COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Leitura Legal >
  4. Ano novo: sem vírus, sem cepas

Ano novo: sem vírus, sem cepas

sábado, 1 de janeiro de 2022

Atualizado em 29 de dezembro de 2021 08:41

É até difícil, no centro de um torvelinho que gira em torno de várias ondas da pandemia, buscar condições para emergir e encontrar a incontida esperança que há um bom tempo se aninha no coração de cada pessoa como prisioneira de uma pena já vencida. Num repente passamos a frequentar uma humanidade diferenciada, atordoada por tantos vírus e que prega somente o dicionário de sobrevivência, muitas vezes com o acréscimo de vários auxílios emergenciais, até mesmo o indesejado da solidão.

É certo que não podemos dar as costas à esperança e nem mesmo é oportuno resgatar as recordações de momentos felizes que vivemos em um passado tão recente. É sim chegada a oportunidade de recarregar a alma e criar uma nova linha de montagem para nosso corpo, assim como blindá-lo contra a contaminação das mais variadas cepas dos invisíveis vírus. Percebemos que a humanidade chegou ao fim de uma era e pisamos no alvorecer de outra, ainda desconhecida.

A esperança - muitas vezes erroneamente confundida com a utopia que se desmancha como um castelo de areia - mais uma vez passa a ser a perspectiva da humanidade, que desfila as melhores intenções para a construção do futuro homem, amadurecido pela vida e em busca de alçar voos mais altos, sem se descuidar dos passos iniciais. É momento de renascimento, em que cada um vai se fundir no seu próprio eu para retomar o curso da vida.

Assim, ao mesmo tempo em que combatemos os moinhos de vento que vão se apresentando, vamos desfilando votos que povoam nossa imaginação: que no próximo ano possamos ter um olhar panorâmico - sem desprezar o olhar para dentro de nós mesmos - com olhos grandes e sonhadores mirando para o infinito em busca do ponto de equilíbrio para envolver as pessoas na contextualização necessária da construção de uma nova identidade, com ênfase no conceito de pertencimento.

Que a tecnologia - nossa acólita já considerada inseparável - continue seu processo de aperfeiçoamento para que possamos fazer o download dos melhores pensamentos que habitam nossas mentes para copiar e colar, principalmente, os sentimentos de generosidade e altruísmo, afastando a tão lastimada polarização linear, que limita cada vez mais a pessoa dentro de seu labirinto. O verdadeiro homo digitas é aquele que, apesar de não deixar suas pegadas na areia, aceita ser monitorado para corrigir seus passos em busca da verdade.

Que possamos atingir a sabedoria depurada pelo tempo com uma linguagem de revelação, sem estandardizar critérios ou normas para compreender melhor o novo enredo da vida. Cada um possa fortalecer com sua elevada estima o grupo a que pertence e executar o papel que lhe cabe nesta aventura chamada vida humana. Não teremos mais mão única para circular e sim vários caminhos que projetarão os melhores propósitos de uma civilização mais inclusiva. Vindica te tibi, assim proclamava Sêneca, no sentido de exortar o homem a reivindicar a propriedade do seu ser, com alcance muito além da limitada selfie, compreendendo o desejo de viver em paz consigo e com as demais pessoas.

Nesta cruzada que se inicia cada um seja um poeta a engarrafar suas nuvens depositando nelas votos de moderação, temperança, serenidade e, de braços abertos e corações contritos, possa apreciar o verde dos campos com todas as suas tonalidades, o azul contemplativo do céu, o rio que dá curso às suas águas caudalosas, o brotar das flores no embalo do canto dos pássaros.                    

Ou, se impossível o poema, sejamos como uma borboleta, na crônica de Ivan Ângelo: "Como borboletas: passam, enfeitam o instante com algumas cores, voejam e partem. Se deixam alguma coisa, é um sorriso na alma do visitado."

Ou, ainda, na prosa machadiana, que os novos ventos tragam bons augúrios.  Acrescento: sem vírus, sem cepas.