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Não é de hoje

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Atualizado às 07:12

É profunda e está arraigada em meu íntimo, a implicância pelo uso do inglês nas conversas e escritos correntes, mas principalmente por inúmeros setores profissionais, em nosso país.

Eu não sei exatamente quem são os responsáveis por uma atividade que usa e abusa de anglicismos. Aliás, não se trata de anglicismo. As palavras não derivam do inglês, pois elas são o próprio inglês.

A atividade a que me refiro é a de dar nome a produtos; a lojas comerciais; é a de redigir folhetos comerciais; escrever em cartazes e em faixas de propaganda; escrever em caminhões de entrega; escrever publicidades para televisão ou colocar o fundo musical dessas publicidades, dentre outros abusos. Até em uma cidade do interior, foram colocadas nas ruas em vez de Pare o inglês STOP, talvez para mostrar tratar-se de um local frequentado por turistas...

Presumo que essa ampla atividade esteja afeta ao setor publicitário. Este setor abrange desde as grandes agências, até aqueles profissionais que trabalham para as micro empresas.

A adoção de nomes próprios derivados do inglês ou mesmo nomes de batismo tipicamente ingleses ou americanos virou uma moda. Basta que se verifique o nome de inúmeros jogadores de futebol da atualidade: richardson; welington; robson; cleverson e tantos outros. Merecem figurar na escrita em minúsculo, não pelos seus portadores ou por seus pais, os responsáveis, mas, como protesto. Bobagem? Sei lá, mas deixa assim.

Não atino com as razões desse estrangeirismo batismal. O que será que leva os pais a essa opção macaquiana, desprovida de qualquer sentido? Será que os filhos por carregarem nome estrangeiro estarão fadados ao sucesso na vida? É isso que pensam? Não sei. Sei sim que no caso específico dos jogadores de futebol o sucesso lhes advém dos pés e não do nome.

A utilização de palavras estrangeiras, na verdade o inglês, sempre o inglês, não se resume àquelas que não tem correspondência em português ou mesmo tendo, estão elas de tal maneira vinculadas ao seu significado que traduzi-las seria alterá-lo. Não, esse costume ultrapassa aquelas hipóteses.

E, esse mau hábito não é de hoje, basta se recorrer à música popular para se verificar que já nas décadas de vinte e trinta o uso do inglês era moda. Duas músicas extraordinárias contendo um fino humor ironizam o péssimo hábito. Lamartine Babo compôs e Joel de Almeida gravou "Canção para Inglês Ver". E Carmem Miranda "Good-Bye", composta por Assis Valente.

A música de Lamartine é hilária, ironiza o uso de expressões estrangeiras misturando-as com palavras e expressões nacionais que nada tem a ver entre si. As frases da composição não guardam nenhum nexo e nenhuma lógica umas com as outras. Representam um verdadeiro non sense. A fina inteligência do compositor, a sua aguda percepção da realidade e seu refinado senso de humor mostram que a utilização desnecessária da língua estrangeira é responsável por uma comunicação confusa e desarticulada entre as pessoas e não expressa com fidelidade o pensamento, a mensagem que se quer transmitir.

A outra música, cantada com graça e expressividade por Carmen Miranda, mostra que especialmente os incultos são os que se servem das palavras em inglês. Assim, o mulato é ironizado na música, pois, exatamente para mostrar cultura que não possui, usa expressões inglesas e as emprega mal. A música o aconselha a deixar "a mania do inglês" pois "fica tão feio para você mulato frajola que nunca frequentou as aulas da escola". Carmen Miranda canta não ser mais "boa noite nem bom dia e sim good morning ou good night". No entanto, afirma que "ensinaremos cantando a todo mundo o b a ba, o b e be e o b i bi assumindo um compromisso com a nossa língua antes que a vida se vá".

Nos dias de hoje há, com relação à composição de Assis Valente, "Good-Bye", uma acentuada diferença. Não é mais o "mulato frajola", o homem inculto, mas sim os da elite que fazem questão de substituir o português pelo inglês, numa triste demonstração de falta de alta estima nacional, pelo desprezo em relação ao que de mais expressivo, significativo e identificador um povo possui, que é a sua própria língua.

Há, também, uma música de Noel Rosa, chamada "Não tem Tradução", em que o poeta da Vila faz uma crítica, nos versos finais, a agressão contra a nossa língua representada pelo uso do inglês. Afirma que as "rimas do samba não são I love You" e que "esse negócio de alô, alô boy e alô, alô Jonny só pode ser conversa de telefone".

O jornalista, escritor e teatrólogo Nelson Rodrigues, grande frasista que foi, dizia que nós brasileiros somos "uns narcisos às avessas. Cuspimos na própria imagem."

Um antropólogo e estudioso da questão do negro no Brasil, cujo nome não me recordo, afirmou que a adoção do padrão estético europeu representava um "fenômeno patológico da psicologia brasileira."

Correta observação. Esta nossa patológica tendência de incorporar padrões estrangeiros perdura nos dias de hoje. Antes o país tinha como paradigma a França, hoje são os Estados Unidos. O país e o continente mudaram, mas permaneceu a incompressível e penosa doença.