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34% de zero é igual a zero: Chegou a hora de iniciar um novo e promissor capítulo na história do futebol brasileiro

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Atualizado às 08:24

Roberto Teixeira da Costa é um economista brasileiro que dedicou sua vida à criação e à consolidação do mercado de capitais no Brasil. Desde os anos 60, atua em instituições privadas e exerce cargos públicos proeminentes: foi gestor do Fundo Crescinco (um dos primeiros a atuar no país), vice-presidente do Banco de Investimento do Brasil, 1º presidente da CVM e presidente da Brasilpar; também foi conselheiro da SulAmérica e do BNDESPar; e, atualmente, integra o board do Inter-American Dialogue, os conselhos de administração do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e do MUBE (Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia), além de presidir a Câmara de Arbitragem do Mercado.

Dr. Roberto, como é merecida e respeitosamente tratado, publicou, durante a pandemia, um livro (o sexto, aliás, de sua carreira) chamado "O Brasil tem medo do mundo? Ou o mundo tem medo do Brasil?" (Ed. Noeses). Na obra são apresentadas as origens históricas do pensamento e das posturas patrimonialistas (ou individualistas) que norteiam a sociedade brasileira.

As consequências desse (equivocado) encaminhamento podem ser identificadas nas políticas dos sucessivos governos, bem como de grupos de interesses empresariais, que se fecharam ao mundo ao recusar a disputa pelo mercado global e, ao mesmo tempo, impediram a entrada no país de novas soluções ou tecnologias (por meio de barreiras protecionistas).

Não bastasse o suposto medo que o Brasil teria do mundo, que se traduz, nas palavras de Nelson Rodrigues, como uma espécie de complexo de vira-lata, as erráticas orientações em relação a temas atuais (essenciais e globais), como o meio-ambiente, a redução da desigualdade e o enfrentamento da crise sanitária, criaram, nas gentes, um sentimento inverso, de medo do Brasil e do brasileiro, que passaram a ser tóxicos.    

Da leitura do livro se sai com a amarga (e ao mesmo tempo elucidadora e, daí, reversível) impressão, ou certeza, de que, parafraseando Robert Burton (e Aldous Huxley), o maior inimigo do Brasil é o Brasil e o maior inimigo do brasileiro é o brasileiro.

Essa lógica se estende ao futebol, tema que mereceu a atenção do Dr. Roberto.

Assim como o país entregou e desperdiçou o pau-brasil, o ouro, os diamantes, o café, a borracha e está renunciando à sua Amazônia, também mantém uma relação autodestrutiva com o futebol - atividade que, como nenhuma outra, apresenta os elementos para se tornar, a um só tempo, vetor de integração nacional e de desenvolvimento econômico e social.

Essa inexplicável postura vem sendo revertida pela notável atuação do Congresso Nacional, que aprovou, inicialmente no Senado Federal, por votação unânime, o PL 5.516/19, de autoria de seu presidente, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), e, na sequência, na Câmara dos Deputados, com 429 votos favoráveis, contra apenas 7 desfavoráveis.

O projeto aprovado obteve rara - e, espera-se, a partir de agora, frequente - adesão coletiva de dezenas de clubes, que solicitaram, em petição pública, a conclusão do processo legislativo e a entrega de uma lei que, apesar de não se prestar a resolver com um passe de mágica a crise sistêmica, é condição necessária para o resgate e a reconstrução da atividade futebolística (e formação no novo mercado do futebol).

A maior (ou a única) resistência à sanção pelo Presidente da República do PL 5.516/19 parece advir de um grupo preocupado apenas com cifras arrecadatórias - e não com o desenvolvimento do país -, o qual, de modo equivocado, enxerga no Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) um sistema de renúncia de receitas e, consequentemente, prejudicial aos cofres públicos.

É aí que se revela a necessidade de afirmar que o Brasil não pode mais se posicionar como inimigo do Brasil.

A solução arquitetada no PL 5.516/19 introduz instrumentos para formação de um novo mercado, indutor de relações e negócios, que: (i) se, de um lado, viabilizarão a captação de recursos pelas SAFs constituídas pelos clubes - com a devida segurança jurídica que outras iniciativas, tais como Lei Zico e Lei Pelé, não ofereceram - e, assim, propiciarão a geração e a distribuição de riquezas; (ii) de outro lado, atrairão a incidência de normas tributárias que contribuirão para, sob uma perspectiva desenvolvimentista, incrementar a arrecadação fiscal.

O PL 5.515/19 entrega, pois, uma nova perspectiva, diametralmente oposta à realidade atual, a qual foi construída há mais de um século sobre pilares que se tornaram inviáveis social e economicamente, apoiadas, esta sim, na renúncia arrecadatória por conta das imunidades ou isenções associativas e a leniência com o clube mal pagador, acumulador de dívidas de todas as naturezas - incluindo as tributárias.

Pois bem: o Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) é um instrumento essencial à criação da empresa futebolística, que determina o recolhimento mensal, "mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições, a serem apurados seguindo o regime de caixa: I - Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); II - contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep); III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); IV - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e V - Contribuições previstas nos incisos I, II, III do caput e no § 6º do art. 22 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991".

Abandona-se, enfim, o modelo paternalista e dependente de subvenções, o qual, na prática, cobra da sociedade em geral (e dos contribuintes) a conta dos desmandos e da irresponsabilidade, e se inaugura um novo modelo, pautado na responsabilidade e na ampliação da base contributiva para formação de um país menos desigual.

Por esses motivos, não faz sentido a alegação daqueles grupos de interesse que, erroneamente, sustentam, por mero capricho ou corporativismo, haver um impacto negativo pela não sujeição da SAF ao IR à alíquota consolidada de 25% e à CSLL, à alíquota de 9%.

Primeiro porque, atualmente, nada se arrecada; segundo porque, fosse esse o caminho, o novo mercado não se formaria.

E aí, continuar-se-ia a arrecadar, como afirma o Senador Carlos Portinho (PP/RJ), relator no Senado Federal do PL 5.516/19, a carga imaginária de "34% sobre nada; que é igual a nada".

Não há, portanto, motivo algum para que o Presidente da República vete qualquer dispositivo do PL 5.516/19. E por se tratar da vontade da sociedade brasileira - expressa pelo Congresso Nacional e pelos clubes brasileiros -, espera-se que a sanção venha com a celeridade que a situação demanda.