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Sustentações orais: A minha primeira no STF

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Atualizado às 08:17

Um dos problemas que afligem a advocacia criminal nos nossos dias diz respeito às sustentações orais. Alguns fatores têm causado algum incômodo nos magistrados. Eles não escondem o mal-estar que sentem em face do número excessivo de advogados na tribuna em cada sessão. Eu acrescentaria que a má qualidade de algumas sustentações constitui outro fator da indisposição, mas que não é revelado por elegância e respeito a nós, outros advogados.

Como regra, são de quinze a vinte sustentações diárias. Esse número é comum nos Tribunais Superiores, nos Tribunais Regionais e em alguns Estaduais, como os de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Eu me espanto com o crescimento acelerado, vertiginoso do número de colegas que comparecem para sustentar nos dias de julgamentos. Até poucos anos apenas em certos casos de maior complexidade os colegas viam necessidade de se comunicarem oralmente com os julgadores durante os julgamentos. Entregava-se memoriais, por vezes pessoalmente e apenas nas hipóteses de esclarecimentos mais pormenorizados ou em face de maior complexidade é que se sustentava.

Vários advogados, eu inclusive, no ato da contratação deixávamos claro que a sustentação ficaria exclusivamente a nosso critério. Sabíamos que por vezes ela seria contraproducente e isso pelas mais variadas razões. No entanto, atualmente especialmente os colegas recém-formados não adotam nenhum critério de necessidade ou de oportunidade e sustentam em todo e qualquer caso. Por vezes, usam a tribuna apenas para lerem as razões já escritas ou os memoriais apresentados.

Sensibilizados com o grande número de sustentações orais desnecessárias, por vezes produzidas por colegas ainda carentes de experiência e de preparo técnico, nós, advogados mais antigos e afetos aos julgamentos dos órgãos superiores, passamos a cogitar na hipótese de enviarmos ao Congresso Nacional um projeto de lei organizando a advocacia em carreira, tal como ocorre em outros países.       

Ao lado do fator acima apontado, número não pequeno de sustentações desnecessárias, é preciso ser realçado outros motivos que são alheios à conduta dos advogados. Os Tribunais Estaduais e os Regionais Federais recebem um número expressivo de recursos e de habeas vorpus em razão do rigor dos juízes de primeira instância que decidem em consonância com a cultura punitiva que se instalou no país. Exacerbação das penas; decretação de preventivas estando ausente a sua necessidade; manutenção de flagrantes em crimes de bagatela; ignorância dos fatores deletérios das cadeias; indeferimento de postulações defensivas e claro desequilíbrio no tratamento das partes nos processos são alguns dos fatores que nos obrigam a que se valha dos tribunais.

Por outro lado, como os tribunais dos Estados não seguem reiteradas decisões em um mesmo sentido proferidas pelos tribunais de Brasília, esses são acionados em nome da unicidade e coerência do sistema penal. Desta forma, como é óbvio, os próprios órgãos do Poder Judiciário são responsáveis pelo acúmulo de processos nos tribunais superiores.

Um outro fato que vem nos afligindo diz respeito aos habeas corpus. Os seus julgamentos estão sendo feitos monocraticamente pelos respectivos relatores. As decisões são proferidas sem que o advogado tenha tido oportunidade de sustentar e nem sequer de despachar memoriais. Não são raros os casos nos quais uma vez distribuída a medida receba um imediato despacho. Havendo indeferimento resta ao impetrante o agravo regimental, que agora permite uma sustentação oral por cinco minutos. Concessão outorgada por uma recém lei, mas que nada representa em face da exiguidade do tempo e pelo indeferimento já existente.

Esse estreitamento do grande instrumento da liberdade que é o habeas corpus representa verdadeiro atentado à liberdade dos jurisdicionados e ao próprio Estado Democrático de Direito.

Bem, para amenizar esse texto, eu passo a narrar a minha primeira sustentação oral no Supremo, em uma época na qual o direito de defesa era exercido em sua plenitude. Foi em 1974, ainda quando as franquias democráticas estavam fortemente mitigadas.

Estava apreensivo, mas feliz por ir à Brasília apresentar-me ao Supremo pela primeira vez. Tomei o avião, sentei-me, afivelei o cinto, afrouxei a gravata, mas não tirei o paletó. Terrível erro. Uma simpática e solícita aeromoça ao me trazer um suco de laranja o entornou por inteiro em meu paletó e camisa. Atingiu também a gravata.   

O seu constrangimento e as desculpas reiteradas impediram-me de reclamar. Acabei por dizer-lhe que não era nada, que não se preocupasse. Menti, pois era muito. No entanto, mesmo impregnado pelo cheiro da laranja e pelas manchas amarelas, ao vestir a beca no Supremo voltei a sentir o orgulho inicial.