi por demais limitado.

A recente pesquisa "Visível e Invisível - A vitimização de mulheres no Brasil", realizada pelo Datafolha,1 aponta que, durante a pandemia, diminuiu o número de registros de boletins de ocorrência, mas aumentou e em muito os casos de violência com mortes de mulheres. E uma das conclusões é que, após a agressão, 43% nada fizeram e 12% procuraram uma delegacia para registrar a notitia criminis, número que não permite uma atuação mais próxima e protetiva às vítimas. Como se trata quase sempre de um relacionamento mal resolvido entre o homem e a mulher em razão do inconformismo pelo término da relação, a prática indica que novas investidas serão retomadas pelos agressores até a ocorrência da derradeira contra a vítima que não buscou qualquer proteção legal.

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1 Disponível aqui.