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O padrão de beleza

domingo, 4 de junho de 2023

Atualizado em 2 de junho de 2023 12:11

um consenso na literatura mundial de que a mulher mais bonita é Ana Karenina, personagem do autor russo Leon Tostoi. De tão formosa, fazia as pessoas perderem a fala. Para o nosso lado, com a cor indígena, José de Alencar pintou Iracema como a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asas da graúna e mais longos que o talhe da palmeira. Bonita e misteriosa, Capitu foi descrita por Machado de Assis como olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Beleza é fundamental, cantava Vinicius de Morais, com as escusas devidas às mulheres desprovidas dos encantos femininos.

O padrão de beleza evolui com os critérios da própria humanidade. Cada época adota seu modelo entoando o ritmo do let's stay young forever. Atualmente, pelas exigências da indústria da moda, as modelos devem apresentar um corpo cada vez mais magro, ingressando no transtorno psicológico da anorexia. É a beleza presente, já fugidia no corpo esquálido, recomendando a morte do jovem, que seria o mais amado pelos deuses, segundo os gregos, ou ainda, de acordo com o pensamento de Albert Camus, uma escravidão espontaneamente aceita.

O ser humano, pela sua própria natureza, preocupa-se com o seu bem-estar e estabelece regras rígidas de estética para o seu próprio corpo. Para tanto, muitas vezes, como um bom espartano, frequenta academias e praças de exercício para conseguir um resultado que lhe seja satisfatório, de acordo com o programa de saúde adotado para atingir os objetivos almejados. O modelo de beleza, principalmente o feminino, está intimamente ligado aos padrões internacionais, sempre capitaneados pelas famosas musas que ocupam as passarelas.

Lembro-me, com certa melancolia, da morte da cantora Karen Carpenter que, juntamente com seu irmão, formou o grupo The Carpenters. Considerada uma das vozes mais envolventes, principalmente quando entoava Close to you, começou a fazer dietas obsessivas e desenvolveu anorexia nervosa, vindo a falecer aos 32 anos, no auge da fama.

A saúde pública, como fator preponderante, principalmente o relacionado com a juventude, deve nortear a ação governamental. A preocupação com a aparência física é louvável, mas a modelagem do corpo para se adaptar à ditadura da moda, com o jejum obrigatório e a consequente utilização de remédios para emagrecimento, transforma jovens saudáveis em belezas esqueléticas, numa visão holocáustica, como árvore seca no coração de um deserto, descrito por Elie Wiesel.

Somam-se no país vários casos de morte por anorexia. A imagem do corpo, a intromissão estatal nesta intimidade particular, são situações que justificam um posicionamento governamental, em ação preventiva, impedindo a jovem de agredir a si própria e provocar a própria morte. O padrão de beleza desloca-se das agências da moda e meios de comunicação e ingressa no limite ético determinado pelo bem estar físico e mental, nos parâmetros de respeito à dignidade humana, um dos fundamentos de nossa Constituição.

Quer dizer que, desde o nascimento até a morte, todo indivíduo tem direitos a um conjunto de serviços na área da saúde, desde que obedeça rigorosamente a regulamentação estatal. Cria-se, desta forma, para o Estado-providência, uma outra proteção e agora relacionada com o fantasma da obesidade que ronda os adolescentes do país. Estudos da Organização Mundial de Saúde, que elegeu a obesidade como a doença do século XXI, revelam que 30% da população mundial sofre com sobrepeso e obesidade e que um adolescente nestas condições tem mais de 70% de chance de se tornar um adulto obeso. E este mesmo órgão, que definiu o anoréxico como o portador do IMC igual ou inferior a 18, classificou o obeso como o portador do IMC igual ou maior a 30.

Da mesma forma que a anorexia, o excesso de peso provoca problemas graves para a saúde, pois, a exemplo do que acontece nos EUA, país que lidera o ranking do tecido adiposo, os jovens brasileiros se alimentam de produtos ricos em gordura e carboidrato, que ficam alojados no organismo. O crescimento desordenado da população obesa atinge graus de morbidade e passa a ser um problema de saúde pública, que deve acudir as doenças decorrentes da obesidade mórbida, tais como: cardiovasculares, diabetes, câncer, hepatite, apneia do sono, estresse e outras.

Na realidade, exige-se a mobilização nos dois polos, buscando o peso ideal. A alimentação não deve ser racionada ao extremo e nem ingerida em excesso, sem critérios. O corpo humano é um complexo que busca o equilíbrio saudável. Juvenal, na antiga Roma, alardeava: mens sana in corpore sano.

Na mesma linha de pensamento, há necessidade de intervenção legislativa para orientar e conter o ganho de peso dos obesos, com políticas claras de nutrição saudável e até mesmo do acesso mais frequente à cirurgia bariátrica, mais conhecida como de redução de estômago.  A estética não pode sobrepujar a ética do bem-viver. O belo não pode contrariar o saudável.