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A justiça como equidade

domingo, 25 de julho de 2021

Atualizado em 23 de julho de 2021 12:02

A justiça, na clássica definição das Instituições de Justiniano, é a vontade constante de dar a cada um o que é seu. Vale-se, para tanto, do Direito e da instrumentalização da lei. Esta, por sua vez, justifica-se por si só, vez que dita as regras que devem ser observadas no relacionamento entre as pessoas, tudo visando a um convívio social harmônico.

Pode até ocorrer que a lei não seja cômoda para todos, mas é necessária a fim de que o homem possa viver em uma sociedade adequadamente ordenada. E seu papel é cada vez mais relevante, levando-se em consideração que sua missão principal é criar um controle social em busca do aprimoramento das relações sociais na construção de uma sociedade justa. Após questionar se a lei é necessária e adequada à natureza humana, Lloyd, com seu profundo raciocínio jurídico, concluiu que "a ideia de lei provou ser um dos fatores civilizadores verdadeiramente fundamentais no desenvolvimento da sociedade humana."1

Diz-se, e com muita razão, que o Direito vem da mesma linha genética da Filosofia. Nesta, o homem, pela sua sabedoria e experiência, aponta os princípios éticos e sociais que devem reger a vida em comunidade. Naquela, é a articulação de todas as condutas humanas catalogadas em um regramento tendo como base os apontamentos filosóficos.

O Direito, desta forma, pela sua própria estruturação interpretativa, revela-se cada vez mais um instrumento voltado para atender às necessidades do homem. Vale-se da lei, que estabelece os parâmetros permissivos e proibitivos, porém, não se prende a ela de forma servil e sim, com a autonomia que lhe é peculiar, alça voo em busca de uma verdadeira integração entre a norma e o fato perquirido, avizinhando-se da realidade pretendida. Apesar da lei trazer uma regra mandamental e geralmente temporária, vem despojada de sentimento. Pode-se até dizer até que a lei é uma ficção, enquanto sua aplicação na medida certa depende unicamente da forma pela qual será interpretada.

A equidade remonta aos tempos do Direito Romano (jus est ars boni et aequi). Aequitas carrega um significado peculiar, que abrange desde a igualdade, a imparcialidade, até mesmo a simetria no sentido de se buscar uma aplicação justa do Direito, todas afinadas com o princípio da justiça. Pode-se dizer que a equidade representa um auxílio de interpretação da lei, tendo como sinalizador a incessante busca ampliativa do texto legal. Também pode ser considerada como uma medida de complementação de uma lei, acrescentando a ela a elasticidade e a sensibilidade necessárias e condizentes com a realidade social.

Nessa mesma linha a equidade pode ser vista como um ajuste ou adaptação que se faz a uma norma existente - que no seu teor original carrega um rígido conceito que refoge do próprio sentido do contexto legal - para abrandá-la e temperá-la em busca de um conteúdo que seja mais digno e coerente com os princípios gerais da justiça, conforme apregoa a doutrina da socialização do Direito. Recomenda-se, portanto, uma ponderação e um equilíbrio refletido, como salientado por Rawls: "Entendendo as coisas desse modo, podemos considerar que a justiça como equidade e a retidão como equidade fornecem uma definição ou explicação dos conceitos de justiça e de justo."2

Summum jus, summa injuria, aforismo citado na obra De officiis, de Cícero, com o sentido de que o apego às normas em sua literalidade e dogmática, com a rigorosa aplicação da lei, não se pratica justiça e sim redunda em injustiça, define com sobras o conceito de equidade. Surge assim a equidade como o justo melhor, diverso até mesmo do justo legal, visando fazer um polimento na própria lei para retirar dela a aspereza que a reveste, assim como para ampliá-la e buscar uma solução mais adequada e proporcional à razão humana. Não é aplicável somente para preencher as lacunas do Direito em razão do silêncio da lei, mas também e, principalmente, por ser um auxiliar da Hermenêutica, procura encontrar uma solução que seja mais benigna, mais tolerante, mais humana, enfim que seja compatível com o progresso, os costumes e a solidariedade que deve existir entre as pessoas.

Desta forma a equidade foi acomodada no sistema interpretativo levando-se em consideração as diversas circunstâncias de pessoas e lugares, assim como a realidade política e social do país. Maximiliano, com sua perspicácia hermenêutica, já anotava: "Não se recorre à equidade senão para atenuar o rigor de um texto e o interpretar de modo compatível com o progresso e a solidariedade humana; jamais será a mesma invocada para se agir, ou decidir, contra prescrição positiva clara e prevista."3

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1 Lloyd, Dennis. A ideia de lei. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 419.

2 Rawls, John. Uma teoria da justiça. Tradução Almiro Pisseta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 119.

3 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 142.