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A criopreservação do corpo humano

domingo, 13 de novembro de 2022

Atualizado em 11 de novembro de 2022 11:13

A tecnologia vai se desenvolvendo com tanta intensidade que atinge não só as expectativas humanas com relação aos benefícios direcionados para uma vida com longevidade e qualidade, como, também - talvez até como se fosse um destino apocalíptico - alça marcos imaginários que se descortinam, aparentemente, como uma ficção científica. Os limites temáticos costumeiros, e que se encontram na linha de desdobramento das pesquisas feitas em laboratório, atingem seu ápice e obrigam, necessariamente, o início de uma nova investigação científica. Isto porque o conhecimento científico é dinâmico e cumulativo. Tal constatação pode ser vista no passado com a publicação, em 1932, da obra "O Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, que causou reações extremadas por antecipar a tecnologia reprodutiva, como se fosse uma aposta ou até mesmo uma promessa no progresso da reprodução assistida.

Nesta mesma linha de novas descobertas, o presidente executivo da empresa Tesla e da Space X, Elon Musk, lançou interessante desafio consistente em desenvolver implantes cerebrais com a finalidade de permitir a comunicação entre o humano e a máquina. Tal procedimento visa possibilitar que as pessoas portadoras de severos distúrbios neurológicos possam receber impulsos com a finalidade de restaurar as funções motoras e sensoriais, podendo até mesmo recuperar a visão de um cego. Deixou a entender também que, pelas projeções do mundo cibernético, existe o temor de que os seres humanos possam ser ultrapassados pela inteligência artificial.1

E a motivação do presente artigo está ligada à iniciativa de um laboratório localizado em Scottsdale, no Arizona, Estados Unidos, que abriga cerca de 200 corpos congelados. São aquelas pessoas que sofriam doenças irreversíveis e que optaram pela criopreservação dos corpos com a esperança de que, em um futuro próximo, quando a medicina descobrir a cura de suas doenças, possam retomar à continuidade da vida.

A criogenia já é utilizada com sucesso na preservação de órgãos destinados para transplantes e também de embriões humanos depositados em tanques de nitrogênio líquido a uma temperatura de 196 graus negativos.

Os laboratórios que trabalham com o procedimento criônico - responsável pela preservação dos corpos humanos falecidos, com o intuito de reanimá-los em um tempo futuro não definido - vão apostando na proposta e abrindo novas frentes com boas perspectivas de aceitação e trabalho.

O tema da criogenia despertou a atenção da Rede Globo de Televisão e foi palco da novela O Tempo Não Para, lançada em 2018. Relata a história de 13 pessoas da mesma família que acabaram congeladas após o naufrágio de um navio que se chocou com um iceberg, no ano de 1886. Cerca de 132 anos após, um grande bloco de gelo se aproxima da praia do Guarujá/SP, quando os corpos congelados vão despertando cada um à sua maneira.

Já que o clima é de ficção - Mark Twain tinha razão quando afirmava que a principal diferença entre a ficção e realidade é que a ficção tinha que ter um conteúdo de credibilidade, enquanto a realidade gozava de pleno crédito - Machado de Assis, que viveu neste período (1839/1908), poderia ter sido passageiro do navio atingido pelo iceberg e se encontrar no rol dos criopreservados. Com toda certeza, ao despertar, logo após desviar das manobras de um skatista, o bruxo do Cosme Velho iria assistir a uma transformação total da humanidade e não teria a sensibilidade aguçada para dar continuidade à sua extensa obra. Talvez, no entanto, tivesse uma única vantagem, qual seja: a de combater suas frequentes crises de epilepsia, que eram tratadas à época tanto pela medicina tradicional quanto pela homeopatia. Ambas sem sucesso. No mundo novo, quem sabe - ainda sem a cura definitiva - teria maior chance com o uso medicinal do canabidiol.

A realidade da natureza humana é que cada um tem seu tempo, seu lugar, sua hora. A morte é o fator determinante e com ela cessa o caminhar terreno. Os romanos já preconizavam: Mors omnia solvit (a morte apaga tudo).  

Inúmeras são as complicações para sustar temporariamente a morte e, após, retomar a vida como se fosse um sincronismo habitual. O eventual ganho da longevidade, se vingar, além da complexidade do procedimento, é temporal e não há ainda evidências científicas de benefício para o homem. A humanidade, pelo menos no momento presente, não está preparada para assimilar tal tecnologia que, além de desafiar a vida, desafia a própria morte.

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1 https://www1.folha.uol.com.br/tec/2019/07/elon-musk-quer-simbiose-entre-homem-e-tecnologia-com-implante-cerebral.shtml