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Meio de campo

Textos sobre Direito Esportivo e mercado.

Rodrigo R. Monteiro de Castro
Como se vem apresentando nesta série de textos um projeto de (e para a) CBF, não se poderia deixar de avaliar suas próprias funções históricas (e atuais) e, conforme as premissas que venham a ser estabelecidas, propor novos caminhos. De modo resumido, a CBF se dedica, no plano do futebol profissional, (i) à gestão da seleção brasileira e (ii) à organização de campeonatos e copas. Dentre ambas as atividades, a principal, mais rentável e glamourosa, é a primeira. Dela se extrai parcela majoritária da receita, do lucro e do poder de influência local e internacional. A segunda, do ponto de vista pragmático, tornou-se, há tempos, um fardo; um fardo porque envolve a gestão de clubes de diversas regiões e divisões, com preocupações e necessidades distintas, em sua maioria sujeitos a crises permanentes, demandadores de recursos e favores. Pior: que deixaram de fornecer, de modo direto, os jogadores, que são as matérias essenciais ao desenvolvimento do principal produto da CBF: a seleção. Afinal, os selecionados costumam vir do exterior, onde terminam a sua formação e abrocham para o profissionalismo. Aliás, a incapacidade de gerir as necessidades locais do futebol - algo que, é sempre bom lembrar, não tem a ver com o atual Presidente, Ednaldo Rodrigues, mas com o arcaísmo secular, do qual ele e qualquer outro será refém - se reflete na performance dos times brasileiros, que deixaram de ter força econômica, tecnologia e tática para competir no plano global. O resultado, apesar do apego do torcedor, que lota estádios para acompanhar jogos independentemente da qualidade e da posição de seu time, não raro em ambientes pouco confortáveis (algo que não se confunde com a problemática elitização do espetáculo), consiste, de um lado, na crise sistêmica, evidenciada pela dívida coletiva da ordem dos bilhões, e, de outro, na oligopolização, produtora de três ou quatros agentes hegemônicos. Ou seja, o futebol no Brasil virou as costas às suas características continentais, que produziram forças locais e regionais e alta competitividade esportiva, e adotou um processo autofágico, indutor de uma outra espécie de competição, de natureza existencial, que estimula condutas individualistas e patrimonialistas, em detrimento de todos os demais pares. Parece evidente, assim, que já não faz mais sentido, no atual estágio do esporte, que se globalizou e se inseriu na indústria do entretenimento, que uma entidade associativa, sem fins econômicos, submetida a um processo político exacerbado, continue a gerir e definir o futuro dos times de futebol, os quais, na prática, são empresas futebolísticas.   Os times, em especial sob essa perspectiva mercantilista, podem (ou devem) se auto-organizar e, mediante a criação de estruturas próprias, específicas e profissionais, promover um profundo processo de reestruturação e reposicionamento de seus produtos. Tal movimento ainda traria um efeito positivo à CBF, que se dedicaria, de modo prioritário, também sob novo estatuto jurídico (resultante do processo de mutualização, desmutualização e abertura de capital), à motivação contemporânea de sua existência, que consiste, como indicado acima, na gestão, com primor, da seleção brasileira. Trocando em miúdos, a CBF "perde valor" com a administração, por exemplo, do campeonato brasileiro e, ao mesmo tempo, os clubes e sociedades anônimas do futebol não conseguem gerar valor, ao menos o verdadeiro valor que têm, e remanescem enjaulados num modelo que, conforme informações veiculadas pela imprensa, não vale praticamente nada no exterior (neste sentido, os direitos de transmissão internacional da série A, em 2023, teriam sido negociados por ridículos US$ 8 milhões). O caminho pressupõe, então, o desmembramento da CBF e a retenção e alocação de especialidades. Consequentemente, a CBF focaria e desenvolveria a seleção brasileira, que deveria ser um dos principais exemplos de softpower do país; enquanto os times, de outro lado, impulsionariam ligas fortes e pujantes, em especial a que chamarei aqui de Liga Brasileira, fruto da reunião e união dos times de primeira e segunda divisões. A Liga Brasileira também deveria se transformar num produto de exportação, influência e posicionamento do Brasil; e não há exagero nessa proposição. A Premier League serve como exemplo. Ela se tornou uma espécie de Hollywood inglesa, que se insere nos lares de cidadãos de aproximadamente 90 países e expressa - melhor do que a Família Real, envolta em crises mundanas -, a cultura e a ambição do país.   De modo suscinto, o gráfico abaixo ilustra como ficaria o modelo acima proposto: Nota-se, no modelo, a relação de cooperação entre CBF e Liga Brasileira, para fortalecimento do sistema como um todo, que geraria, ao final, impactos esportivos, sociais e econômicos, de modo generalizado. Para tanto, as estruturas de controle e societária da CBF, seu papel de guardiã da tradição e da cultura, assim como a função atribuída pela FIFA a uma entidade de administração do esporte, devem ser ressignificadas e compreendidas. E sobre isso se tratará no próximo texto.
O grande dilema da teoria da governação de companhias (ou da governança, conforme termo mal traduzido do inglês), consiste na aderência de proposições de gabinete às realidades de entidades heterogêneas. Aliás, mais do que isso: também envolve a necessidade de adaptação de formulações estrangeiras, construídas para problemas locais, à realidade dos ambientes em que serão introduzidas, como o brasileiro. A falta de sensibilidade, ou melhor, a utilização dogmática da matéria, inclusive por quem a conhece, mas que pretende encobrir uma série de imperfeições por detrás de um conceito mercadológico abstrato, vem contribuindo para falsear realidades complexas ou insustentáveis. Daí a falibilidade, ou melhor, o fracasso, ainda não admitido no âmbito do mercado, dessa tentativa de construção de um padrão (ou conjunto) de práticas uniformes que sejam extensíveis, de modo geral, aos agentes que dele (mercado) participam. Isso não existe e jamais existirá. Por outro lado, não se pretende, com tais alertas, negar a relevância - ou mesmo a indispensabilidade - da autogovernação das sociedades (bem como de associações sem fins econômicos), que pode ser construída a partir da boa doutrina, local ou internacional, isenta e não capturada por interesses específicos. Nesse sentido, um botequim de esquina - sem qualquer demérito, ao contrário, dos pequenos estabelecimentos que hospedam a alegria de trabalhadores (ou notívagos) - pode, eventualmente, implementar, dentro de sua realidade, uma governação que lhe propicie uma perspectiva de perenidade; enquanto uma enorme companhia que fornece os produtos ao mesmo botequim, eventualmente, estará sujeita a um modelo interno superficial, que a levará, no tempo, ao desaparecimento. Partindo dessas premissas e, novamente, levando-se em conta os reais avanços propiciados por uma teoria independente, a governação da CBF (de modo amplo e com abrangência sobre todos os órgãos ou estruturas de poder), no âmbito da proposta que vem sendo apresentada nesta série de artigos (envolvendo, pois, sua mutualização, desmutualização e abertura de capital), teria um papel relevante em sua transformação, estabilização e projeção planetária. Em primeiro lugar, com relação à estrutura de capital e às consequentes restrições à apropriação societária por uma ou outra pessoa, mediante, como já se aventou, a oferta de ações a pessoas integrantes de programas de sócios torcedores ou assinantes, apenas como exemplo, de planos de transmissão de jogos de campeonatos disputados no Brasil. Além disso, por meio da imposição de limite de votos por acionista, independentemente do número de ações de que seja titular. E, ainda, a eventual fixação de número máximo de ações por acionista. Em segundo lugar, mas não menos importante, com relação à estrutura interna, mediante a arquitetura de órgãos de administração, consubstanciados em conselho de administração (com ou sem membros independentes), comitês executivos (ou de aconselhamento) do conselho de administração, diretoria (e gerências, inclusive regionais), área de relações com investidores, canais de transparência, comitês temáticos, auditores independentes e conselho fiscal, que reflitam, basicamente, os seguintes aspectos (ou interesses) fundamentais: (i) o desenvolvimento do futebol no Brasil; (ii) o desenvolvimento da seleção brasileira - que, conforme se depreende da realidade atual, está descasado do futebol no Brasil, pois a grande maioria dos atletas selecionados sai cedo do país, é formada fora e "importada" apenas para satisfazer os desejos da CBF (de modo que, em tese, para ela, a própria existência atual de campeonatos profissionais seria desnecessária, desde que brasileiros em fase de formação continuassem a ser exportados para alimentar times europeus); (iii) o desenvolvimento regional por via das federações, que passariam a ter um papel desenvolvimentista inequívoco e atrelado a um projeto nacional; (iv) o desenvolvimento do futebol brasileiro no exterior; (v) a utilização do futebol como instrumento de incentivo à educação formal e à inserção social das pessoas integrantes do sistema; (vi) a afirmação do futebol brasileiro como instrumento de divulgação e de softpower; (vii) a afirmação da atividade como setor prioritário, empregador e distribuidor de renda; e   (viii) o interesse nacional (assim como Hollywood, NBA, K-Pop ou Bollywood exercem em relação aos seus países). No âmbito conceptivo da arquitetura do projeto, para posterior edificação da estrutura, e adequada distribuição de atividades e prioridades, a própria função da CBF e de suas atuações seriam revisadas e ressignificadas, considerando-se dois eixos principais: separação de atividades profissionais e essenciais de outras, auxiliares ou complementares; e atribuições e separações envolvendo interesses da seleção brasileira e interesses dos times de futebol. O tratamento desses dois eixos será objeto do texto da próxima semana.
Os três textos publicados nas semanas anteriores apresentaram, de maneira resumida, os passos sugeridos para implementação de um grandioso projeto de CBF, consistentes, cronologicamente, na sua mutualização, desmutualização e abertura de capital. Os gráficos abaixo indicam a situação atual e os efeitos de cada passo: Além de tais passos, há uma série de aspectos, apresentados no último parágrafo do texto da semana anterior, que devem ser apreciados antes e durante o processo, em especial para que o resultado beneficie a própria CBF, os times, os jogadores, os torcedores, as federações e a sociedade em geral - de modo a evitar a apropriação, por poucos e pequenos grupos de interesse, da riqueza que se produzirá. A mutualização, como explicado em texto anterior, implica a atribuição de títulos patrimoniais, hoje inexistentes, aos clubes ou sociedades anônimas do futebol (e federações). Promove-se, com ela, uma (quase) alquimia jurídico-econômica (expressão inexistente e atécnica), pois se cria, do nada, um patrimônio distribuível e protegido juridicamente, com valor estimável e realizável, em favor dos times e federações. Além - e isso é muito importante - do ingresso de recursos na própria CBF, que poderá utilizá-los para: (i) reforçar o investimento na seleção e na sua expansão como softpower; e (ii) passar a ser uma legítima distribuidora de novos recursos à sociedade, provenientes da geração de lucros da sua atividade. Daí a importância, em primeiro lugar, de fixação de critérios democráticos de atribuição de títulos patrimoniais aos clubes, para que não se promova uma concentração ou um reforço da elitização do futebol no Brasil. Não se propõe, de modo inverso, que clubes sem tradição histórica e com pouca perspectiva de contribuição social e econômica sejam contemplados de modo desarrazoado; apenas se sugere o encontro de fórmulas sensatas e contributivas para a higidez do sistema. Critérios como tamanho de torcida, títulos internacionais, títulos nacionais e outros podem ser levados em conta, dentre, por exemplo, os times que participem ou tenham participado das séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro ou da Copa do Brasil, no ano da própria atribuição dos títulos patrimoniais e nos últimos 5 anos. Ademais, levando-se em conta que a implementação do projeto depende de atuação estatal, em sua função legisladora (algo que não se revela uma novidade ou exotismo brasileiro pois, em todos os países que avançaram em seus modelos de organização do futebol, como Alemanha, França e Espanha, o Estado cumpriu inevitável e legítimo papel de fixador da moldura jurídica essencial à segurança dos agentes e do sistema), certas contrapartidas podem (ou devem) ser arquitetadas. Uma delas envolve a utilização de parte dos recursos futuros, oriundos da venda de ações da CBF, para eliminação parcial, e com desconto, de obrigações tributárias, e alocação de outra parte na melhoria das estruturas de formação de jovens jogadores. Na outra ponta, relativa à estrutura societária da CBF, após sua abertura de capital, alguns aspectos também devem ser considerados. Primeiro, eventual incentivo para retenção e liberação parcial de venda de ações, para evitar movimentos imediatistas e prejudiciais aos times, sem que, com isso, se impeça a obtenção de liquidez imediata. Segundo, no âmbito da subscrição primária, ou seja, na aquisição, por terceiros, de ações da CBF, a escolha de critérios de preferência aquisitiva das ações, que seria atribuída, por exemplo, aos próprios times que pretendam comprar mais ações, a torcedores inscritos em planos de sócio torcedor dos times beneficiários e a cidadãos brasileiros. Terceiro, determinação de limite máximo de ações por acionista, incluindo os times e demais ofertados preferenciais, para evitar concentração de poder ou exercício de controle indesejado. Quarto, obrigatoriedade de revelação do nome do beneficiário final da titularidade de ações de emissão da CBF que superem determinado percentual do capital social da entidade, quando o proprietário for pessoa jurídica, local ou internacional (e, neste caso, obrigatoriedade de indicação de procurador local, com amplos poderes, inclusive de representação). E, quinto, instituição de critérios de vetos quanto à aprovação de matérias que impliquem interesse nacional, cultural ou de outras naturezas, que podem ser exercidos por entidades ou grupos de acionistas (inclusive uma CBF associativa, acionista da CBF S.A., sobre a qual, aliás, se discorrerá em texto específico). Essa estrutura haveria de ser estabilizada por meio da arquitetura de um modelo próprio de governação, que será objeto do próximo texto desta série.
quarta-feira, 6 de março de 2024

Um projeto grandioso para CBF - Parte III

Na parte final do texto publicado semana passada neste espaço, afirmou-se, de modo resumido, que uma das belezas da mutualização consistiria na atribuição de títulos patrimoniais da CBF aos clubes e federações. Em decorrência dela, os beneficiários incorporariam aos seus patrimônios ativos valiosíssimos que, atualmente, não existem. Os efeitos parecem, a esta altura, evidentes. Dentre eles, a criação, do "nada", de um conjunto patrimonial bilionário - sem exagero -, representativo do valor extrínseco da CBF, distribuível entre (i) os clubes, que o utilizariam para reduzir passivos, inclusive com o fisco, e para desenvolver a atividade futebolística no país, e (ii) as federações, que deveriam, no plano regional, promover tal desenvolvimento.   Paralelamente, a CBF também se capitalizaria ainda mais, com o ingresso de recursos primários, e se beneficiaria de uma estrutura de governança poderosa, de modo a liderar um movimento pioneiro no plano global. Antes de tudo isso, um derradeiro passo haveria de ser dado: a desmutualização da própria CBF. Explica-se. A criação de títulos patrimoniais e a sua consequente atribuição aos clubes e federações, apesar de aumentar o patrimônio de cada entidade, não viabilizariam a circulação, dos títulos recebidos, dentro ou fora do sistema do futebol. Eles permaneceriam enclausurados nos balanços contábeis, sem consequências econômicas. Dentre outros motivos, porque associações civis, sem fins econômicos, como a CBF, não podem distribuir excedentes (lucros) aos seus associados; e seus títulos não são negociáveis (sob regras atrativas aos proprietários e, ao mesmo tempo, aos possíveis adquirentes). Deve-se, pois, inicialmente, conferir a esses títulos uma nova feição (ou natureza) jurídica. Mas não basta que os títulos da associação sejam submetidos a um processo transformacional; antes, a própria entidade deve se transformar também para, a partir daí, viabilizar a conversão daqueles títulos em ações (que seriam, as ações, pois, a nova expressão jurídica dos títulos associativos). A ideia não é nova e encontra precedentes bem-sucedidos na história recente: as desmutualizações da Bolsa de Valores de São Paulo e da Bolsa de Mercadorias & Futuros. Ali se viabilizou, em ambos os casos, a passagem do modelo associativo ao societário, com o surgimento de novas companhias, cujos capitais passaram a ser divididos em ações, distribuídas entre seus antigos mutualistas, que se converteram, portanto, em (felizes e milionários) acionistas. Na sequência, as novas companhias promoveram seus próprios registros de emissoras de valores mobiliários e, por fim, os registros de ofertas públicas de distribuição de ações, para viabilização da abertura de seus capitais. Com isso, aquele patrimônio, antes ilíquido e pouco valorizado, carregado ao longo de anos ou décadas pelas corretoras associadas à bolsa, encontrou, no mercado, uma liquidez sem precedentes, e facultou a cada um de seus proprietários a oportunidade de realizar vendas parciais ou totais de ações - e, em muitos casos, de embolsar dezenas ou centenas de milhões de reais. De volta ao mundo do futebol, a proposta que se reapresenta, nesta série de textos, tem o mesmo objetivo: a desmutualização da CBF implicaria a atribuição aos clubes e federações, como indicado acima, de determinadas quantidades de ações de emissão de uma companhia (a CBF) que, na origem, seria fechada. A companhia CBF, ato contínuo, promoveria sua abertura de capital e, neste momento, além de atrair novos recursos para si, mediante oferta primária, para aplicação no reforço e na afirmação da seleção brasileira, também viabilizaria a venda parcial ou total, pelos mencionados clubes e federações, de suas ações. A venda não seria - e jamais será - mandatória; a decisão de manter ou não para si o ativo obtido com o processo inicial de mutualização da CBF caberia a cada clube ou federação, em função de sua saúde financeira, de sua necessidade de obtenção de caixa para pagar dívidas ou de investir na atividade futebolística, bem como de sua percepção de valorização das ações no tempo, atrelada ao resultado futuro da seleção brasileira. Está-se, assim, diante de uma oportunidade histórica. Desde o advento da Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), o Brasil vem atraindo a atenção de investidores locais e internacionais, dos mais distintos perfis. Não à toa a integração ao sistema, em pouco mais de dois anos e meio, de aproximadamente 60 sociedades anônimas do futebol. Ademais, o futebol brasileiro, a despeito do permanente esforço realizado por certa casta cartolarial para destruí-lo - como atividade relevante, como orgulho nacional e como softpower internacional -, ainda é o maior vencedor de copas e o único, no planeta, que reúne atributos que o viabilizariam como sistema autossuficiente. A autossuficiência - no sentido de que, em tese, não depende de elementos exógenos para sobreviver e competir em alto nível, ao contrário dos pares europeus, que se afirmam, apenas, com a importação obsessiva de jogadores trans e multinacionais - se afirmaria e intensificaria com as cachoeiras de recursos que jorrariam, para os clubes, federações e à própria CBF, do processo de mutualização, desmutualização e abertura de capital da CBF.   Um processo inovador e único, sem precedente, com potencial de atrair agentes de todo o planeta. Com uma precificação também única, pois se trata de uma entidade, mais uma vez, única, pois responsável pela seleção brasileira. E que movimentaria uma quantidade também única de recursos, para formação, nada mais, nada menos, do que o maior ambiente futebolístico jamais visto ou concebido na história mundial. Pontos de atenção, porém, devem ser seriamente considerados, durante e após o processo, como (i) a distribuição de riquezas de modo equilibrado (não entre cartolas, evidentemente, e sim entre a própria CBF, clubes e federações, as quais podem, aliás, replicar o modelo, mediante, por exemplo, a mutualização, a desmutualização e a abertura de capital da Federação Paulista de Futebol), (ii) a estrutura de poder resultante e seus instrumentos de pesos e contrapesos e, naturalmente, (iii) a governação da CBF. Sobre esses temas se tratará no próximo texto da série.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Um projeto grandioso para CBF - Parte II

Na parte final do texto publicado semana passada neste espaço, afirmou-se que a Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), pavimentou o caminho para um (monumental) projeto de CBF, que envolve sua mutualização e consequente desmutualização.  Essa ideia já fora apresentada no livro Futebol, Mercado e Estado1 e, posteriormente, em uma série de textos igualmente veiculados nesta coluna. Apesar se não se tratar, portanto, de uma novidade, a ideia ficou adormecida, desde o início dos debates relacionados à SAF e ao novo mercado do futebol. O resgate se justifica, agora, por dois motivos principais. Primeiro, porque seria - ou, melhor, é - o melhor caminho para solucionar, em grandíssimo estilo (e no interesse coletivo), a crise estrutural que abalou o futebol brasileiro (a qual, importante repisar, não foi causada pelo atual Presidente Ednaldo Rodrigues e da qual a entidade não sairá, sem sequelas indeléveis, enquanto mantido o secular modelo distributivo de poder). Segundo, porque viabilizaria o surgimento, quase como num toque de mágica, de patrimônio bilionário, a ser distribuído entre federações e times (clubes ou sociedades anônimas do futebol). Parte-se, para explicação do modelo, da seguinte premissa: os times não são associados, conforme conceito jurídico, da CBF. Em outras palavras, não são proprietários de títulos patrimoniais da entidade. A premissa foi extraída da análise de balanços e demonstrações financeiras disponibilizados na imprensa oficial por mais de uma dezena de associações ou sociedades anônimas do futebol. Por tal motivo (ou seja, a ausência de relação associativa ou de propriedade), a vinculação com a CBF se estabelece por força do estatuto da entidade, que atribui votos múltiplos aos times, conforme qualificação para participar da primeira ou da segunda divisão. Olhando-se pelo outro lado da mesma moeda, o time que não estiver qualificado não vota, de modo que o voto (precário) serve como uma espécie de prêmio político para os times que participarem das duas principais divisões do campeonato brasileiro de futebol. Inexiste, pois, um sistema de transferências patrimoniais entre os que sobem e os que descem de divisão, ou de suspensão de direito político e manutenção da propriedade, nas mesmas circunstâncias. Extrai-se, de tudo isso, que os times não são donos da CBF; são, talvez, usuários. Daí surge a inevitável pergunta: quem, sob o prisma jurídico, é o seu dono (ou quem são os seus donos)? A resposta intuitiva parece óbvia: as federações. Mas o estatuto da própria CBF e a falta de informação pública acerca do tema - ao menos que se tenha conseguido localizar em pesquisas independentes - não autorizam a defesa contundente da afirmação. Primeiro, porque o art. 15 prevê que são "filiadas da CBF as (...) entidades regionais de administração do futebol (...)"; logo, o emprego do verbo "filiar" afasta a noção de propriedade (ou associativa) que remeteria ao conceito de dono (ou dona), mesmo que em coletividade. Segundo, pela falta de evidência pública de que as federações são proprietárias de títulos da associação, assim como uma pessoa física é, por exemplo, do Paulistano, do Esperia ou do Pinheiros (também associações civis). A partir do cenário apresentado, o (grandioso) projeto consiste na atribuição e distribuição de títulos patrimoniais da CBF aos times, conforme critérios homogêneos e heterogêneos (dentre os primeiros, por exemplo, a distribuição de um número de títulos igual a todos; com relação aos outros, variações em função de aspectos como títulos nacionais, torcida, audiência etc.). O mesmo caminho se trilharia em relação às federações, que, proprietárias ou não, também seriam contempladas com a distribuição de títulos da entidade. Ao cabo das operações, terá se operado uma espécie de alquimia, pois entidades vinculadas, antes, apenas pelo êxito esportivo, ou desvinculadas pelo fracasso, mesmo que momentâneo, passarão a sustentar uma relação estável, ao menos no plano patrimonial, e terão a possibilidade de, em algum momento futuro, converter a propriedade adquirida em recursos financeiros para pagamento de dívidas ou para financiar a própria atividade futebolística. E, no caso das federações, de direcionar os recursos para desenvolvimento do futebol em âmbito regional. Essas são, de modo muito sucinto, as belezas da mutualização - que consiste, pois, na atribuição de títulos patrimoniais de uma associação (a CBF) aos clubes e federações. Como nem tudo são flores, a atribuição de títulos implicará um acréscimo de patrimônio que poderá, conforme natureza do time, atrair a incidência da norma tributária. Porém, dado que o time somente observará os efeitos econômicos do acréscimo após a desmutualização da CBF - tema, aliás, do próximo texto -, mas o peso tributário seria sentido logo na origem desse acréscimo patrimonial, a solução consistiria na promulgação de uma lei, de interesse nacional, voltada à regulação do tema, para permitir a geração, como demonstrado acima, de uma riqueza atualmente inexistente. O objetivo da lei consistiria no diferimento da obrigação tributária, isto é, do dever de recolher ao erário o tributo advindo do acréscimo patrimonial, deslocando esta obrigação para o momento da liquidação do título patrimonial recebido no âmbito da mutualização. A lei, aliás, não se dirigiria apenas à CBF - e nem poderia -, mas também às associações de administração em geral, que poderiam aproveitar a oportunidade e replicar o modelo regionalmente. Assim se operaria uma rara união público-privada para o desenvolvimento de ambiente gerador de riquezas e indutor de negócios que produzirão empregos, serviços, tributos e distribuição em larga escala. Na próxima semana serão abordadas a desmutualização e suas consequências. __________ 1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. - São Paulo, Quartier Latin, 2016.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Um projeto grandioso para CBF - Parte I

Futebol é coisa séria. Uma atividade global. Aliás, a maior atividade de entretenimento do planeta. Em países como o Brasil, a única (ou uma das únicas) com potencial de induzir a refundação das bases da sociedade e de viabilizar a ascensão e a inserção das camadas populacionais menos favorecidas. Paradoxalmente, governos não ligam para o futebol. Ou melhor, se preocupam apenas com movimentações populistas, em favor de governantes que se aproveitam do esporte para projetos políticos ou pessoais, ou de cartolas alinhados a interesses eleitorais. Daí o surgimento da nociva proposição, repetida por gerações, de que o futebol é a coisa mais importante das menos importantes. Proposição essa que serve apenas como espécie de opioide, turvador da percepção coletiva a respeito da grandeza, da utilidade e da relevância do futebol. A turvação se expande para temas que envolvem a CBF e atinge níveis de cegueira sempre que a ideologia e o oportunismo se manifestam. É o que vem ocorrendo, com recorrente frequência, desde a emersão da crise política que se evidenciou com o afastamento e o retorno do atual Presidente, Ednaldo Rodrigues, e, simultaneamente, com os péssimos resultados em campo das seleções principais e de base. Ali, o problema não é de conjuntura ou tem nome e sobrenome. A origem é estrutural. Para curá-la não adianta a prescrição de remédios paliativos, redutores de efeitos. A solução envolve, pois, a compreensão das causas e a reformulação dos propósitos existenciais da entidade e de seu papel na sociedade brasileira. São esses os enigmas que governos e entes privados não quiseram, por diversos motivos, desvendar. A CBF é uma associação civil, sem fins econômicos - isto é, seus excedentes não podem ser distribuídos na forma de dividendos aos seus associados -, que organiza, de modo resumido, a seleção brasileira e as disputas nacionais entre times. Seu colégio eleitoral atual abrange as federações estaduais, com votos múltiplos, e os clubes de primeira e de segunda divisões, com votos múltiplos reduzidos e singulares. Os votos de cada federação são inabaláveis e têm peso 3, enquanto os dos clubes se atrelam aos resultados esportivos: voto de clube da primeira divisão tem peso 2 e, de segunda divisão, peso 1. Compõem o quadro associativo da CBF 27 federações, que somam 81 votos. Paralelamente, os 40 times, de ambas as divisões, computam 60 votos. Nessa construção estatutária, a Federação Tocantinense (ou de qualquer outro Estado) pesa, vale ou manda mais do que o time do Flamengo (ou qualquer outro clube ou SAF da primeira divisão). Por se tratar de entidade privada, ela escapa ao controle de órgãos estatais ou privados externos. Todo o controle de fato se opera no âmbito estatutário, e se realiza por órgãos internos, controlados ou embrenhados na estrutura de poder e de interesses federativos e confederativos. O poder emana, formalmente, e se estabiliza no âmbito das federações - mesmo que, do ponto de vista material, possa ser manipulado por um ou outro agente integrante de órgão diretivo, ou não (um presidente, um ex-presidente ou um consultor, por exemplo).  Essa estrutura provou seu esgotamento. E os resultados, em qualquer plano (político, esportivo etc.), atestam a afirmação. As seleções brasileiras deixaram de impor reverência aos seus adversários e colecionam, há mais de uma década, vexames; e os principais times locais, apesar da paixão de seus torcedores, não rivalizam com os pares europeus (que deixaram de ser pares e assumiram posições superiores). Sob outro prisma, a CBF chama mais atenção por conta de mazelas internas, envolvendo corrupção, conflitos de interesse, golpes e contragolpes, do que pelo papel desenvolvimentista do esporte, que deveria desempenhar. O modelo associativo, com raízes federativas, não será capaz de recobrar a confiabilidade local e internacional, e recolocar o futebol no trilho do desenvolvimento e do protagonismo. Há, porém, caminhos grandiosos (para evitar a outra adjetivação que se preferiria utilizar, qual seja, "épicos"), que não apenas viabilizariam o redirecionamento histórico como, tão ou mais importante, contribuiriam para formação do maior ambiente (ou mercado) futebolístico do planeta. Curioso, novamente, que essa perspectiva não atraia o interesse do Estado. Não - e jamais - no papel de interventor, mas de regulador e fomentador de políticas públicas indutoras e viabilizadoras da transformação estrutural. Sem a sua contribuição (e atuação), o modelo patrimonialista continuará a se sobrepor aos interesses coletivos e da Nação, em favor, como sempre se operou, de um pequeno grupo de privilegiados. A Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) - a quem se deve atribuir os méritos da iniciativa transformadora, apesar das resistências que ainda hoje se articulam - anunciou um possível novo período de prosperidade no âmbito clubístico e, implicitamente, começou a pavimentar o caminho para um (monumental) projeto de CBF, que envolve sua mutualização e consequente desmutualização.  Algo que, se (e quando) realizado, não apenas gerará, quase como num toque de mágica, riquezas aos clubes e, para a própria CBF, uma estrutura de capital, de governança e de controle que a colocarão (pode-se apostar), de modo positivo e exemplar, no centro da atenção planetária. Sobre as belezas da mutualização e as consequências da desmutualização, e de como o público e o privado podem se unir para promover um magnífico projeto de interesse nacional, a próxima edição desta coluna tratará a respeito.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Qual é a melhor SAF?

Parte-se, na formulação deste texto, das premissas adotadas no artigo publicado semana passada nesta coluna a respeito do suposto melhor modelo de constituição de SAF. As premissas, se fossem verdadeiras, poderiam levar, num exercício de raciocínio lógico, ao ranqueamento das melhores sociedades anônimas do futebol. Surgiriam, assim como logo surgirão, ranques, positivos ou negativos, a apontar as melhores e as piores, sem levar em conta as raízes dos resultados esportivos, e que tendenciariam (como também tendenciarão) a construir artificialidades - algo que não impede o reconhecimento de projetos bem-sucedidos e, no limite, premiá-los. Em outras palavras, eventuais comparações entre, apenas como exemplos e sem promover qualquer juízo de valor, Galo e Vasco, Bahia e Coritiba, ou entre clubes mais próximos, como Cruzeiro e Galo, não se sustentam sem que os elementos objetivos de cada um sejam neutralizados ou equiparados, hipóteses que, em si, artificializariam o próprio resultado. Ainda mais imprudente se revelam - ou se revelaram - as tentativas de imputação de fracassos às sociedades anônimas do futebol, durante o ano de 2023, com a criação de um certo ranking invertido e negativado. Além do pouquíssimo tempo de existência, que afeta a capacidade de reorganização e estruturação, não se pode desconsiderar a situação pretérita de cada clube e as evoluções promovidas a partir da introdução do modelo de SAF. Alguns exemplos ilustram a proposição. Determinado e respeitadíssimo jornalista afirmou, na véspera da primeira aparição do Botafogo no campeonato brasileiro de 2023, contra o São Paulo, que ali se faria um jogo de 6 pontos - ou algo assim -, pois ambos lutariam na tabela de baixo, eventualmente contra o fantasma do rebaixamento. Ali, no início de 2023, se iniciava o primeiro ano completo e minimante estruturado da SAF constituída por investidor internacional do Botafogo. A descrença ainda se sobrepunha à (boa) esperança. Se o time tivesse feito uma campanha com vitórias e derrotas, com altos e baixos, e chegado, ao final, na sexta posição, com uma vaga de acesso à Copa Libertadores, teria sido aplaudido e os resultados do novo modelo, justamente enaltecidos. Como, porém, o time foi de uma campanha triunfal, no primeiro turno, às trevas, no segundo, o reconhecimento do trabalho em curso se perdeu na estupefação coletiva. Mesmo raciocínio vale para o Cruzeiro, pioneiro no mercado da SAF e, daí, desbravador, com acertos e erros, dos caminhos trilhados, depois, por outros clubes. Seu CEO, Gabriel Lima, afirmou, em 2022, logo após a ascensão à série A, que o objetivo, em 2023, seria manter-se nela - logo, neste ano, ainda não haveria pretensão a título. Com o objetivo alcançado, o time poderia, a partir de 2024, acessar mais recursos e, num futuro próximo, conforme planejamentos qualificados, almejar novas conquistas. Ele conhecia o ambiente de putrefação assumido por Ronaldo Nazário, o salvador, e a complexidade dos desafios que enfrentariam. O Cruzeiro lutou, parte do ano, contra o rebaixamento, mas, ao final, não apenas se manteve na elite como se classificou para a Sul-Americana. A SAF foi bem em sua primeira temporada na série A? Comparando-a com os anos de glória e de conquistas nacionais e internacionais (que, paradoxalmente, foram responsáveis pela decadência futura), não; por outro lado, levando-se em conta a realidade por ocasião de constituição da SAF e de início do projeto de reconstrução, em que o clube não apenas não encontrava forças para subir para a série A como namorava a série C, sim, foi maravilhosamente bem - ainda mais pela implementação dos alicerces da nova estrutura. O Bahia também foi objeto de incompreensão durante o ano de 2023, no tocante aos propósitos de seu investidor, o poderoso e vitorioso Grupo City, e, assim, suas qualidades colocadas em dúvida. Devia estar evidente, porém, que a pressa não era o combustível do investimento. Primeiro, se viveria um período de compreensão da realidade local, das pessoas, do futebol no Brasil e das perspectivas que se abririam com ações mais estruturadas, após a obtenção de alguma experiência e conhecimento do ambiente; depois, se passaria à construção de uma nova fase na história do time. É verdade que os planos quase se retardaram por conta do rebaixamento evitado na última rodada, mas isso não impediria, com talvez um ano de atraso, que movimentos ambiciosos se iniciassem, adiante. Também é verdade que, aparentemente, o Bahia não receberá investimentos para que se insira, de modo estável e permanente, entre os quatro do Brasil - ou será que, com o tempo, a ambição mudará e o objetivo passará a ser, sim, como o Manchester City, o protagonismo nacional e internacional, ao menos latino-americano? Ao que tudo indica, terá recursos e estrutura para, no médio prazo, se fixar entre as principais forças nacionais, com protagonismo regional. Seria (ou será) isso pouca coisa para um time que, historicamente, com poucos anos de exceção, luta para, prioritariamente, manter-se na série A?   Ou ainda o caso do Galo, que não ganhava um campeonato brasileiro desde 1971 e, ainda sob a forma de associação, porém, com recursos externos que se introduziram e permaneceram com a constituição da SAF, voltou ao topo, e, com ela e apenas com ela, deverá estabilizar uma situação que poderia ter desandado e se aproximado do pesadelo cruzeirense. Aliás, mais: que passou, a SAF do Galo, a oferecer aos seus torcedores a perspectiva anual e real de títulos relevantes, nacionais ou internacionais. Qual delas seria, pois, a melhor SAF? A pergunta, que se repete aos quatro cantos, não tem utilidade prática, exceto para preencher rankings ou criar artificialidades, como afirmado acima. Será melhor ou serão melhores as sociedades anônimas do futebol que, no curto e longo prazos, alcançarem os objetivos esportivos e econômicos traçados no âmbito de suas concepções, que poderão (ou deverão) ainda ser ajustados em função das realidades positivas ou negativas que se apresentarem ao longo da jornada.
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Qual é o melhor modelo de SAF?

A sociedade contemporânea adora criar sistemas avaliativos, na maioria das vezes envoltos em critérios subjetivos de premiação, que se retroalimentam e, ao mesmo tempo, estabelecem padrões de referência, de conduta e de consumo. Cientistas, jornalistas, matemáticos, médicos, advogados, pacifistas e - não poderiam ficar de fora - futebolistas competem, com regularidade, por prêmios e láureas. Tal adoração - ou alucinação - provocou, ao final de 2023, uma série de ensaios relacionados às sociedades anônimas do futebol ou aos seus modelos, influenciados pelos momentos vividos por cada uma delas. Tentava-se, com frequência, indicar a melhor e, naquele momento, a pior SAF. De modo geral, não se promoveu um necessário exercício metodológico para segregar argumentos inconciliáveis (mesmo que, em algum plano subjetivo, eles possam ser interseccionados): a SAF em si (e seus resultados em campo) e o respectivo modelo adotado para passagem do sistema associativo ao empresarial (sob a forma de SAF). Sobre a melhor (ou a pior) SAF, tratar-se-á em outro texto. Neste, o foco será a modelagem. A Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), foi concebida com a expectativa de oferecer meios jurídicos de enfrentamento de um problema estrutural secular, que ainda obstaculiza a introdução (e aceitação) do futebol como atividade essencial ao desenvolvimento social e econômico da nação. Olhando-se para o outro lado da mesma moeda, o futebol não tem o reconhecimento político e a participação na economia que lhe emprestem a devida relevância; talvez pelo fato de, historicamente, acumular dívidas que são pagas indiretamente pela sociedade, além de outros fatores maculadores, como falta de transparência, controle e casos de corrupção. Esse conjunto de coisas não representava o único desafio por ocasião da formulação da Lei da SAF. Outro, igualmente grandioso, e exclusivo do Brasil, apresentava-se e dificultava a realização de estudos comparativos: a quantidade de clubes em atuação, registrados na CBF, espalhados por todas as regiões e com as mais distintas situações e condições patrimoniais e financeiras. Mesmo assim, foram estabelecidas as seguintes premissas norteadoras do processo: a lei introdutora da SAF não poderia privilegiar um ou poucos times, grupos de times, estados ou regiões. Ela deveria ser elástica o suficiente, e ao mesmo tempo confiável em sua estrutura, para viabilizar de pequenos a grandes negócios e investimentos, direcionados a toda sorte de clube. Nascia, com o advento da Lei da SAF, um instrumento, de natureza legislativa, que, pela primeira vez na história, sinalizava uma política pública voltada ao financiamento da atividade futebolística e, principalmente, para formação do mercado do futebol, sem privilégios a qualquer grupo de interesses (ou de poder). Nesse ambiente, cujo arcabouço regulatório ainda está em construção - afinal, a própria Lei da SAF ainda se encontra em processo de acomodação e compreensão -, negócios começaram a ser entabulados e, a partir deles, uma nova e salvadora perspectiva se abriu, com resultados imediatos. Paradoxalmente, o imediatismo, sobretudo analítico, turva, porém, a compreensão da realidade, ou melhor, das realidades que induziram a realização de um ou outro negócio, e continuarão a embalar os projetos vindouros. Daí a impertinência comparativa entre modelos adotados para constituição de sociedades anônimas do futebol. É evidente que se pode, sobretudo a posteriori, analisar e apontar acertos e erros, cometidos em quase todo tipo de processo. Muitos deles, no tocante aos erros, decorrentes da urgência de uma solução imediatista ou, lá atrás, do desconhecimento da própria lei. E que foram eventualmente corrigidos. Tais elementos não se confundem, porém, com as características únicas de cada clube e de suas situações, motivadoras da adoção de modelagens próprias e, por essência, inaplicáveis, de modo integral, a concorrentes. Por isso que, como exemplos, Cruzeiro e Galo seguiram caminhos distintos, assim como Bahia e Fortaleza também adotaram vias muito particulares. E o mesmo vale para as outras dezenas de sociedades anônimas existentes no sistema, tais quais Coritiba, América/MG, Ferroviária, Botafogo, Vasco, América/RN e Gama. Tal diagnóstico autoriza a formulação de duas conclusões: (i) a Lei da SAF, em seus poucos anos de existência, já revela sua eficácia geral, abrangendo todo tipo de jurisdicionado, sem privilegiar maiores ou mais ricos - e, desta forma, incentiva a ascensão esportiva e a desconcentração de riquezas; e (ii) a tentativa de ranqueamento, a partir de modelos de passagem, ainda mais em tão curto prazo desde o início de operações de SAF, consiste em exercício estéril, sem utilidade prática, pois, para que tivesse alguma seriedade, haveria ao menos de equiparar os pontos de partida, que são (ou eram) as realidades de cada clube. Algo que, todos sabem, não há como se fazer. Portanto, cada time deverá seguir, sem complexos ou preconceitos, o seu caminho e, ao longo dele, corrigir os eventuais equívocos originais ou supervenientes, os quais, estes sim, merecem ser apontados e redirecionados.
A PEC 45, votada e aprovada pelo Congresso Nacional, promoverá drásticas mudanças no sistema tributário nacional. No âmbito de sua tramitação, foi proposta uma Emenda Aditiva pelo Senador da República, Carlos Portinho (PL/RJ), com o propósito de incluir as atividades desenvolvidas pela Sociedade Anônima do Futebol (SAF) dentre aquelas que poderão ser contempladas com regimes especiais de tributação, nos termos de lei complementar. De modo resumido, a emenda pretendia, como de fato logrou, garantir a manutenção e o desenvolvimento do novo mercado brasileiro do futebol, que começou a se formar a partir do advento da lei 14.193/2021 (Lei da SAF), de autoria do Senador da República e Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Com a criação do mercado brasileiro do futebol, o setor iniciou o processo de passagem do modelo associativo, notabilizado pela secular dependência de benefícios e perdões fiscais, para o modelo empresarial, necessariamente contribuinte e pagador de tributos. Daí a importância, ou melhor, a crucialidade da preservação da Lei da SAF, que já estimulou a constituição de 58 SAF's, espalhadas pelo país, e vem atraindo investidores locais ou internacionais, dos mais distintos perfis.   Aliás, não custa lembrar: é notório que, além dos atributos econômicos, o esporte é uma ferramenta valiosa para inclusão social e educacional, e para construção da cidadania. No caso do futebol, talvez seja o mais poderoso instrumento de inserção e de unificação. E isso somente se alcançará, com efetividade, se a lógica patrimonialista for substituída por outra, contributiva e participativa. Esse era o movimento que poderia ter sido interrompido caso a PEC 45 não tivesse sido sensível à relevância que o novo mercado do futebol já tem - e terá, de modo amplificado, no curto prazo. Lembre-se, a propósito: a despeito de o futebol ter se transformado na mais intensa atividade de entretenimento do planeta, operada de modo preponderante por sociedades empresárias, no Brasil ela persiste, em sua maioria, dominada pelo associativismo amador e deficiente sob a perspectiva tributária. Antes da Lei da SAF - e ao contrário de caminhos trilhados na Europa e nos Estados Unidos -, o sistema jurídico brasileiro não dispunha de instrumentos regulatórios, societários e tributários para permitir que os times de futebol, por exemplo, pagassem tributos de maneira ajustada e se organizassem do ponto de vista societário, de forma profissional. Ao contrário: o associativismo gerava - e ainda gera - um enorme passivo social e econômico, à conta do contribuinte e do erário. A Lei da SAF, que estabeleceu normas de governança, controle e transparência, e regulou meios de financiamento da atividade futebolística, também instituiu, em contrapartida ao modelo sugador e deficitário, um regime tributário específico e simplificado, com baixa complexidade e tendente a não gerar conflitos entre Fisco e Contribuinte (TEF). O TEF criou, com efeito, as condições para a transição de várias instituições, atualizando o sistema jurídico brasileiro com aquilo que já acontece no mundo e em sintonia com os valores de simplificação, neutralidade e eficiência que orientaram a reforma tributária como um todo. Nesse sentido, investidores que escolheram o Brasil em detrimento de muitos outros centros concorrentes espalhados pelo planeta acreditaram - e ainda acreditam - na segurança jurídica e na confiabilidade das instituições do país. Uma lei recém-criada, com o propósito de instituir um novo mercado, contributivo e participativo, não podia ser rápida e bruscamente transformada; pois, além de afetar projetos de investimento em curso, a mudança das regras do jogo ocasionaria a suspensão ou interrupção de projetos já existentes, alguns de grande porte, inclusive, os quais, em conjunto, implicariam - ou implicarão - mais arrecadação, criação de empregos, desenvolvimento e exposição internacional do país. Por todos esses motivos, o Congresso Nacional fez um golaço, um dos mais importantes da história legislativa em matéria esportiva, ao prever que lei complementar poderá estabelecer regime especial de tributação para atividades desenvolvidas por SAF - o qual, espera-se, seja o próprio TEF, adaptado para exclusão de tributos extintos pela PEC 45 e inclusão dos tributos substitutivos. Por fim, mas com igual relevância: a possibilidade de regime especial assegurado à SAF não gera renúncia de receita, complexidade ou aumento de alíquota. E isso ocorre por uma razão simples: a SAF é o meio para que os times de futebol paguem tributo. Sem ela, como já comentamos acima, o futebol seguiria no modelo tradicional, fora do mercado e sem recolher impostos e contribuições sociais, recebendo, de tempos em tempos, benesses do poder público em forma de anistias e remissões. Não é demais enfatizar: a possibilidade de regime especial para SAF prevista pela PEC 45 viabiliza, a um só tempo, preservação da segurança jurídica e recolhimento de tributo, sem aumento de complexidade ou da alíquota estimada para todos os demais contribuintes. No plano da Câmara dos Deputados, merecem destaque, pela inestimável contribuição ao desenvolvimento do mercado do futebol - e do país -, o Presidente Arthur Lira (PP/AL), o Relator Aguinaldo Ribeiro (PP/PB) e o Deputado Federal Hugo Leal (PSD/RJ). E, em especial, o Deputado Federal Fred Costa (Patriota/MG), que cumpriu uma missão realmente patriótica na defesa de uma atividade e de um regime especial que contribuirão para a transformação social do Brasil.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

O Mapa da SAF no Brasil

Recebi uma gentil mensagem da Liga Acadêmica de Direito Societário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ladsufrj). Com ela veio o resultado de pesquisa realizada até setembro de 2023, que chamarei de o "Mapa da SAF no Brasil". O time de pesquisadores analisou dados disponibilizados pela Receita Federal e pelas Juntas Comerciais, além de informações ou sítios eletrônicos de clubes e de sociedades anônimas do futebol, e, ao cabo, catalogou a constituição, até aquele mês (portanto, setembro de 2023), de 58 SAFs, sendo que: (i) 10 foram constituídas em 2021, 32 em 2022 e 16 em 2023; (ii) Quanto à região, 13 são localizadas no sul, 24 no sudeste, 9 no centro-oeste, 9 no nordeste e 3 no norte; (iii) Em relação aos Estados, 1 se encontra no Rio Grande do Sul, 4 em Santa Catarina, 8 no Paraná, 10 em São Paulo, 4 no Rio de Janeiro, 9 em Minas Gerais, 1 no Espírito Santo, 3 em Mato Grosso, 2 no Distrito Federal, 4 em Goiás, 3 na Bahia, 1 em Pernambuco, 2 no Ceará, 2 no Rio Grande do Norte, 1 na Paraíba, 1 no Amazonas, 1 em Roraima e 1 no Acre; (iv) No momento da fotografia da pesquisa, 7 participavam da série A1, 1 da série B2, 3 da série C3 e 5 da série D4; as demais não estavam qualificadas para participação no campeonato brasileiro, em qualquer de suas séries - mas poderiam estar habilitadas à participação nas principais divisões estaduais. Os dados sugerem algumas reflexões. O Relatório de Gestão de 2022 da CBF indicava a existência de 850 clubes profissionais registrados (além de 426 clubes amadores). A Lei da SAF, que ainda não completou seu terceiro ano de existência, já totaliza, portanto, um número significativo, no universo de entidades esportivas dedicadas à prática do futebol. A SAF, assim, já é um fato, um dado da realidade, produzido pela engenhosidade legislativa. Outro aspecto relevante - e marcante - da pesquisa envolve um dos poucos argumentos utilizados por agentes que se posicionaram de modo contrário à SAF, por ocasião dos debates que antecederam a aprovação da Lei da SAF. Especulava-se à época - ao contrário do que defendiam os coidealizadores e os autores da Lei, em especial o Senador da República Rodrigo Pacheco (PSD/MG) - que ela seria composta por um complexo sistema de governação, arquitetado para viabilizar apenas as movimentações dos grandes clubes. Os dados demonstram, ao contrário - e na linha de sustentação dos defensores do projeto -, que a Lei da SAF não privilegia tamanho ou poder. Trata-se de via societária idealizada para atender qualquer jurisdicionado, com exposição nacional ou regional, por decorrência de sua arquitetura legislativa. Serve, pois, ao grande time de massa, como o Atlético Mineiro ou o Vasco da Gama, ou ao time regional, a exemplo do América Futebol Clube SAF (do Rio Grande do Norte), ou a Ferroviária SAF (do interior de São Paulo). Em outras palavras, promove-se a igualdade perante a lei; ou seja, todos os clubes dela podem se servir, sem que uns se revelem mais iguais do que os outros. Também se pode extrair do conjunto informacional que os propósitos constitutivos não são homogêneos. A SAF pode ser constituída para: (i) viabilizar a passagem de time existente do modelo associativo ao modelo empresarial; (ii) formação de novo time, que se aventurará pela periferia esportiva com a intenção de escalar séries ao longo do tempo; (iii) viabilizar a formação e negociação de jogadores; ou (iv) para acomodar interesses de agentes, proibidos de deter direitos de jogadores, e, assim, legitimar suas atuações profissionais. Sem fazer qualquer juízo de valor, a Lei da SAF desperta, como se depreende das informações colecionadas, uma gama de oportunidades, outrora inexistentes, com impactos em diversos setores sociais e econômicos. A propósito, levando-se em conta apenas os times que participaram da Série A em 2023, dois deles, não catalogados na pesquisa, constituíram suas SAFs após o encerramento do Mapa da SAF no Brasil: Atlético Mineiro e Fortaleza. Com eles, o número passa de 7 para 9, de um total de 20 (ou seja, 45%). Simboliza, pois, a eficácia da Lei da SAF e, mais importante, a constatação de que a atuação do Estado, por via legislativa, foi decisiva para que o mercado em geral e os clubes de futebol percebessem o esforço de construção de um ambiente juridicamente seguro. O Brasil caminha para construção do maior mercado do planeta - sim, muita gente dirá que se trata de uma afirmação quixotesca, assim como, anos atrás, também se dizia que o projeto de lei da SAF era um devaneio inatingível. O Mapa da SAF no Brasil, obra da Ladsufrj, estimula mais esse sonho audacioso: afinal, enxerga-se, por enquanto, a ponta do iceberg (consubstanciada em 58 SAFs, constituídas em aproximadamente 30 meses), que se revelará monumental com o iminente ingresso no sistema de outros times populares e, não menos relevante, com a introdução das SAFs no mercado de capitais, que vem sendo responsavelmente regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). __________ 1 Esporte Clube Bahia S.A.F, Cuiabá Esporte Clube - Sociedade Anônima do Futebol, Cruzeiro Esporte Clube - Sociedade Anônima do Futebol, América Futebol Clube - Sociedade Anônima do Futebol, Coritiba Sociedade Anônima do Futebol, S.A.F. Botafogo e Vasco da Gama Sociedade Anônima do Futebol. 2 Atlético Goianiense - Sociedade Anônima do Futebol. 3 Figueirense Futebol Clube S.A.F, América Futebol Clube SAF e São Bernardo Futebol Clube S.A.F. 4 A.C. Esportes S.A.F., Maringá Futebol Clube S.A.F., Clube Atlético Hermann Aichinger - S.A.F., Camboriú Futebol Clube S.A.F. e Ferroviária S.A.F.
Tratou-se nos dois últimos textos publicados nesta coluna (em 22/11/23 e 29/11/23, respectivamente) da (inacreditável) reação dos clubes argentinos à ideia de elaboração de uma lei que facultasse a passagem do modelo clubístico ao modelo empresarial, sob a forma de sociedade anônima especial (ou sociedade anônima do futebol). Como se sabe, a mencionada ideia não envolve uma formulação extravagante, pois estruturas análogas já foram implementadas, com variações locais, em países relevantes (como Espanha, Portugal e França - e, mais recentemente, o próprio Brasil); sem falar da Inglaterra, que sustenta há décadas um modelo aberto à captação de recursos e de investidores, locais ou internacionais. Portanto, o cartel de clubes argentinos, formado para afirmar ao mundo que não querem que o Estado formule uma lei que lhes dará a opção - repita-se: apenas a opção - de, se e quando cada clube quiser, estudar a situação e avaliar a pertinência de revisão do modelo associativo, não se justifica sob qualquer ângulo racional ou econômico. Porém, o que deveria ser entendido como uma patologia local, aparentemente extrapolou as fronteiras argentinas e contaminou o Paraguai. Lembre-se, a respeito deste país, que a Senadora Lilian Samaniego (Partido Colorado) apresentou ao Senado Federal, em 17 de outubro de 2023, projeto de sua autoria que cria a Sociedade Anônima do Futebol Paraguaio. A iniciativa surgiu em momento oportuno pois, apesar da tradição e da paixão que o povo paraguaio nutre pelo esporte, os resultados dos times locais não expressam suas capacidades (e possibilidades): o último título de Libertadores da América foi obtido em 2002, pelo Olimpia; e o tradicional Cerro Portenho, para listar mais um exemplo, jamais ganhou a competição.  A problemática se intensifica quando se avalia o mercado local: times endividadíssimos (fala-se, não oficialmente, que os dois maiores, Cerro Portenho e Olimpia, acumulam passivos com cifras individuais da ordem de 60 milhões de dólares); intervenções federativas (como ocorreu com o 12 de Outubro, recentemente1); venda forçada de ativos relevantes (o estádio do clube General Díaz, localizado em Luque, foi arrematado em 2022 pela Conmebol2); e inexistência de marco jurídico apto a atrair investidores e investimentos. Esse cenário deveria, ao menos em tese, estimular a receptividade do projeto da Senadora Lilian Samaniego, o qual, como já se afirmou nesta coluna, não obrigará ninguém a nada - mas poderá ser a salvação daqueles que se afogam em dívidas e não encontram, no sistema atual, uma via de saída ao afogamento. Lembre-se, aliás, que, no Brasil, a Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), cumpriu função semelhante: desde a sua promulgação, mais de cinquenta SAFs foram voluntariamente constituídas (por clubes de diferentes dimensões, como Botafogo, Cruzeiro, Atlético, Vasco, Bahia, América MG, Ferroviária e Coritiba); mas dezenas (ou melhor, centenas) de outros clubes (ainda) se mantiveram, também de modo voluntário, sob a forma de associação (tais como os quatro mais populares do país: Flamengo, Corinthians, São Paulo e Palmeiras). São tais perspectivas que, paradoxal e (assim, como na Argentina) inexplicavelmente, os clubes paraguaios parecem rejeitar. Com efeito, publicou-se um comunicado no dia 23 de novembro de 2023, subscrito pela Associação Paraguaia de Futebol e pelos presidentes dos 12 clubes da primeira divisão (além dos clubes que se qualificaram a participar dessa divisão a partir de 2024), no qual apontam que o projeto de lei "no refleja la realidad ni las necesidades del fútbol paraguayo". E afirmam, ao final, que: "La APF y los clubes no están ajenos a este tipo de iniciativa, pero coinciden en que deben conllevar um proceso que involucre a todos los niveles y estamentos de las instituciones futbolisticas del Paraguay, de modo a legislar en base a nuestra realidad social y desportiva". Curioso: por ocasião dos debates que antecederam a aprovação da Lei da SAF, as poucas vozes resistentes formularam argumentos muito parecidos aos que constam do mencionado comunicado, e que, no Brasil, se revelaram falaciosos pois em nenhum país do planeta uma iniciativa congressual gerou um resultado tão rápido e satisfatório, em benefício de times das mais diferentes regiões e estaturas (e o processo sistêmico está apenas em seu início).   Daí a precisa afirmação do respeitado jornalista paraguaio, Marcos Velázquez: "INSOLITO: Clubes en bancarrota o semiquebrados pronunciándose en contra de la posibilidad de obtener recursos para proyectarse institucional y deportivamente. El secuestro de los clubes a manos de dirigentes alquilados ...". À qual se acrescenta: sem a lei (com eventuais ajustes que o Congresso repute necessários, naturalmente), os times paraguaios e os seus jogadores continuarão a cumprir papeis secundários no plano sul-americano ou mundial. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui.
Afirmou-se, no texto publicado na coluna anterior (em 22/11/23), que a falaciosa aversão à privatização do futebol argentino - falaciosa porque todos os times locais são privados - dissimulava o esforço de manutenção do poder da classe cartolarial sobre a atividade futebolística daquele país. A dissimulação atingiu níveis teatrais com a publicação quase que simultânea de notas ou comunicados, em que dúzias de clubes exteriorizaram posições forradas de conceitos morais, em defesa do associativismo (o qual expressa o resultado de décadas de confusão entre interesses corporativistas e os propósitos futebolísticos). Mais: a teatralização foi amparada por parte da imprensa, que a empacotou (intencionalmente ou não) como uma reação às propostas liberais do então candidato e atual presidente eleito, Javier Milei. Formou-se, assim, uma falsa perspectiva de contraposição a certas posições políticas e econômicas do candidato. Nesse imbróglio, exsurge o ex-presidente do país, Mauricio Macri. Em entrevista a determinado programa esportivo, ele revelou sua indignação ao posicionamento coletivo e intransigente contrário a uma lei que irá (se, de fato, aprovada), simplesmente, oferecer uma possibilidade, a ser adotada ou não, por quem a quiser, mediante manifestação dos próprios associados. E aqui o objetivo dissimulado dos dirigentes locais vem à tona, de modo inafastável (e indefensável): com a negação de uma possível futura lei, eles afastam o direito dos associados de decidirem o destino do clube e do time. Desdizem, portanto, o que, de modo apenas aparente, pretendem afirmar.  Aí desvendam-se, pois, alguns dos temores do cartolariado: o risco de os torcedores, pela primeira vez na história, (i) depararem-se com instrumentos para avaliação do papel desempenhado, até aqui, pelos líderes clubísticos, e (ii) compreenderem que passará a existir uma alternativa ao próprio cartolariado, em caso de reprovação dos resultados apresentados por esta classe. Enquanto, porém, o sistema jurídico não oferecer uma via alternativa, o debate se manterá dentro de níveis e de rivalidades pessoais, a respeito - como também se vê no Brasil - de pseudo aspectos morais, éticos ou técnicos de pessoas específicas, em relação aos quais cartolas sabem transitar e se esquivar. Por tais motivos, nada, absolutamente nada justifica, na Argentina, no Paraguai ou em qualquer outro país, a cruzada clubística - que, na verdade, não é dos clubes e muito menos de torcedores, mas dos dirigentes que defendem seus próprios interesses - para que o respectivo Congresso se exima de legislar sobre a criação de meios voluntários para libertar o futebol sul-americano do aprisionamento estrutural. Libertação, no caso, não tem uma conotação ideologicamente liberal, como se pretendeu na Argentina, pela associação do tema a dois enérgicos defensores do (ultra) liberalismo econômico, Mauricio Macri e Javier Milei. Ao contrário: trata-se de esforço cívico para permitir o escrutínio, inédito, do legado e do trabalho atual dos autorreferenciados guardiões da história e da tradição. Aliás, séculos atrás, por motivação não necessariamente humanística, a escravidão passou a ser rejeitada por determinados países ou reinos, que se beneficiaram - e ainda se beneficiam - dela. Os senhores de escravos, financiadores (ou integrantes) de governos coloniais, resistiram até o limite de suas influências, fraquejadas pela influência de novos conceitos morais e pelos impactos econômicos da manutenção de interesses pessoais ou grupais. A comparação pode parecer desarrazoada - por envolver a própria raça humana -, mas não é: no plano do futebol, os mesmos colonizadores europeus e praticantes originários do jogo de bola experimentaram um processo transicional, do amadorismo - enraizado no associativismo - para o profissionalismo, que eliminou do processo a carga política e, sobretudo, a politicalha do sistema de governo, de gestão e de controle. Ou seja, as mesmas características que persistem na América do Sul. Por tais motivos, talvez se reconheça, no futuro, que o movimento iniciado no Brasil com o advento da Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que parece jogar luz sobre o modelo argentino (e, vale lembrar, sobre o paraguaio, também), simbolize um novo marco liberatório na região. Entretanto, a decisão a respeito do futuro grandioso ou arrastado, de um ou outro clube, e mais ainda, do próprio futebol argentino, não parece que deveria ser privilégio de (e privilegiar) um punhado de agentes conflitados e interessados no oligopólio gerencial esportivo. Esse é o debate que viabilizará o resgate da relevância dos times daquele país.
O direcionamento do debate a respeito do modelo de propriedade do futebol na Argentina é propositalmente tendencioso, e erraram até agora, voluntária ou involuntariamente, os agentes que tomaram partido sobre o tema. Pena que, mesmo enviesado, este debate tenha ressurgido no âmbito de campanhas tão polarizadas, à esquerda ou à direita. Daí a ausência de vozes que colocassem luz sobre a premissa, ou melhor, sobre o equívoco da premissa com base em que, também de modo equivocado, foram construídas posições a respeito da suposta privatização dos clubes argentinos. Pois também a suposta premissa, alardeada em títulos de matérias jornalísticas, além de falsa, contribuiu para formação de oposições ideologizadas e, não raro, irracionais. Javier Milei, durante a campanha para presidência do país, afirmou, em debate público, que os clubes argentinos deveriam seguir modelos bem-sucedidos de outros países para solucionar suas profundas crises esportivas e financeiras. Curioso: alguns dos países bem-sucedidos em suas políticas para o mercado do futebol são governados por partidos de esquerda (outros não, é verdade), que professam correntes abominadas pelo então candidato e, agora, presidente eleito.  A partir de sua fala começou a circular na imprensa chamadas de alerta para (e contra) a tal proposta privatizante. Veja-se o título da matéria da CNN: Boca Juniors, River Plate e clubes argentinos se unem contra privatização1. E da página 12: Privatización del fútbol: los clubes dejaron fuera de juego a Javier Milei - Amplio rechazo a la propuesta del libertario.2 Com efeito, em decorrência de movimento aparentemente orquestrado pelos próprios clubes, mais de uma vintena emitiu nota de repúdio, dentre eles Boca Juniors, River Plate, Racing e Independiente, que assim se posicionaram, respectivamente: "Fiel a sus orígenes, respetuoso de los claros principios defendidos durante casi 120 años, Boca Juniors ratifica su carácter de Asociación Civil sin fines de lucro y la premisa de que nuestro club es de su gente, socios y socias que lo vuelven cada día más grande." (Boca) "Siguiendo el espíritu de nuestros fundadores, rechazamos a las sociedades anónimas en el fútbol argentino, como ratificó nuestra Asamblea en 2016 al constituirse la Superliga. El Club Atlético River Plate es una Asociación Civil sin fines de lucro, y siempre será de sus socios y socias, que son el sustento de estos 122 años de Grandeza." (River) "Nadie nos tiene que explicar qué significan las SAD en un club de fútbol. Nuestros socios, socias e hinchas, quienes recuperaron la democracia para Racing, lo saben bien. Por pasado, presente y futuro, Racing Club ratifica su condición de asociación civil sin fines de lucro. Tal como está expresado en su Estatuto Social. ¡El club es de los socios y las socias!" (Racing) "La Comisión Directiva del Club Atlético Independiente está convencida de que nuestro Club tiene que seguir siendo una Asociación Civil Sin Fines de Lucro. Tal como indica nuestro estatuto, nunca resignaremos esta figura. El club es de los socios y las socias." (Independiente) A uniformidade das reações tem origem em um de dois dos seguintes fatores: ou foi construída para inserir os times e os seus respectivos torcedores na campanha presidencial em favor do candidato derrotado, Sergio Massa - algo pouco provável -, ou ela decorreu da afirmação histórica do corporativismo cartolarial argentino, que, de modo oportunista e conflitado, pretendia (e sempre pretenderá) preservar o poder esportivo e político que emana da dominação de clubes de futebol, a qualquer custo e à conta de todos. A concertação clubística, que poderia ser enquadrada eventualmente como uma espécie de cartel (sujeita, talvez, a procedimento investigatório de autoridades antitruste), aproveita-se do estado de terror provocado por ambos os candidatos, um em relação ao outro, para incutir no torcedor, já aterrorizado com a política, o terror também no plano do futebol. Essa proposição se confirma pela falaciosa premissa privatizante, apresentada ao público em geral: ora, para que algo se torne privado, pressupõe-se que justamente não seja, antes, privado. Pois, se assim o for, não se terá como, jurídica ou economicamente, privatizar. Colocando-se de outra maneira, os clubes de futebol não são autarquias ou empresas públicas, assim como não prestam serviços públicos que poderiam integrar um projeto governamental de desestatização. Eles já são, e isso os dirigentes que dominam o futebol sabem muito bem, entes privados. Mais (e pior): controlados (gerencialmente) por políticos clubistas que ostentam interesses extrafutebolísticos.    Assim como ocorre no Brasil, lá, na Argentina, também se constituem, no plano do direito, sob a forma de pessoas jurídicas de direito privado, sem qualquer atributo público, portanto. Algo que foi, aliás, afirmado de modo expresso pelos clubes em suas manifestações. Portanto, a (fantástica) união dos dirigentes argentinos, supostamente comprometidos com a defesa de um bem maior - a história e a tradição do futebol -, pretende, na verdade, dissimular, sem compactuar com a verossimilhança, a perpetuação de um projeto cartolarial erigido há décadas para dominação dos clubes (e, talvez, manipulação das massas), a exemplo do que se viu e ainda se vê em outros países sul-americanos. A tal aversão à privatização, estimulada midiaticamente, não passa, pois, de, a um só tempo, inverídica (pois privados os clubes já são) e fantasiosa narrativa (que poderia integrar as obras dos grandes autores do realismo-fantástico), arquitetada para preservação de interesses e poderes. _________ 1 https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/boca-juniors-river-plate-e-clubes-argentinos-se-unem-contra-privatizacao/ 2 https://www.pagina12.com.ar/615672-los-clubes-de-futbol-frenaron-la-pelota-y-dejaron-en-fuera-d
O texto publicado na coluna da semana passada alertava para determinados pontos da reforma tributária, em avanço no Senado Federal, que poderiam prejudicar o desenvolvimento econômico do futebol. Pelos motivos lá contidos, o texto propunha, ao final, a inserção do futebol dentre as atividades catalogadas no art. 156-A, parágrafo 6º, que se sujeitariam, com a reforma, a possíveis regimes específicos de tributação, estabelecidos por lei complementar. A proposta gerou interessantes reações, sobretudo de apreensão em relação ao futuro do incipiente - porém, já robusto - mercado do futebol, criado a partir do advento da lei 14.193/21 ("Lei da SAF"), de autoria do Senador da República e Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Lembre-se, aliás, que o Presidente Rodrigo Pacheco, ao assumir a presidência da Casa, pronunciou, em seu segundo ou terceiro discurso, que pretendia repassar e corrigir um equívoco histórico, consistente na falta de política pública voltada ao futebol. Ele tinha razão: apesar de seu monumental potencial econômico, social e educacional, o esporte era tratado pelo Estado - e pelos sucessivos governos - como prática diversionista ou de mero lazer; ou como a mais importante das coisas menos importantes. Associar o futebol apenas a uma prática esportiva - o que não seria pouco -, eventualmente diversionista ou alienante, e ainda pouco relevante, consistia em erro que fundamentava o seu aprisionamento secular em associações sem fins econômicos, sem que se oferecesse uma alternativa de solução à bilionária e crescente dívida dos clubes, construída, paradoxalmente, em ambiente de históricos favorecimentos tributários. Com o advento da Lei da SAF, a perspectiva começou a ser reformulada. Logo se percebeu que o país estava à procura de uma mina, a principal mina do entretenimento planetário, mirando-a lá longe, no horizonte, quando, na verdade, sentava-se sobre ela. Sim, se a Coréia do Sul foi capaz de transformar sua música, batizada de k-pop, cantada em idioma pouco (ou nada) falado fora de seu território, em fenômeno planetário, imagine-se o que pode ser feito com o futebol, maior manifestação de entretenimento do planeta, que congrega aproximadamente 5 bilhões de seguidores e se tornou, além de um fenômeno local, um produto globalizado? De cuja globalização o Brasil, maior produtor de jogadores (que respondem por cerca de 11% de todas as negociações globais) e maior ganhador de copas do mundo, passou, muito por conta de seu arcaico e insuficiente modelo legislativo, à função de mero exportador de meninos imberbes (ou de pé-de-obra) e à posição de importador de tecnologia. Mais: se a indústria norte-americana do cinema se transformou há décadas em uma embaixada cultural (ou foi forjada como tal), que penetra em residências de praticamente todos os países existentes, o futebol brasileiro deveria, reconhecida a sua dimensão, ser uma espécie de soft power internacional, a abrir oportunidades de geração e distribuição de riquezas entre suas gentes. Para tanto, faltava um marco legal viabilizador do encontro entre, de um lado, o proprietário do futebol - que não é o torcedor, como pretende, aí sim, de modo diversionista, o cartolismo clássico -, ou seja, o clube, e, de outro lado, o proprietário de capitais. O déficit no âmbito legislativo, algo raro no Brasil, impediu, pois, a atração de recursos, a realização de investimentos, maior geração de empregos e renda, a distribuição de riquezas, a formação de uma base de negócios sobre os quais deveria haver a incidência da norma tributária e, enfim, a criação de um ambiente pujante e sustentável. Em consequência, as entidades esportivas se tornaram obsoletas, em alguns casos inviáveis, e não puderam (ou quiseram) afastar o vício da dependência das leniências estatais para sobreviver. Daí, o resultado: além da baixa arrecadação, o fisco se tornou credor contumaz (e relevante) dos clubes, e o Estado não computava a atividade empresarial-futebolística em suas projeções orçamentárias. Em outras palavras, pelo lado da arrecadação, o futebol caminhava à margem da sociedade e, no plano das benesses, sempre fora um de seus principais beneficiários. Toda essa contradição, remanescente do patrimonialismo do século retrasado, começou a se dissipar com a Lei da SAF, que permitiu a passagem do modelo associativo ao empresarial, o qual é, por definição, contribuinte do erário. Dentre os instrumentos viabilizadores do novo modelo, criou-se um regime especial de tributação, consistente em solução, como já dito no texto da coluna anterior, (i) simplificadora para a apuração de tributos federais, (ii) que não gera discussão sobre crédito e (iii) que permite ao Estado estimular a transição das entidades beneficiadas com regimes de isenção para regimes de contribuição. Por todos esses motivos, a proposta de inserção de novo inciso no parágrafo 6º do art. 156-A, longe de um movimento de renúncia, revelava-se como uma ação voltada à manutenção da inclusão tributária e à perspectiva de aumento de arrecadação - em função da produção de riquezas. E tão ou mais importante: representativa de inequívoco sinal de confiabilidade institucional - e de que, enfim, o país passara a sustentar uma política pública (voltada e construída) para o futebol. Essa perspectiva foi condensada na Emenda 740, de autoria do Senador da República Carlos Portinho (PL/RJ) - que também foi o Relator no Senado Federal da Lei da SAF -, acatada pelo Relator da PEC 45/19, Senador da República Eduardo Braga (MDB/AM), conforme a seguinte redação: "§6º Lei Complementar poderá estabelecer regimes específicos de tributação para: (...) IV - serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e de turismo, bares e restaurantes, atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol e aviação regional, podendo prever hipóteses de alterações nas alíquotas, nas bases de cálculo e nas regras de creditamento, admitida a não aplicação do disposto no § 1º, V a VIII;". De modo que o Senado Federal - e, espera-se, o Congresso Nacional - manda uma mensagem de esperança aos aproximadamente 150 milhões de torcedores e ao próprio país.
A reforma tributária está avançando no Senado Federal. Há, contudo, pontos que podem prejudicar o desenvolvimento de setores inteiros da atividade econômica, como o futebol. Merecem destaque no que se refere às atividades desportivas, em geral, e ao futebol em particular: de um lado, o Congresso Nacional foi sensível ao assegurar considerável redução de alíquota do IBS e da CBS para atividades desportivas; de outro, porém, a PEC 45 não deixou espaço para manutenção integral do Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), que regula forma simplificada de incidência de tributos federais. Com a redação que está hoje, a PEC 45 projeta vertiginoso aumento de carga tributária para as sociedades anônimas do futebol, sem mencionar o crescimento da complexidade. No lugar de uma fórmula simples e bem-sucedida, surgirá uma verdadeira barreira tributária a impedir que o novíssimo e pujante mercado do futebol brasileiro siga o caminho virtuoso que se inaugurou desde a publicação da lei 14.193/2021, de autoria do Senador da República e Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Ficará demonstrado adiante porque é urgente e necessário mudar a redação da PEC 45/2019, para admitir regime próprio para as atividades desportivas. Com isso, o Congresso Nacional poderá evitar que a vitória de aprovar a Reforma Tributária signifique uma derrota para o futebol brasileiro e todo o mercado que está em plena formação. Por mais de um século, o futebol ficou refém do associativismo. Não apenas no Brasil, é verdade, como em praticamente todos os principais centros, inclusive os europeus. Mas o modelo de organização da atividade futebolística foi se transformando ao longo do tempo, em função de alguns motivos, como crises financeiras ou reputacionais. A partir do final do século passado e, em especial, do início do século XXI, também se entendeu que um time não teria condição de protagonizar em ambiente global e competitivo sem acessar vias de financiamento, privadas ou públicas. O Brasil tardou a compreender os novos direcionamentos e a promover uma transformação estrutural, por via legislativa. Tentativas ocorreram, mas fracassaram, por ocasião do advento das Leis Zico e Pelé. A retórica cartolarial, em ambas as iniciativas, venceram o interesse público e o da Nação. Assim, no plano organizacional, as mudanças tiveram como resultado (ou propósito) manter a estrutura como sempre fora. Por tais circunstâncias, ao final da década de 2020 os clubes brasileiros estavam - como ainda estão - atolados em dívidas bilionárias e se posicionavam como exportadores de "pé-de-obra". Foi nesse período e para resolver o problema endêmico do esporte no país que o Presidente Rodrigo Pacheco apresentou o Projeto de Lei 5.516/19 ("PL 5.516"), que tinha como propósito criar "o Sistema do Futebol Brasileiro, mediante tipificação da Sociedade Anônima do Futebol, [estabelecer] normas de governança, controle e transparência, [instituir] meios de financiamento da atividade futebolística e [prever] um sistema tributário transitório". O PL 5.516, relatado pelo Senador da República Carlos Portinho (PL/RJ), foi aprovado por unanimidade no Senado Federal e, na sequência, por larguíssima maioria - 427 votos a favor e apenas 7 contrários -, na Câmara dos Deputados. Encaminhado para sanção presidencial, foi objeto de alguns vetos, muitos deles derrubados, na sequência, pelo Congresso Nacional. Nascia, assim, a lei 14.193/2021, ou Lei da SAF. Dentre os dispositivos derrubados, destacava-se o TEF, que deixou de ser transitório e passou a ser permanente. No mérito, entendeu o Congresso Nacional, com razão, que a especificidade contribuiria para o surgimento de um novo mercado do futebol, até então inexistente, no âmbito do qual se realizariam negócios que jamais se aproximaram da atividade futebolística, e que pressupunham a passagem do modelo associativo (portanto, sugador do erário público) ao empresarial (por definição, contribuinte do mesmo erário). Para atrair o clube de futebol - constituído sob a forma de associação - ao modelo da SAF, estatuiu-se que o TEF implicaria "o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições, a serem apurados seguindo o regime de caixa: I - Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); II - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep); III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); IV - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e V - contribuições previstas nos incisos I, II e III do caput e no § 6º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991". A aposta deu certo: desde o advento da Lei, mais de 40 SAF's foram constituídas e quase uma nova dezena está em organização, de modo que deverão passar à condição de efetivas e permanentes contribuintes. Importante: no cálculo econômico realizado por investidores locais e internacionais para alocação de recursos em uma indústria incipiente (sob a ótica do próprio alocador de capital), teve relevo a existência do TEF, que viabiliza a recuperação de times tecnicamente insolventes e a assunção dos riscos envolvidos. Apesar dos resultados e das perspectivas que envolvem o mercado do futebol - inclusive arrecadatórias -, a proposta de reforma tributária poderá, paradoxalmente, inviabilizá-lo. Com o fim do PIS/PASEP e da COFINS, dois dos tributos que se inserem no TEF, e com a criação de outros dois - CBS e IBS -, que incidirão conforme novas lógicas, a carga tributária sobre a SAF a tornará inviável em comparação à situação dos clubes associativos, que vêm sendo historicamente subsidiados pelo Estado à conta da sociedade brasileira. Coloca-se em risco o magnífico avanço propiciado pela Lei da SAF e se estimula a manutenção do associativismo clássico do Século XIX como forma (quase) única de desenvolvimento da atividade do futebol - o qual, por gozar de imunidades e isenções históricas, continuará a atuar à conta dos empresários e dos trabalhadores do país. A reforma poderá, assim, inviabilizar a existência e o desenvolvimento dos negócios que começaram a surgir e que deverão se intensificar no ambiente do novo mercado do futebol, caso o regime atual da redação da PEC 45 se mantenha. Para que isso não ocorra, é necessário inserir o futebol entre as atividades econômicas que podem ter regime tributário próprio, regulado por lei complementar. O TEF é solução simplificadora que precisa ser renovada e está em sintonia com a reforma por várias razões: (i) É modelo simplificado para a apuração de tributos federais; não gera discussão sobre crédito; permite ao Estado estimular a transição das entidades que hoje têm benefício fiscal para outro modelo, de natureza diversa, que paga tributo no lugar de pedir isenções, parcelamentos e anistias. (ii) A só redução de alíquotas da CBS e do IBS, ao contrário do que possa parecer, não evita o intenso aumento da carga tributária gerado pelo abalo do TEF. Inviabiliza, desta forma, toda transformação do futebol brasileiro que acabamos de descrever. A solução para evitar o surgimento de uma barreira tributária para a SAF é muito simples. Basta ser coerente com a própria reforma e assegurar regime tributário próprio, com incidência a ser regulada por lei complementar, incluindo a possibilidade de um novo e mais amplo TEF para as atividades desportivas. Ao fazer isso, o Congresso preservará o regime jurídico da SAF, assegurará que a revolução do futebol mantenha seu curso virtuoso e permitirá que, no lugar de isenções, anistias e conflitos, siga o caminho já trilhado em outros países para o desenvolvimento deste expressivo setor econômico e cultural do Brasil. __________ 1 TEF permite o recolhimento do IRPJ, do PIS, da COFINS, da CSLL e das contribuições destinadas à Seguridade Social, previstas nos incisos I, II e III do caput e no § 6º do art. 22 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991, mediante documento único de arrecadação, a serem apurados mensalmente pelo regime de caixa.
A curta - porém vibrante - história da sociedade anônima do futebol (SAF) já é, de algum modo, conhecida, direta ou indiretamente, do público e de torcedores brasileiros. O Botafogo, por via de sua SAF, lidera a primeira divisão do campeonato brasileiro e, desde 1995 - quase três décadas! -, tem pela primeira vez chances reais de sagrar-se campeão. Tão ou mais importante do que esse evento, a perspectiva do time - a partir da chegada de investidor qualificado, da concepção de projeto de empresa, de planejamento e da contratação de executivos de primeira linha - passou a ser de construção de uma nova fase de protagonismo. Outro exemplo importante, o Cruzeiro, após amargar longo período na segunda divisão - algo inadmissível para time com tanta tradição -, começou a reencontrar seu caminho, por via, igualmente, de sua SAF (formada, da mesma forma, por elenco de executivos de primeira linha). Verdade que sua posição na tabela não é tão confortável, mas, sobre isso, seu CEO, desde o retorno à primeira divisão, anunciara que, em 2023, o plano seria manter-se nela; e, a partir daí, os sonhos poderiam, nos anos seguintes, passar a ser mais ambiciosos. Vive-se, também, no ambiente da SAF, situações menos confortáveis, como a do Vasco, que, apesar de movimento recuperacional, ainda flerta com o rebaixamento apenas um ano após sua ascensão. Por ali parece que, olhando-se de fora, o processo de adaptação ao novo formato societário e a instituição da nova governação tomam mais tempo do que em outras estruturas de SAF - algo que, aliás, poderá ocorrer em outros casos. Por enquanto, mas apenas pouco mais de dois anos após o advento da Lei da SAF, os projetos de SAF, realizados por clubes de menor ou maior expressão, localizados nas mais distintas regiões do território nacional, já passam de 40, e, pelas movimentações em curso, não tardarão a contabilizar uma cinquentena. Enfim, sob qualquer ângulo, a Lei da SAF, de autoria do Senador da República e Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), transformou o futebol e fez renascer a esperança no resgate de atividade econômica (a futebolística) que, como nenhuma outra em países com as características sociais do Brasil, pode contribuir para a integração das gentes e para o desenvolvimento da Nação. Ocorre que a Lei da SAF passou a ostentar mais um atributo: elemento de conexão e de integração com o Paraguai, país vizinho e integrante do Mercosul. A novidade advém da apresentação, pela Senadora Lilian Samaniego (Partido Colorado), no dia 17 de outubro de 2023, de projeto de lei que cria a Sociedade Anônima do Futebol Profissional (SAFP); projeto este que adota, como referência, a bem-sucedida experiência brasileira. Ademais - e aí as semelhanças se acumulam -, a Senadora afirma, em sua exposição de motivos, encaminhada ao Presidente do Senado Federal, que o futebol, no Paraguai, não é apenas um jogo; trata-se de paixão que une comunidades, fomenta a camaradagem e promove valores fundamentais na sociedade. Mas adverte: para que o futebol siga sendo motor de bem-estar social e de desenvolvimento, é necessário que se construa ambiente adequado à sua prática e gestão. Assim, a SAFP atenderá às necessidades de modernização e profissionalização administrativa de clubes que se dedicam ao futebol profissional e se apresentará como instrumento essencial para que times locais possam competir em ambiente cada vez mais competitivo, sobretudo no plano internacional. O modelo paraguaio, que será esmiuçado em textos futuros, aproxima-se, portanto, do brasileiro, em sua motivação e seu conteúdo. Daí evitar comandos meramente formais que fracassaram por ocasião das Leis Zico e Pelé. A iniciativa tenderá a aproximar os dois países, no plano do futebol. Nesse sentido, as evoluções legislativas e as construções jurisprudenciais brasileiras poderão servir de substrato para eventuais ajustes no sistema paraguaio, observadas as peculiaridades de cada sistema. Além disso, a criação do mercado naquele país poderá viabilizar a extensão de negócios iniciados por aqui, que por lá encontrarão ambiente institucional, em princípio, comparável; e, com isso, induzir o fluxo de atletas, capitais e tecnologias. Ou mesmo a formação de grupos transnacionais, de origem sul-americana. Ainda - mas não menos importante -, o fortalecimento de times deverá, intuitivamente, contribuir para resgate de suas seleções e, assim, para reafirmação regional, perdida com o hiato econômico que separa a América do Sul da Europa. Enfim, a notícia que vem do Paraguai enaltece o acerto brasileiro ao apostar no desenvolvimento do mercado do futebol, com a Lei da SAF, e, ao mesmo tempo, insinua que ela servirá, ao menos nesse ambiente, para construção de um projeto de integração. Ojalá, como se costuma afirmar no idioma de nossos vizinhos, ojalá!
Depois de um longo período de calmaria e conquistas, o Palmeiras voltou a vivenciar um inferno astral dentro e fora dos seus muros, com a elevação da temperatura interna, reveses esportivos, destempero da mandatária, manifestações de ex-Presidentes, escalada no desentendimento com a torcida organizada, agitação nas redes sociais e na mídia palmeirense: a coletividade, cujo lírico histórico de rearranjos cunhou a expressão "acabou em pizza", se depara, a par da pujança atual, com a idiossincrasia da sua liderança e problemas de várias ordens como qualquer outro clube brasileiro, mesmo que aos olhos do grande público possa assim não parecer. Em termos financeiros, o clube, que até então não encaminhou qualquer estudo antecedente de transformação em SAF e sequer aderiu ao PROFUT à época do seu lançamento,  realmente detém situação de equilíbrio fiscal, sendo dono de uma expressiva receita já em vias de alcançar a cifra do seu primeiro "bilhão" anual, contudo, possui um exagerado conjunto de despesas que tem levado suas demonstrações praticamente "ao empate", a propósito, no exercício anterior ao da pandemia, seu balanço alcançou saldo positivo pela alocação até então inédita no ativo dos estoques de material esportivo. É verdade que os fundamentos econômicos do Palmeiras são muito consistentes, traduzidos pelo forte programa de sócio torcedor, por receitas de bilheterias e de premiações, patrocínios, direitos de transmissão e negociação de direitos econômicos de atletas, o último catapultado pelo exitoso trabalho realizado nas categorias de base; ainda assim, embora possa parecer difícil de acreditar, o comprometimento do seu fluxo de caixa é manifesto, fazendo com que o clube necessite de aportes, antecipações ou prorrogação no cumprimento das obrigações, práticas que revelam um "modus operandi" já de longa data conhecido e que é igualmente observado em várias outras associações esportivas do futebol brasileiro, identificando-se aqui a primeira similaridade: como consequência, além da redução da capacidade destes clubes investir, para o mercado suas demonstrações financeiras invariavelmente não são confiáveis, notadamente em face de inconsistências, alocações indevidas, alargamento na interpretação das regras contábeis, alteração ou supressão de rubricas, enfim, na sua maioria são tidas como carecedoras de rigor técnico, sem a observância das melhores práticas. Além do dinheiro, outra questão que se evidencia análoga é o propalado profissionalismo que as associações esportivas igualmente insistem em alardear e dele se vangloriar, mas cujo caráter é visivelmente falacioso: a profissionalização, em verdade, cinge-se apenas aos departamentos de futebol, com a excelência das áreas cientificas, de comunicação e de logística, com os quadros capacitados que os integram, os equipamentos de última geração e as ferramentas sofisticadas, isto é, encerrando-se por aí, tanto para o Palmeiras como para boa parte dos clubes brasileiros. De fato, interna e organizacionalmente, as estruturas de comando e deliberação são precárias, disfuncionais, passíveis de cooptação, imunes a qualquer tipo de fiscalização ou controle efetivo; especificamente em relação ao Palmeiras, muito embora se trate de uma organização robusta e complexa com faturamento de centenas de milhões, não existem instrumentos indispensáveis de governança, vale esclarecer, o clube sequer dispõe de regimentos procedimentais básicos, de um código de ética, de um bom mapa de riscos (não são poucos), de canais de denúncia...    Como se não bastasse, e daí outro aspecto característico de similitude, o conflito de interesses tem sido identificado, seja no Palmeiras como na gestão de alguns dos seus pares diretos, às vezes os guiando no caminho dos "clubes de dono", um sinal retrógrado e muito preocupante. Novamente tratando do Palmeiras, cuida de associação que nem mesmo dispõe de uma Política de Transação com Partes Relacionadas, muito embora a atual mandatária, ainda que negando peremptoriamente a existência de qualquer conflito de interesses, é também a patrocinadora exclusiva do clube, credora de dívida substancial, locatária de um camarote para relacionamento no campo de jogo, proprietária do táxi aéreo que transporta a delegação e os diretores do clube, concessionária do Estádio alternativo à casa onde são mandados seus jogos (Arena Barueri). Vê-se que a fragilidade nos requisitos e práticas de boa governança corporativa é recorrente nos clubes do futebol brasileiro, revelando outro aspecto de identidade, aqui nitidamente danosa, e que resulta muitas vezes em absurdos como o ocorrido recentemente no Palmeiras, quando um grupo de conselheiros (cerca de 10% do CD) encaminhou requerimento oficial à mandatária com pedido de esclarecimentos sobre temas diversos no estrito cumprimento das atribuições funcionais no exercício do cargo, não tiveram qualquer resposta ao pleito de parte da direção e, ao final, foram ainda retaliados, em um inaceitável e perigoso flerte com o autoritarismo. A inadequação se traduziu ainda na recente entrevista coletiva (seletiva) concedida, onde com o diversionismo de costume em suas narrativas, adotou o uso de tom beligerante que culminou com a esculhambação de Ex-Presidentes, vilipêndio à história pretérita e centenária do clube, total desrespeito às suas tradições, desapego ao caráter de pertencimento que só o amor de berço a um clube confere ("se eu sair a equipe cai, antes de eu chegar a alegria era não cair"). O traço comum do egocentrismo e da auto suficiência na gestão dos clubes é outro elemento de semelhança que se observa junto à classe dirigente, levando-a ao individualismo exacerbado, impeditivo por exemplo de sequer terem logrado a superação do debate inicial sobre o "sagrado direito" de um valer mais que o outro, receber mais do que o outro, circunstância que no caso brasileiro culminou com a recente acomodação momentânea das agremiações em dois blocos, ou melhor, em duas ligas, o que para muitos é um retumbante equívoco, na medida em que a consolidação do novo mercado futebolístico brasileiro demanda não só a definição da equação econômica, mas sim a necessidade de uma estruturação completa, com providências diversas (especificamente o desenho do novo formato das transmissões, revisão do produto, transição geracional, inserção no mundo dos games e E-Sports com estratégia de adesão e perenidade, licenciamentos diversos, participação no meio das apostas, ações e licenciamentos conjuntos). O futebol, como se diz, é muito dinâmico, na realidade o futebol é cíclico e assim o Palmeiras não tardará para superar o período sensível, algo que ocorre sempre e com todos, em maior ou menor tempo: mas o que também importa é que a superação dos desafios presentes contemple a necessidade do avanço imediato nas questões relacionadas à governança, sem as quais tanto o Palmeiras como os demais clubes não acessarão com o devido aproveitamento a miríade de oportunidades e um momento tão disruptivo em anos de existência da atividade futebolística, com tantos potenciais afluentes, possibilidades e alternativas para desenvolver o novo mercado.
Nós, brasileiros, herdamos dos colonizadores as práticas da crítica e do lamento. Não se trata de preconceito ou de xenofobia; ao contrário, pois, além de descendente de família que ainda tem raízes ibéricas, vivi por lá algum tempo. No plano político, a tendência ao criticismo se exponencia. Com exceção de aliados, incumbentes costumam ser metralhados pela oposição, a qual, por sua vez, será metralhada pelos outrora metralhados, quando estes assumirem o poder. Em ambiente belicoso, a população, influenciada por intenso fluxo de (des)informação, produzida anonimamente, ecoa ataques que se justificam por motivos muitas vezes patológicos ou pessoais. Nos tempos atuais, quase todo mundo se sente autorizado a debater sobre qualquer assunto; algo que não seria problemático se, antes do debate, debatedores buscassem compreender e estudassem o respectivo tema. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais, tem sido objeto da curiosidade pública - e política -, de tempos em tempos, por ocasião, invariavelmente, de evento externo e extremo. Assim foi, por exemplo, na alvorada da crise que envolveu uma gigante companhia brasileira de varejo. Naquele momento, vozes oportunistas se dirigiram à população em geral (ou a eleitores), com afirmações irrealistas e, em alguns casos, acusatórias, sobre algo que não conheciam e, principalmente, para o que não davam - e não dão - a menor bola. Esta é a realidade: governos, historicamente, não importam as correntes ideológicas, ignoram o papel e a importância da CVM e falham ao prover os meios necessários para que ela cumpra em sua plenitude os objetivos para os quais foi criada, em 1976. Políticos, então, lembram-se dela apenas em momentos extraordinários; e abandonam suas lembranças quando ela deixa de lhes dar ou propiciar (alguma) exposição. A CVM faz mágica com os limitados recursos humanos (em termos quantitativos, e não qualitativos) e financeiros que lhes são dispensados. Aliás, enquanto certas autarquias esbanjam espaços nababescos, ela ainda luta para ter meios adequados de acesso e de transmissão remotos. Não bastasse, é criticada por fatos sobre os quais não é responsável; como se lhe coubesse, seguindo no mesmo exemplo citado acima, auditar condutas de companhias listadas, que passam não apenas pelo escrutínio de auditores internacionais como, e aqui vem um dado relevante, por financiadores, banqueiros, investidores institucionais e empresas de rating. Deixando-se, a partir deste ponto, a crítica da crítica, e passando ao que interessa, o desenvolvimento do mercado de capitais não deveria ser uma opção, mas uma missão de qualquer governo realmente preocupado com o desenvolvimento estrutural, social e econômico. Aliás, é tema de Estado, que não deveria se subordinar a alternâncias partidárias. O país não sairá da sua condição de eterna promessa e, mais relevante, de aspirante a potência global sem o desenvolvimento do seu mercado de capitais, que oferece ao empreendedor, em ambientes desenvolvidos, recursos alternativos aos tradicionais produtos financeiros - que se sustentam, no Brasil, por taxas proibitivas - e, ao mesmo tempo, produtos eventualmente mais rentáveis à população poupadora e alocadora de economias. Com o advento da Lei da SAF, essa perspectiva, em relação à atividade do futebol, deixou de ser especulativa e se tornou um fato. Já circulam, nesse sentido, ofertas públicas lastreadas em receitas futebolísticas ou de notas comerciais, e outras operações deverão, em futuro próximo, expandir o mercado. A CVM não poderia, aí sim, manter-se inerte; em especial pelo fato de que o acesso da SAF ao mercado de capitais deverá incrementar a base de pessoas físicas investidoras, muitas delas (é o que se acredita) novatas e sem experiências pretéritas - e movidas, eventualmente, pela paixão. O Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023, objeto de uma série de 4 textos publicados nesta Coluna, expressa, assim, a percepção de relevância do tema - e de suas consequências, que já tinham justificado a realização, na sede da autarquia, em novembro de 2022, do 1º Seminário Brasileiro sobre Futebol, a Lei da SAF e o Mercado de Capitais. E, agora, a continuidade do esforço de construção de um ambiente seguro e sustentável, com a realização, no próximo dia 16 de outubro, do 2º Seminário Brasileiro sobre Futebol, a Lei da SAF e o Mercado de Capitais. Nesta empreitada, a CVM não andará sozinha. O evento, realizado pelo IDSA, AASP e Migalhas, e com apoio institucional da própria CVM e da B3, reunirá, mais uma vez, na sede da autarquia, nomes essenciais que atuam em política, nos mercados financeiro e de capitais, em clubes de futebol e em SAFs, além de professores, advogados e reguladores. Como já se afirmou neste espaço, lá na frente, quando o Brasil tiver formado, senão o maior, um dos maiores mercados do planeta, o papel da CVM não poderá ser esquecido; melhor dizendo, ela deverá ser enaltecida, pela responsável e elogiável atuação em prol do desenvolvimento do país.
A importância prática e histórica da iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais, consubstanciada no Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023 ("Parecer 41"), foi apresentada nos dois primeiros textos desta série. O conteúdo da iniciativa começou a ser tratado no terceiro texto e, nesta quarta e última parte, apresentam-se os demais aspectos relevantes abordados pela autarquia. Acesso ao Mercado de Capitais Desde o advento da Lei da SAF, dezenas (sem exagero) de negócios foram realizados no país, desde a singela constituição de SAFs, sem o ingresso de investidores, até operações complexas e sofisticadas, como as que envolveram o Cruzeiro e o Botafogo. Até o momento, o mercado de capitais não teve participação relevante no financiamento de tais negócios ou das atividades desenvolvidas pelas SAFs; mas é uma questão de tempo (talvez, muito pouco) para que isso ocorra. Neste sentido, um capítulo específico do Parecer é dedicado ao "acesso ao mercado de capitais". Nele são indicadas algumas vias de acessibilidade, tais como: (i) abertura de capital; (ii) emissão da debênture-fut, criada pela Lei da SAF; (iii) crowdfunding; (iv) fundos de investimentos, dentre os quais se destacam (iv.i) fundos de investimento em participações - FIP; (iv.ii) fundos de investimento imobiliário - FII; e (iv.iii) fundos de investimento em direitos creditórios - FIDC; e (v) securitização. Importante: trata-se de lista exemplificativa, e não taxativa, cujas modalidades se sujeitam a normas específicas, que deverão ser observadas pela SAF - assim como por qualquer companhia - no âmbito da operação pretendida.      Divulgação de Informação e Suitability Ofertas públicas de SAF apresentam (ou apresentarão) uma característica peculiar, que não se verifica (ou se verificará) em qualquer outra situação: o interesse de torcedor, que não será, necessariamente, um investidor "padrão" do mercado de capitais (isto é, movido apenas ou prioritariamente por interesses financeiros), e poderá estar influenciado, de maneira significativa, por sua preferência clubística. Daí a orientação à SAF e aos assessores a "dedicarem especial atenção à descrição de fatores de risco das ofertas e dos emissores, bem como ao uso nos documentos da oferta de linguagem clara, concisa, objetiva e balanceada na ênfase a informações positivas e negativas, que auxiliem investidores a formar criteriosamente sua decisão de investimento". A CVM, aliás, estabelece que a linguagem de uma oferta pública deve ser serena e moderada, sem conteúdo exploratório da paixão e da relação do destinatário com seu time. Suitability consiste no dever de certificação de que o produto ofertado publicamente se encaixa no perfil do investidor. A resolução CVM nº 30, de 2021, estabelece que os distribuidores de valores mobiliários (de SAF) devem observar (i) a situação financeira, (ii) os objetivos de investimento, (iii) o conhecimento do cliente a respeito do valor mobiliário oferecido e (iv) o conhecimento do risco envolvido. Assim, agentes que atuem na distribuição de valores mobiliários de SAF deverão promover alertar sobres os riscos relacionados ao investimento.  Publicações e Transparência Uma das características do mercado de capitais consiste na busca pela eficácia de normas relacionadas à publicidade e transparência de negócios, atos ou fatos que possam influenciar na decisão de investidores em adquirir ou negociar valores mobiliários emitidos por determinada companhia (inclusive, desde o advento da Lei da SAF, da própria SAF). A fluência da informação, em igualdade de condição, de modo a evitar que agentes atuem com privilégio inadmitido no sistema para aumentar a perspectiva de obtenção de ganhos ilícitos, justifica a atuação de reguladores nas mais diversas jurisdições. A CVM, nesse sentido, reforça que a SAF se sujeita às normas vigentes aplicáveis às companhias abertas, além daquelas aplicáveis exclusivamente a ela, de maneira que, em princípio, são cumulativas. É o caso, por exemplo, do disposto no art. 7º da Lei da SAF, que obriga a SAF, fechada ou aberta, a manter informações em sua página na rede mundial de computadores. Trata-se de "obrigação similar à imposta às companhias de capital aberto por força do art. 14 da Resolução CVM 80"; porém, inconfundíveis. Apesar disso, a CVM entende que as exigências regulatórias possam ser cumpridas por meio da disponibilização em único local e forma, evitando-se redundâncias e custos. A solução pode se estender a outras situações de semelhança (mas deverão, em qualquer caso, ser avaliadas em função do caso concreto). Comunicados ao Mercado e Fatos Relevantes A Resolução CVM 44 trata da divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, que consiste em "qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos da administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável" (i) na cotação de valores mobiliários, (ii) na decisão de investidores de comprar, vender ou manter o valor mobiliário ou (iii) na decisão de investidor de exercer qualquer direito inerente à condição de titular do valor mobiliário. Ciente de que a atividade desenvolvida pela SAF se sujeita a intensa cobertura midiática e a constante boataria, a CVM não espera que comunicados ao mercado e fatos relevantes sejam publicados a cada evento; mas que a SAF avalie criteriosamente as situações que poderiam ensejar as hipóteses descritas acima e, quando caso, realize a publicação pertinente.   Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE) A Lei da SAF instituiu o Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE), consistente em convênio obrigatório, a ser celebrado pela SAF fechada ou aberta com instituição pública de ensino, para promover medidas em prol do desenvolvimento da educação, por meio do futebol, e do futebol, por meio da educação. A CVM entende que - considerando que os recursos destinados ao atendimento do convênio poderão provocar efeitos econômico-financeiros relevantes, sobretudo porque a Lei da SAF não quantifica ou estabelece parâmetros objetivos de quantificação de recursos aplicáveis ao PDE -, a SAF que acessar o mercado de capitais deverá zelar pela transparência em relação aos compromissos assumidos e executados no âmbito do convênio. Deve-se, assim, promover divulgação de comunicado ao mercado ou fato relevante, conforme o caso, a respeito dos convênios celebrados, "indicando, pelo menos, a entidade beneficiária, os motivos da escolha da entidade beneficiária, o prazo do convênio, o volume de recursos que será destinado à beneficiária, o prazo de desembolso e as datas projetadas de desembolso". Ademais, a SAF aberta deverá estabelecer montantes máximos anuais a serem empregados no âmbito do PDE e reportá-los periodicamente, por intermédio do formulário de referência e do relatório da administração. Esses comentários encerram a série dedicada ao Parecer 41, que, pelos motivos expostos, deverá contribuir para formação de um dos maiores mercados do futebol do planeta.   
quarta-feira, 27 de setembro de 2023

A caminho do Morumbi e do grito de campeão

Perseguia-me a pergunta de João, proferida quando tinha uns 7 anos de idade: papai, nosso time nunca será campeão? A resposta, carregada de desconforto, era inevitável: ao contrário, somos os únicos tricampeões brasileiros e o maior ganhador de títulos internacionais; único tricampeão do mundo, de origem brasileira. Ele sabia. E não era sobre isso que perguntava. Queria saber quando gritaria "campeão". Esse diálogo não saia da cabeça do pai quando, no último dia 24, descia as escadarias do metrô, ao lado de Olivia e João, rumo ao estádio do Morumbi, para o jogo decisivo contra o Flamengo. Sim, o São Paulo já havia conquistado o paulista, mas o êxito se passara em período de isolamento social e, talvez por influência paterna, não era considerado, pelo filho, um título redentor. Sonhava com um evento substancial. Pela primeira vez preteriram o táxi (em favor do metrô). E a escolha foi acertada:  durante a viagem, a cada parada em uma estação, novo agrupamento se somava aos torcedores que lá estavam, em cânticos de apoio ao time do coração. O clímax do trajeto se deu quando as portas se abriram na Estação São Paulo-Morumbi. Naquele momento, como se houvesse ensaiado, a horda, em uníssono, começou a entoar o hino, que ecoou pelos corredores da estação, encontrou a malta que seguia adiante e, além de preencher o espaço, invadiu a rua, onde, de lá, se repetia, também em uníssono, a mesma melodia. Voltaram a ver a luz do dia por volta das 13h00. Dia sem nuvens, de temperatura desértica. Só faltavam camelos para fazer a ligação com o estádio. Na falta deles, camelôs vendiam de tudo, em especial produtos de origem duvidosa e comida, muita comida, cujos aromas se misturavam e produziam uma névoa agradável e afetiva - que remetia aos "comeu-morreu", servidos nos anos 1980, ali mesmo, ao redor do Morumbi. A caminhada até o estádio tomou uns 30 minutos. Flamenguistas andavam ao lado de tricolores, em paz. Paz que fez emergir outro episódio, também marcante para o pai. Quando Olivia tinha lá os seus 4 ou 5 anos, a programação futebolística considerava apenas João, 2 anos mais novo; quase um bebê, portanto. Naquela conduta se encontravam, involuntariamente, falta de sensibilidade e machismo, que não poderiam fertilizar. Aliás, a mãe avisou: não vá reclamar, depois, se ela passar a torcer para um rival. Pior, para o rival. O equívoco fora imediatamente redimido (e a lição passou a nortear a revisão de outras condutas, passadas ou futuras). Muitos jogos depois, e com um retrospecto impressionante de vitórias, lá estava Olivia, rumando para sua primeira final. Por volta de 14h, o trio estava sentado, no setor das cativas. O pai estranhou o silêncio da dupla, especialmente de João, menino falante e curioso. A resposta foi desconcertante: estou ansioso, preocupado e com medo. É natural, o pai respondeu. E continuou: sempre terá que lidar com tais sentimentos. Não há problema algum. El Dios, Diego Lugano, também os sentia (como revelou em uma live com o próprio pai). Mas aprenda a lidar com eles. E os supere (preferencialmente). Hoje, em especial - completou - pois o São Paulo tomará o primeiro gol. Mas virará. Minutos antes do apito inicial, João estava ajoelhado, no chão, em posição de reza. Um sinal da cruz, ao final do rito, confirmava a impressão. Uma prática pouco usual e, ao mesmo tempo, comovente. Olivia, ao lado, passou a exteriorizar empolgação. Talvez para encobrir semelhante apreensão. Como também comoveu o choro de ambos após o gol de empate anotado por Rodrigo Nestor, jogador adorado pela família, apesar de criticado e, em certos episódios, massacrado pela tontice coletiva, que costuma se cegar para atletas que jogam para o time, e não para a torcida. Naquele momento, ainda distante do final da partida, uma certeza (agora é fácil fazer tal afirmação) parecia unir o trio: nada ou ninguém tiraria a copa do São Paulo - e a alegria, ainda desconhecida, de ser campeão. Mais, muito mais: a alegria, indescritível, de gritar "é campeão" ao chute insubordinado de Gabi Neves, recusando-se a entregar ao árbitro a bola que estava em seus pés; bola que - e tinha que ser mesmo um uruguaio para entender e sentir isto -, pertencia à torcida, a quem, simbolicamente, Gabi Neves enviou. Campeão, campeão, campeão! Durante uns quarenta minutos essa foi a palavra que João e Olivia mais pronunciaram, como se o restante do vocabulário, ainda juvenil, lhes tivesse escapado. E assim se mantiveram durante o trajeto de regresso, até a mesma estação que desembarcaram na ida: São Paulo-Morumbi. Ali sentiram, porém, a sensação invertida, da força que exalava lá de dentro, proveniente de dezenas de centenas de torcedores que se enlatavam nos corredores subterrâneos. A cena não deixava de ser assustadora: não havia espaço para mais ninguém. Uma  massa compacta se movia, lentamente, de modo inercial. Qualquer faísca, ou melhor, desentendimento, pequeno tumulto ou situação semelhante, ocasionaria uma tragédia. Não haveria para onde correr ou como se proteger (ou aos filhos, alguns muito menores do que Olivia e João). Mas o risco não estava na pauta, ao menos aparentemente. Imperava a maior felicidade, pois era realmente muito lindo ver o São Paulo contagiar e sacudir a cidade. Após meia-hora ou mais na sauna metropolitana, enfim a catraca se abriu e João e Olivia puderam, em segurança, seguir para plataforma de embarque. Enquanto aguardavam a composição, ao som da torcida, que insistia em lembrar que São Paulo era sentimento que jamais acabaria, João e Olivia se viraram para o pai e agradeceram.   Agradeceram por serem são-paulinos. O pai, emocionado por dentro, sem saber o que fazer, lutando para conter as lágrimas, decretou: hoje é noite de festa, de hamburguer, batata-frita e o mais calórico dos milk-shakes. Bora!
Olivia e João foram acordados por volta de 03h30min. O encontro com a torcida, que seguiria no mesmo voo com destino ao Rio de Janeiro, fora fixado para 04h30min, em Cumbica. Antes de partirem, o pai sentiu falta da cédula de identidade da filha. Após alguma apreensão, ela se lembrou: estava com a mãe de uma amiga, com quem viajara dias antes. Era madrugada, ela estaria dormindo. O que fazer? O passaporte! O avião decolou no horário marcado. Por volta de 07h30min, pousou na pista do Galeão. Do aeroporto, deslocaram-se para o restaurante Fogo de Chão, situado na antiga sede do Botafogo. Ali se reuniria parte das pessoas que planejava invadir o campo do adversário. Serviu-se o café da manhã, às 10h: pão de queijo, polenta frita, coração de galinha, linguiça, cinco cortes de carne, outras frituras, farofa de ovo e uma respeitável mesa de salada que continha quase tudo, menos salada. A comilança se estendeu até 12h45min, horário marcado para partida dos ônibus. João e Olivia entraram no primeiro, que abriria alas ao Maracanã. O pai, um pouco apreensivo, notou que a prometida escolta policial era apenas uma promessa. Mas se ofereceu uma brilhante solução: o fechamento das cortinas, para que não se percebesse, de fora, que dentro reuniam-se torcedores provenientes da capital paulista, todos, sem exceção, vestidos discretamente com variações do uniforme tricolor. Sim: entrariam em território desconhecido, em caravana, com cortinas fechadas para despistar a preferência clubística, apenas com a proteção de SP. Poucos metros após a iniciação do trajeto, o motorista errou o caminho. Mas deu um jeitinho, com uma marcha à ré em via de difícil recuo, curva e em situação de pouca visibilidade. Todo mundo erra. Não havia, ainda, motivo para ilações. Vida, ou melhor, caminho que segue. A aproximação do destino se revelava pela aglomeração de pessoas vestidas de rubro-negro, mais ou menos interessadas no esquisito comboio que se fechara às belezas naturais e arquitetônicas da cidade. Nas imediações do estádio, o disfarce caiu e a presença de invasores tornou-se motivo de atração. O motorista, incumbido de despejar seus passageiros em determinado ponto protegido, ao lado do portão de acesso, empreendia caminho que, visualmente, exceto para ele, se distanciava do Maracanã. Pior: que seguia por vias cada vez mais estreitas e tomadas por flamenguistas. Diante de uma rua mais larga (talvez uma avenida), de mão única, que, aparentemente, levaria para longe do estádio, o ônibus parou e, por ali, permaneceu inerte. Os representantes da empresa promotora da viagem - e o próprio motorista - não sabiam o que fazer. A pior das ideias surgiu de alguma mente suicida: seguir, ou melhor, retornar a pé, entre os torcedores rivais. Afinal, as principais torcidas uniformizadas eram amigas e haviam anunciado, como se dispusessem de poder de polícia, que haveria paz. Sim: estava garantido o direito de ir e vir com camisa do time oponente no território do adversário, pelas leis das arquibancadas. Sozinho, o pai não teria hesitado. Até teria apoiado, pois seria mais uma história para contar. Mas com Olivia e João? Pensava: seria motivo para divórcio? E sem compartilhamento de guarda? Não havia alternativa. Marchariam, não como cidadãos franceses ao som da Marselhesa; mas como são-paulinos, pois ali estavam para apoiar, porque São Paulo é sentimento, que jamais acabará. Eis que, assim como o Mar Vermelho se rendeu a Moisés, a torcida rubro-negra, milênios depois, também se abriu aos torcedores tricolores, que, em fila pouco organizada, caminharam entre linhas flamenguistas. Os cariocas, uns maiores do que os outros, para estupefação geral, ofereciam as mãos para cumprimentos, faziam comentários respeitosos e posavam para fotos conjuntas. Naquele trajeto de aproximadamente 20 minutos, o pai se sentiu mais seguro do que em suas andanças pela Av. Faria Lima (não se trata de hipérbole pois, nesta via, sempre haverá alguém de olho no smartphone alheio). Enfim, chegaram ao portão destacado à torcida visitante. Olivia percorreria pela primeira vez a sinuosa rampa de acesso; João, a segunda - meses antes, assistira o massacre do Fluminense sobre o ... Flamengo, por ocasião da final do campeonato carioca. Dentro do estádio, uma experiência catártica se prenunciava. Três mil são-paulinos cantavam e vibraram, calando sessenta mil rivais (ao menos aos seus ouvidos), e não pararam até o final do jogo, momento em que, mantendo a vibrante cantoria, presenciaram o abandono coletivo da maior torcida do país. O pai não tinha palavras e jamais terá para verbalizar o sentimento que se revelava nos olhos de João e Olivia.  Por volta das 19h, os são-paulinos foram autorizados a deixar o estádio e seguiram ao ponto de encontro, para encaminhamento ao ônibus. O local, uma espécie de entroncamento, talvez fosse o mais populoso das imediações. Uma beleza: pessoas iam para lá e outras voltavam para cá, correria, tensão no ar, cavalaria da polícia em movimento de dispersão e resquícios de gás pimenta, inalado pela primeira vez pela dupla juvenil. Não muito distante dali, avistava-se o ônibus, com suas janelas obstruídas por cortinas desbotadas. Sim, o motorista encontrara o local que, pela tarde, parecia inalcançável. De lá, partiu-se para o Galeão. Minutos depois, uma parada inesperada. Desta vez, o condutor não estava perdido. Apenas aguardava o deslocamento do ônibus do time do São Paulo, que também deixava o Maracanã e se dirigia ao aeroporto. Por volta das 21h15min., Olivia e João contestaram a autoridade paterna e se postaram diante do McDonalds. Diziam que era noite de festa e era proibido proibir. Ganharam o debate. Aliás, conheceram, naquele lugar, talvez a única loja da rede que serve fast food em ritmo de slow food. Naquele momento, tudo seria bom. E foi realmente muito bom comer e comemorar uma vitória histórica ao lado de outros queridos amigos, que participaram da saga. Com quase uma hora de atraso, enfim, se iniciou o voo de regresso. Já passava das 2h00, e de banho tomado, quando João e Olivia fecharam os olhos e dormiram. Com o que terão sonhado? Possivelmente, com as tão desejadas glórias do futuro. Não, do presente.
A importância prática e histórica da iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais, consubstanciada na divulgação do Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023 ("Parecer 41"), foi apresentada nos dois textos anteriores desta série. Passa-se, agora, a abordar seu conteúdo.  Constituição e formação do capital social da SAF A CVM reafirma no Parecer 41 a constatação feita nesta coluna desde o advento da Lei da SAF e igualmente formalizada no livro Futebol, Mercado e Estado - Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento1, no sentido de que são previstas quatro vias constitutivas da SAF: três delas listadas no art. 2º (que trata justamente de constituição) e a quarta, esparsada, no art. 3º. No primeiro bloco reúnem-se (i) a transformação de clube em SAF, (ii) a cisão de patrimônio relacionado à atividade futebolística de clube para destinação à formação do capital social de SAF e (iii) a constituição originária de SAF, promovida por qualquer pessoa ou fundo de investimento. A quarta via envolve a utilização e transferência de elementos ativos (e eventualmente passivos) do clube para integralização de capital subscrito (ou seja, um aporte) em outra sociedade (uma SAF); ato que não implica redução patrimonial do próprio clube (apenas a mutação de contas contábeis, à medida em que o clube passa a titularizar, indiretamente, via SAF, patrimônio que, antes, detinha diretamente). Aliás, os principais casos de SAF ocorridos até o momento, dentre os quais de Cruzeiro, Botafogo e Vasco, adotaram esse caminho, costumeiramente chamado de "drop down". O Parecer 41 reforça, ademais, a necessidade de verificação da realidade patrimonial envolvida na versão ou transferência para SAF, mediante a obrigatoriedade de avaliação do patrimônio por três peritos ou empresa especializada, conforme regra geral prevista no art. 8º da li 6.404/76. Neste sentido, ademais, os assessores que participarem de projeto de constituição de SAF são orientados a observar as normas contábeis aplicáveis e a contratar auditores registrados na CVM, para avaliar o patrimônio integrado à operação. Ações de emissão da SAF De maneira bem simplista, uma companhia pode emitir ações ordinárias ou preferenciais, que se distinguem "conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares". A Lei 6.404/76 proíbe a emissão pela companhia aberta de mais de uma classe de ação ordinária. A proibição não atinge a companhia fechada. Já a Lei da SAF admite, ou melhor, determina a emissão de ação ordinária A, para subscrição exclusiva pelo clube que a constituir, sem distinção entre a SAF aberta e a fechada. Caso a SAF emita ação ordinária para outro grupo de acionistas, deverá, necessariamente, criar uma classe distinta. Ou seja: cria-se uma estrutura especial para SAF. Essas proposições não são antinômicas e a CVM reconhece a possibilidade de compatibilização, enquadrada como "exceção autorizativa à regra geral, de natureza proibitiva". A autarquia estabelece, assim, e com razão, que a SAF que se registrar como companhia aberta (i) deverá (como já indicado acima) contar com uma classe específica de ação, denominada A, e (ii) poderá emitir outras classes de ação ordinária para subscrição por outros tipos de subscritores, com ou sem voto plural. Ainda sobre as ações de emissão da SAF, o art. 2º da Lei da SAF estabelece direitos especiais aos titulares de ações classe A (que serão, necessariamente, os clubes, sendo vedada a negociação dessas ações com terceiros), as quais, "portanto, não estarão admitidas à negociação em bolsa ou mercado de balcão". Com isso, o clube poderá vetar, a depender do tamanho de sua participação no capital social da SAF, dentre outras matérias, (i) a alteração de denominação, (ii) a modificação de signos distintivos do time e (iii) a mudança de sede. A Lei da SAF também autoriza a inclusão, no estatuto da SAF, de outros direitos, não previstos no texto normativo, inclusive de veto sobre situação não disposta na própria Lei. O Parecer 41 reafirma essa possibilidade (e não poderia ser diferente, pois inexiste ilegalidade), mas alerta: a CVM poderá, previamente à concessão de registro de emissor ou à oferta pública de valores mobiliários, analisar o conteúdo e, caso se verifique a violação de lei ou de normas regulatórias, exigir a reforma estatutária. Por último, mas não menos importante, o Parecer 41 também é inequívoco no sentido de que não há restrição à emissão pela SAF de uma ou mais classes de ações preferenciais e à titularização pelo clube, ao mesmo tempo, de ação ordinária classe A e de qualquer outra classe "comum" de ação ordinária.  Controle e governança A SAF se sujeita à Lei da SAF e, em tudo o que não for expressamente tratado naquela lei ou não for incompatível com o seu conteúdo, à Lei 6.404/76. Assim, o legislador, no âmbito dessa composição, seguiu o caminho da segurança jurídica: ao invés de criar um novo tipo societário autônomo, preferiu aproveitar a matriz bem estruturada e testada (doutrinária e jurisprudencialmente) das sociedades por ações e, a ela, incorporar os conceitos e normas aplicáveis exclusivamente à SAF, conferindo-lhe, portanto, a categoria de subtipo. Parte da aplicação exclusiva envolve a proibição (i) do acionista controlador de SAF de participar do capital de outra SAF ou (ii) de acionista não controlador de SAF, que detiver 10% ou mais do capital votante ou total de uma SAF, de se manifestar com voz ou voto em assembleia de outra SAF. Em tal sentido, a CVM orienta a SAF cujos valores mobiliários sejam admitidos à negociação em mercado a instituir mecanismos que contribuam para verificação do cumprimento de tais normas, como a implantação de sistema interno de acompanhamento e o envio periódico de declaração de conformidade pelos acionistas da SAF. Ainda no tocante à governança, o Parecer 41 reforça que, mesmo não se fazendo menção expressa na Lei da SAF, certas normas, contidas na lei 6.404/76, devem ser observadas (em decorrência, como visto acima, da estrutura legislativa), tais como: (i) vedação à acumulação de cargos de presidente do conselho de administração e diretor-presidente, observada a exceção às companhias de menor porte; (ii) participação necessária de membro independente no conselho de administração; (iii) envio regular de formulário de referência; e (iv) elaboração de comunicados ao mercado ou fatos relevantes, na forma da própria lei 6.404/74 e da resolução CVM n. 44, de 23 de agosto de 2021. Os demais temas tratados no Parecer 41 serão abordados na quarta e última parte desta série de artigos. __________ 1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. - São Paulo: Quartier Latin, 2016.
Na Parte I da série, publicada nesta coluna, tratou-se da importância prática e histórica da iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais, consubstanciada na divulgação do Parecer de Orientação CVM 41, de 21 de agosto de 2023 ("Parecer 41"), no qual consolida-se o "entendimento da Autarquia sobre as normas aplicáveis às Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) que desejarem acessar o mercado de capitais para financiar suas atividades". Desde a sua criação, em 1976, a CVM havia divulgado 40 pareceres que tratavam, todos, com apenas uma exceção, de temas inerentes a relações societárias, posições de acionistas, condutas internas das companhias ou de acionistas, demonstrações financeiras e outros aspectos diretamente derivados das leis 6.385/76 e 6.404/76. Nenhum abordava, nem de perto, determinado setor econômico ou a possível formação de novos mercados (ou ambientes ou formas de operar no mercado de capitais) em decorrência de tecnologias e práticas inovadoras. O Parecer de Orientação CVM 40, de 11 de outubro de 2022, foi a iniciativa que mais se distanciou das 39 anteriores e mais se aproxima (ou abre a porta) para a empreitada que lhe seguiu, objeto deste texto. Naquele parecer se apresentaram proposições orientativas a respeito de criptomoedas e suas interseções com o mercado de capitais. A divulgação do Parecer 41 se revela ainda mais fascinante pelo fato de que, conforme buscas realizadas desde o seu advento em sítios eletrônicos de reguladores do mercado de capitais de mais de vinte países, banco centrais, times de futebol estrangeiros que operam sob a forma de sociedades empresárias e entidades de administração do esporte (FIFA, CBF, etc), não se localizou, até o momento, nenhuma iniciativa similar. Talvez se diga, assim, que não havia necessidade de o regulador local preocupar-se com o tema. De forma alguma. A proposta de criação da SAF e do mercado do futebol (desde o surgimento do livro Futebol, Mercado e Estado - Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento[1] e, na sequência, a iniciativa do PL 5.082/16, apresentado à Camara dos Deputados pelo Deputado Federal Otavio Leite), foi recebida com resistência e incredulidade - e, não raro, em tom de chacota. Contam-se nos dedos as pessoas que acreditaram ou apostaram em sua viabilidade. Aliás, afirmava-se em diversos meios (acadêmico, jurídico, financeiro e político, dentre outros) que o sistema jurídico já catalogava diferentes tipos societários que  poderiam ser adotados por qualquer clube que pretendesse constituir ou transformar-se em empresa e, a partir do ato de constituição ou transformação, que o mesmo sistema já viabilizaria o acesso ao mercado de capitais, a meios de reestruturação de passivos, a técnicas de governo e controle interno, além das demais matérias que viriam a ser tratadas na Lei da SAF (exceto a tributária). A pragmática desdizia, porém, o reacionarismo. Simples: se o sistema já oferecia, então, todas as soluções, por que não se formava um mercado no País? Por que clubes não buscavam soluções para seus endividamentos no mercado financeiro ou de capitais? Antes, por que não se promoviam constituições de empresas para operar o futebol? Por que investidores, de distintos perfis, não consideravam ou, quando ousavam considerar, fugiam do Brasil para países menos relevantes e sem tradição? Por que os clubes brasileiros acumulavam dívidas bilionárias e deixavam de cumprir seus papéis de condutores do desenvolvimento esportivo, social e econômico? Porque faltavam (i) política pública (que ainda não se manifesta de modo inequívoco a despeito da Lei da SAF, da Instrução Normativa DREI/ME 112, de 20 de janeiro de 2022, e do Parecer 41) e (ii) um conjunto normativo que oferecesse segurança ao proprietário do ativo futebolístico (o clube) e ao provedor de capital (instituição financeira ou investidor). É nessa perspectiva que se insere o Parecer 41.      De modo elogiável, a CVM se antecipou ao mercado, que está agitado com os eventos protagonizados por times como Bahia, Botafogo, Vasco, Cruzeiro, Atlético-MG e Coritiba (e com outros projetos em curso), que simbolizam, pode-se apostar, tão somente a pontinha do iceberg do ambiente em formação, e expressou sua orientação aos agentes e demais integrantes do sistema sobre matéria que, não se tem como negar, insere-se em sua competência. Projetam-se, atualmente, novos produtos, fundos de investimento, operações híbridas com emissão de dívida para financiamento de aquisição de SAF, o primeiro IPO do país e outras iniciativas que se sujeitarão ao poder fiscalizatório e sancionatório da CVM; de modo que, prudencialmente, cumpre-se a missão de evitar a ocorrência de condutas ou eventos indesejados que obstaculizem o processo de desenvolvimento do mercado de capitais e do país. Portanto, assim como já não se concebe um ambiente futebolístico sem a Lei da SAF e a SAF, o Parecer 41, com o tempo, deverá ser reconhecido e festejado por simbolizar um ato pioneiro que terá contribuído para viabilizar o acesso a capitais que, desde a origem do esporte no país, jamais ousaram chegar perto de dirigentes ou de seus clubes. _________ 1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. - São Paulo: Quartier Latin, 2016.
quarta-feira, 30 de agosto de 2023

A caminho do estádio do Morumbi

Não era um dia comum. Era dia de Majestoso, no Morumbi. Um enfrentamento que transcende a razão. Uma espécie de juízo final, que opõe o bem ao mal. Harry Potter a Voldemort (a referência se deve ao apreço que os personagens mirins que serão apresentados abaixo nutrem por aquela história). E não era um Majestoso ordinário: semifinal de Copa do Brasil; o jogo de volta, que se iniciaria com placar desfavorável ao São Paulo.  Expectativa e ansiedade dominavam a casa. Logo cedo, antes de partirem para escola, Olivia e João certificaram-se com o pai de que a logística estava organizada para o confronto da noite. Uma jornada cotidiana de estudos os separava, portanto, de evento tão extraordinário. Por volta do horário marcado, ambos chegaram ao escritório do pai, na Av. Faria Lima. Ponteiros indicavam 17h15min. Cedo, mas nem tanto: a bola começaria a rolar às 19h30min. Nos grupos de mídia social circulavam notícias de trânsito e paralisia nas principais vias de acesso, obras em corredores de via rápida e certa apreensão com o tumulto ao redor do estádio. Havia folga, porém, para vencer o percurso. Partiram. No ponto de táxi, não havia carro disponível. Os aplicativos não ajudavam: giravam, giravam e não localizam disponibilidade. Uma unidade, em trânsito, parou diante do farol vermelho. João a abordou e, para alívio do trio, aceitou a corrida. Morumbi, anunciou o pai. Pelo corredor da Francisco Morato, ele complementou. O motorista discordou e informou que obras obstaculizavam o trânsito. Com a autoridade de quem rodava há três décadas na praça, pediu confiança e afirmou que faria caminho mais célere. Não era um bom sinal. Poucas quadras adiante da partida, na própria Av. Faria Lima, diante do Clube Pinheiros, o carro quebrou. Pai, filho e filha desceram com a esperança de localizar novo veículo. Mas não havia, por ali, ponto à vista. Pior: centenas de carros se acumulavam, praticamente imobilizados, em ambos os sentidos. Renovou-se, então, a esperança no aplicativo, que insistia em rodar sua inteligência artificial, sem encontrar a solução. Eram 17h45min. Ainda havia tempo. Um táxi livre surgiu, quase como miragem no oásis. Ou não. O motorista informou que buscaria um cliente nas cercanias do Parque Alfredo Volpi, localizado na primeira terça parte do destino. Já era alguma coisa. Alguns quilômetros seriam vencidos. Todos entraram, com falso alívio. Faltavam 5 minutos para 18h e o avanço não passava de 50 metros. Olivia propôs que trocassem os pneus pelas pernas. O pai hesitou. Para subir uma montanha ou fazer uma trilha, seria o primeiro a apoiar; mas, ali, na cidade, após um dia de trabalho e com vestimentas inapropriadas, não. João ecoou a proposta. O pai cedeu. A caminhada se iniciou com algum entusiasmo: torcedores que seguiam o mesmo destino, pela Av. Cidade Jardim, buzinavam ou gritavam "tricolor" para a família, em especial à filha e ao filho, vestidos com a camisa do Tricolor. Bem que poderiam oferecer uma carona, dizia o pai. Eis que um obstáculo inesperado se apresentou: a travessia do Rio Pinheiros. De carro, como sempre se fazia, era moleza. A pé, um desafio desumano - e que não se supunha. A vida parecia integrar um jogo eletrônico, que poderia ser dizimada por movimentos frenéticos de veículos, em distintas velocidades, insensíveis aos pedidos de compreensão de 3 invisíveis pedestres que pretendiam, apenas, passar de uma calçada esburacada a outra, em dois pontos separados pelo rio. Por volta de 18h20min, enfim, chegaram à margem oposta, após uma brevíssima pausa no meio da ponte Cidade Jardim, para apreciação da nervosa imagem que se projetava pela Marginal, que começava a se iluminar com estáticos focos vermelhos em toda sua extensão. Retomou-se a caminhada rumo ao Templo Sagrado do futebol pela Av. dos Tajurás. Algumas centenas de metros adiante, Olivia e João acusaram vontade de ir ao banheiro. Por sorte, estavam diante de uma farmácia. E de um ponto de ônibus. Ali estava a solução! Após o aliviamento das necessidades, subiriam todos num coletivo. O primeiro a passar dirigia-se ao Palácio do Governo. Perfeito. Mas os dois continuavam no interior da loja. O segundo, para Av. Giovanni Gronchi. Melhor ainda. Mas o pai ainda restava solitário. Quando o terceiro se apresentou, o destino era o Butantã. Entraram, os três, mesmo assim. O ônibus partiu. Um breve diálogo com o motorista revelou que a decisão fora equivocada. O pai pediu para saltar no ponto seguinte, quase na trifurcação de Rua Eng. Oscar Americano, Av. São Valério e Av. Lineu de Paula Machado. Sensibilizado com a apreensão familiar, o motorista autorizou a descida, pela porta da frente. Renovavam-se, ali, as alternativas: aguardar outro ônibus ou continuar a pé (o que implicaria a superação de subidas e descidas íngremes, realmente íngremes, até o destino final - e com menos tempo pela frente). O pai foi vencido, mais uma vez: retomariam a marcha. Mas, antes, pediu para aguardarem alguns minutos, esperançoso de que outro ônibus os carregasse. Uma moça, plantada no ponto, ouviu o diálogo e, de modo cordial, avisou que as linhas que paravam por ali não subiam ao estádio. Teriam duas opções: retroceder ao ponto de origem ou prosseguir e aguardar no ponto seguinte, ao pé da ladeira. Voltariam a andar, como se fossem pagadores de promessa, que se deslocam de São Paulo a Aparecida; ou melhor, no caso, ao Morumbi, para, também no caso, provar a convicção tricolor. O relógio não colaborava: já eram 18h40min. Foi quando um veículo de passeio de grande porte estacionou ao lado do ponto. A janela do passageiro se abriu e um homem, vestido com a camisa do São Paulo e com sotaque carregado, ofereceu carona. Entre as lembranças de recomendações recebidas na infância de jamais aceitar ofertas semelhantes de estranhos - repetidas aos seus próprios filhos - e a perspectiva da caminhada (além da intuição paternal), os três se acomodaram, com conforto, no banco traseiro. Após curto diálogo de agradecimento e apresentação, notaram que os ocupantes dos bancos dianteiros eram estrangeiros. Libaneses, envolvidos em negócios com o Brasil há décadas. A narrativa poderia seguir direção cinematográfica, com ilações sobre a licitude (ou não) das atividades que empreendiam, a real intenção da suposta gentileza ou coisas parecidas. Mas, não. Os 20 minutos que se seguiram foram marcados por lições sobre gastronomia e culinária do Libano, eventos históricos do país, a origem da decadência econômica, os fardos do colonialismo norte-americano e a relação com o SPFC, time dos corações (que justificava, em certas ocasiões, até mesmo viagens internacionais). Enfim, sem muita dificuldade, estacionaram nos arredores do Morumbi (o motorista conhecia uma espécie de esconderijo para alojar seu carro). Após a despedida, o pai, um pouco constrangido, renovou a lição aos filhos, minutos atrás inobservada: nunca, nunca façam o que acabei de fazer - disse. Piedosos, João e Olivia externaram em suas faces, sem verbalizar nada, a inevitável pergunta: então, por que acabou de fazer? 19h10min: os três chegaram ao portão de acesso às cadeiras cativas, diante do qual se projetava uma fila jamais (ou poucas vezes) vista naquele setor, que deveria ser motivo de impropérios. Mas não havia como maldizer, naquele momento, a espera para, sem bater, adentrar a porta do céu.  
O Brasil caminha para formação do maior mercado do futebol do planeta. Recente movimento, que indica uma inequívoca integração de política pública, foi realizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia reguladora do mercado de capitais. Motivada pelo advento da Lei da SAF, a CVM divulgou o Parecer de Orientação CVM n. 41, de 21 de agosto de 2023, no qual consolida o "entendimento da Autarquia sobre as normas aplicáveis às Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) que desejarem acessar o mercado de capitais para financiar suas atividades". Parecer de Orientação não tem natureza de lei. Trata-se de ato administrativo que visa orientar o mercado em geral, incluindo investidores e tomadores de capital, sobre matéria que cabe à CVM regular. A orientação tem mais um propósito: veicular as manifestações da própria CVM a respeito da sua interpretação da lei 6.385/1976 e da lei 6.404/1976. A primeira lei criou, em 1976, a CVM e dispôs sobre o mercado de capitais. A segunda reformulou, no mesmo ano, a sistemática das sociedades por ações, em especial da sociedade anônima (ou companhia), que é o tipo concebido para organizar empresas que pretendam acessar o mercado de capitais. De modo bem suscinto, mercado financeiro latu sensu engloba o mercado financeiro em sentido estrito e o mercado de capitais. O mercado financeiro em sentido estrito cuida de negócios em que se apresenta um intermediário, geralmente uma instituição financeira, que estabelece relações com um poupador, de um lado, e um tomador, de outro. O intermediário se interpõe, portanto, entre poupador e tomador, e com cada um deles estabelece uma relação autônoma. De modo geral, ele paga ao poupador uma remuneração pelo depósito de seus recursos e, em seguida, empresta os recursos (ou parte deles) ao tomador, mediante cobrança de taxas contratadas. No âmbito do mercado de capitais, o intermediário desaparece. Uma das finalidades desse mercado consiste justamente na desintermediação. O tomador acessa diretamente a poupança popular mediante operações de emissão de ações ou de instrumentos de dívida. O custo, em tese, tende a ser menor; e as alternativas, maiores. É no ambiente do mercado de capitais, grosso modo, que a CVM exerce competência regulatória; e é sobre ele, também, que se projeta o benfazejo Parecer de Orientação.  Nesse sentido, o art. 8º da Lei 6.385/1976 atribuiu à CVM competência para, dentre outras atividades, "I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações; (...); III - fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o Art. 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados (...); V - fiscalizar e inspecionar as companhias abertas dada prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório". Não parece haver dúvida, portanto, acerca da mensagem contida na iniciativa. Com o advento da Lei da SAF, que instituiu no Brasil a sociedade anônima do futebol (a qual, por sua vez, é um subtipo de sociedade anônima), a CVM anuncia que, pela primeira vez na história - não apenas do mercado brasileiro, mas mundial -, está de olho na formação do ambiente em que operações futebolísticas ocorrerão. Ainda - e não menos relevante -, que ela (a CVM) tem competência regulatória sobre operações de SAF no mercado de capitais e que, em relação a esses negócios, espera-se a observância a certo padrão de conduta compatível com a sistemática do mercado. A competência da CVM compreende a produção de normas infralegais - sob a forma, por exemplo, de Resolução - e as atividades fiscalizatórias e sancionatórias, conforme conteúdo da lei 6.385/1976. Com isso, clubes que pretendam estruturar operações de SAF combinadas com acesso ao mercado de capitais terão, com o advento do Parecer de Orientação, maior segurança em relação aos modelos que forem negociados com financiadores e ofertados ao mercado; e financiadores, por outro lado, poderão reforçar suas apostas no ambiente brasileiro do futebol mediante absorção e implementação do conteúdo orientativo. A CVM adverte, no âmbito do texto, que não lhe cabe a supervisão de operações privadas com ações - ou de quaisquer operações que ocorram fora do ambiente do mercado de capitais, a exemplo de aportes privados e diretos de capital em SAF (como aqueles ocorridos com Botafogo, Cruzeiro e Vasco). Isso não impede que agentes envolvidos em tais relações adotem como referência - e fonte - o conteúdo do Parecer, o qual, aliás, não inova ou cria novas normas (o que nem poderia), mas se trata de uma peça afirmativa de inegável qualidade, que servirá não apenas de orientação, como também para estabilizar a aplicação de certos conteúdos da Lei da SAF.   
Recente matéria do colunista do UOL, Rodrigo Mattos, informa que determinada consultoria brasileira estaria seguindo caminho inverso ao de diversos investidores nacionais ou estrangeiros que se interessaram, desde o advento da Lei da SAF, pelo mercado local do futebol; assim, o sentido da consultoria seria a aquisição de times no exterior, em especial na Europa, com recursos levantados, aparentemente, por lá e por aqui. Levantamento de recursos para investimento no exterior não é uma novidade. A notícia não teria maior interesse se o foco não fosse o futebol e se do grupo de idealizadores não participasse César Grafietti, um dos pioneiros - se não o pioneiro - na produção de relatórios financeiros sobre os times brasileiros. Trata-se, pois, de empresa que conhece o país e o negócio futebolístico. E, mais importante, pela motivação: a alegada desregulamentação do mercado brasileiro. O leitor apressado poderia concluir que o Brasil sofre de carência legislativa no âmbito do mercado do futebol, a despeito da novidade representada pela já mencionada Lei da SAF; mas não é disso que se trata. As considerações da consultoria, pelo que se depreende, referem-se, na verdade, à falta de regulação no plano esportivo, portanto, da própria atividade empresarial (que vem a ser a futebolística). Isto porque, ao contrário de alguns países europeus, que não se ocuparam da legislação do mercado do futebol, e de outros que seguiram modelos relativamente simplistas e dirigidos a uma determinada natureza de problema, o Brasil instituiu uma legislação sem precedentes, para formação de um ambiente sustentável, que já produz efeitos após pouco tempo de existência. Além disso, está em curso, no Senado Federal, uma proposta de reforma pontual da Lei da SAF, de autoria do Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que, uma vez consumada, reforçará a segurança sistêmica. Não se revela, por aqui, uma ineficiência no plano legislativo; ao contrário. A matéria, porém, voluntária ou involuntariamente, joga luz sobre o tema que esta coluna passou a abordar desde a semana passada: a necessidade de regulação infralegal, mas, no caso, do mercado que se está formando para financiar e deter a atividade e os ativos do futebol - abrangência distinta, portanto, da atividade profissional de prática esportiva. Para isso, a regulação (infralegal) deve, sim, se estender ao mercado do futebol, a partir do chassi inaugurado pela Lei da SAF, de modo a fomentar o desenvolvimento do setor e definir padrões de conduta que, ao cabo, protegerão, direta ou indiretamente, torcedores, clubes e os próprios investidores. A história oferece alguns elementos de referência, como a regulação por intermédio de agências, que tiveram origem nos Estados Unidos da América, no século XIX, para organizar setores que, dentre outros aspectos, se sujeitavam à concorrência predatória e ao desperdício de inciativas ou recursos. Décadas depois, sob a presidência de Franklin D. Roosevelt, as agências regulatórias independentes foram intensificadas no âmbito de programas que visavam, a um só tempo, retomar o desenvolvimento do país, após a grande crise do final da década de 20 e início da de 30, evitar distorções de mercado e neutralizar a influência de grupos de interesses sobre a política de setores essenciais e estratégicos. Tal caminho influenciou outras legislações. As modernas agências ou agências independentes, no Brasil, passaram a ter papel relevante a partir do Programa Nacional de Desestatização, nos anos 1990. Pretendia-se, ali, estimular a transferência à iniciativa privada de atividades ou serviços outrora monopolizados pelo Estado. Assim, as agências cumpririam diversas funções, como a de promotora e fiscalizadora dos serviços privatizados. Veja-se, nesse sentido, o que se extrai do sítio eletrônico da Anatel: "A Agência trabalha com o objetivo de promover o desenvolvimento das telecomunicações do País de modo a dotá-lo de uma moderna e eficiente infraestrutura de telecomunicações, capaz de oferecer à sociedade serviços adequados, diversificados e a preços justos, em todo o território nacional". Mas não apenas para tais fins que elas foram idealizadas. Outros propósitos também as justificaram, como o fomento setorial. A Ancine é um exemplo: foi criada em 2001 para fomentar, regular e fiscalizar o mercado do cinema e do audiovisual. E não para por aí. Existe, atualmente, iniciativa que pretende a criação de agência nacional para zelar pela integridade do mercado do esporte, voltada à prática esportiva, para torná-la livre de quaisquer influências prejudiciais ao próprio mercado - associada, aliás, à necessária regulação da atividade de apostas. Todos esses exemplos indicam que o mercado do futebol - que não se confunde com a atividade futebolística -, ambiente em que poupadores, provedores de capital (investidores) e tomadores (sociedades anônimas do futebol) se relacionarão, deve ser olhado como prioritário pelo Estado, a fim de regulá-lo, com o propósito de estabelecer padrões de condutas e evitar distorções que poderão afetar, mais do que consumidores, torcedores, muitas vezes passionais. E, assim, evitar ou diminuir a ocorrência de movimentos predatórios e, no limite, de crises sistêmicas.
No livro Futebol, Mercado e Estado - Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento1, que foi o embrião da Lei da SAF e da própria SAF, sugeriu-se a criação de uma Comissão Nacional de Valorização, Integração e Desenvolvimento do Futebol e do Mercado do Futebol, com o propósito de criar e implementar normas infralegais para formação do ambiente em que clubes, investidores e demais agentes pudessem, com segurança, se encontrar, realizar negócios e desenvolver a atividade futebolística no país (e contribuir, portanto, para o desenvolvimento econômico e social). A proposta foi deixada de lado durante o processo legislativo, não por falta de mérito, mas por conveniência política (assim como também caíram outras sugestões igualmente relevantes, a exemplo da possibilidade de conversão de créditos tributários em participação societária em SAF, com a condição de que as ações de emissão da SAF recebidas pelo credor fossem subsequentemente vendidas em bolsa de valores, dentro de curto prazo previsto no próprio projeto). Entendeu-se, lá atrás - e com razão -, que o debate em torno da Comissão politizaria o trâmite e, talvez, inviabilizasse a consumação do propósito maior, consistente na criação da SAF. Importante lembrar: quando a ideia surgiu e, ainda, durante todos os anos em que perambulou como projeto de lei, quase ninguém acreditava que a SAF poderia prosperar, por conta da resistência de uma casta cartolarial hermética e intransigente, estabelecida especialmente em entidades de administração (mas presente também em entidades de prática esportiva), que dominava a pauta e impunha obstáculos à oxigenação do sistema.  Passados dois anos do advento da Lei da SAF, e após a ocorrência de dezenas de negócios, dos mais singelos aos realmente complexos, o tema merece ser resgatado. E há motivos para isso: a solução do futebol, como sempre afirmou nesta coluna, adviria - e advirá - de uma conjunção de forças do mercado e do Estado. Os papeis são claros: o Estado regula, fiscaliza e sanciona (para, assim, oferecer segurança, confiabilidade e previsibilidade), enquanto o mercado disponibiliza recursos e cria instrumentos para realização de financiamentos e investimentos (dentro de um ambiente jurídico conhecido e regulado). E é justamente por isso que a criação de uma comissão, uma agência reguladora ou outra figura - cuja natureza e sua alocação serão oportunamente investigadas neste espaço - faz mais do que sentido: representa, na verdade, a complementação estrutural (e necessária) do chassi instituído pela Lei da SAF. Neste sentido, a Lei da SAF cria o espaço de atuação dos proprietários do futebol (os clubes), bem como dos agentes econômicos, e, dentro dele, confere liberdade de atuação; porém, mesmo dentro de seus limites espaciais, a atividade, pela sua relevância econômica e social, deve ser objeto de normatização infralegal e, como já se afirmou acima, de fiscalização. O sistema já oferece estruturas mais ou menos semelhantes. Veja-se, por exemplo, a atribuição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel): "cabe à Anatel adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade". No âmbito do mercado do futebol, há, de modo indiscutível, um interesse público a zelar; assim como também se deve desenvolver a atividade que é acompanhada com maior ou menor frequência por aproximadamente 150 milhões de brasileiros e que, talvez mais do que qualquer outra, pode contribuir para a inclusão das gentes e o crescimento de todas as regiões do país. Outros argumentos se somam aos anteriores: nenhuma autarquia, agência ou entidade pública ou privada (de qualquer natureza) tem competência para atuar da forma que se propõe, no âmbito do mercado do futebol, incluindo a CVM, a CBF ou federações estaduais, de modo que, conforme a arquitetura atual, inexistem orientações ou vias específicas de fiscalização do ambiente em formação. Sob outro enfoque (o sistêmico), o impacto positivo ou negativo, de distintas naturezas, que as operações em clubes podem gerar, justifica a definição de normas e vias fiscalizatórias, para que o mercado do futebol (que não se confunde com mercado regulado e fiscalizado pela CVM) se forme e, sobretudo, seja um ambiente sustentável e arredio às condutas inapropriadas que o colocariam em risco. Sem contar investidores, clubes, atletas, empregados, fornecedores, prestadores de serviços e outros, o mercado do futebol, mesmo em seu estágio inaugural, já teria o potencial de afetar mais de 25 milhões de pessoas (ou aproximadamente 5 vezes o número de CPFs cadastrados na B3), levando-se em conta, apenas, os torcedores de Cruzeiro, Coritiba, Galo, Vasco, Botafogo e outros times cujos processos de criação de SAF foram concluídos ou estão em andamento. Motivos não faltam, portanto, para resgate e implementação da proposta - a qual continuará a ser explorada nesta coluna. __________ 1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. - São Paulo: Quartier Latin, 2016.
Em continuidade aos textos publicados nas duas últimas semanas, abordam-se os últimos (porém, não menos importantes) aspectos do PL 2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que tem como propósito introduzir pontuais (e pertinentes) alterações à Lei da SAF. Eficácia do regime centralizado de execuções (RCE) O art. 15 da Lei da SAF estabelece que o clube que adotar o RCE deverá pagar seus credores em seis anos. Surgiram teses a respeito do fluxo de pagamentos dentro deste período. Houve quem ensaiasse afirmar que, desde que respeitado o limite máximo, o devedor poderia liquidar suas obrigações em parcela única, no último dia do prazo. Para afastar construções oportunísticas, pretende-se instituir, com a reforma, o novo §3º, segundo o qual "o pagamento referido no caput deste artigo deverá ser feito mensalmente, com observância do disposto no inciso I do art. 10 desta Lei, exceto se o plano de credores dispuser de modo diverso". Também se pretende instituir novo §4º para estabelecer que a mensalidade (portanto, o pagamento mensal) equivalerá a, no mínimo, 20% da totalidade das receitas correntes mensais auferidas pela SAF e transferidas ao clube na forma do art. 10, inciso I. Conversão de crédito detido contra o clube em ações da SAF A reforma sugerida para o art. 20 organiza os conceitos nele contidos. Já se previa, desde o advento da Lei da SAF, que o crédito contra o clube poderia ser convertido em capital da SAF. Aliás, a Lei das Sociedades por Ações estabelece, no art. 7º, que o capital de uma companhia pode ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. Faltava instituir, porém, procedimento mínimo para conversão, especialmente pelo fato de que clube e SAF não se confundem, e credor do clube não é credor da SAF. De modo que, ao integralizar crédito em SAF, o credor, quando autorizado, levará uma obrigação de terceiro (do clube) para dentro da SAF. Daí o art. 20 prever que "ao credor, titular de crédito contra o clube ou pessoa jurídica original, é facultada a conversão, no todo ou em parte, de seu crédito, em ações de emissão da Sociedade Anônima do Futebol, desde que a conversão e os respectivos critérios sejam aprovados pela assembleia geral de acionistas da Sociedade Anônima do Futebol".  Responsabilidade subsidiária O art. 24 cria uma hipótese excepcional - a única, aliás - de responsabilização da SAF por obrigações do clube. A responsabilidade não nasce com a constituição da SAF; ela somente se apresentará se, cumulativamente, o clube que constituir a SAF adotar o RCE e, no período previsto na Lei da SAF, não quitar as obrigações constantes do plano de pagamento. Ao cabo do prazo de seis ou dez anos, conforme o caso, e somente ao cabo, persistindo obrigações no âmbito do RCE, a SAF passará a ser, a partir daí, subsidiariamente responsável. É o que se estabelece no art. 24: "superado o prazo estabelecido no art. 15 desta Lei, a Sociedade Anônima do Futebol passará a responder subsidiariamente pelas execuções anteriores à sua constituição, que não tiverem sido satisfeitas no âmbito do Regime Centralizado de Execuções, nos limites estabelecidos no art. 10 desta Lei". Conflito entre RCE e recuperação judicial Esse tema surgiu em decorrência da formulação de desistência do RCE, promovida por determinado clube, após o requerimento superveniente de recuperação judicial. No caso, o procedimento ainda era incipiente: não havia plano e nenhum ato fora praticado. Mesmo assim, chegou-se a suscitar que a manutenção do RCE era obrigatória. A convivência dos dois regimes seria caótica. Execuções contra o devedor são abrangidas pela recuperação judicial e se submetem a tratamentos próprios, como o previsto no art. 6º, II da Lei de Recuperações e Falências, que determina, em função do deferimento do processamento da recuperação, a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor. De todo modo, para evitar insegurança em relação ao tema, cria-se, no âmbito da reforma, novo parágrafo ao art. 25, com o seguinte conteúdo: "deferido o processamento da recuperação judicial formulado pelo clube, será automaticamente extinto o Regime Centralizado de Execuções em curso, passando as execuções a se sujeitarem ao disposto na lei referida no caput deste artigo". Prazo para instituição do PDE Aí está mais uma louvável mudança pretendida com a reforma. A Lei da SAF criou o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), que objetiva promover medidas em prol do desenvolvimento da educação, por meio do futebol, e do futebol, por meio da educação, mediante celebração de convênios entre a SAF e instituições públicas de ensino. O texto atual não fixa prazo para instituição do PDE pela SAF e não prescreve sanção para a SAF que não o instituir. A redação proposta no âmbito da reforma para o art. 28 e seus parágrafos 4º e 5º resolvem o problema: a SAF passará a ter, a partir de sua constituição, 12 meses para celebrar o convênio. Caso não observe o prazo ou, na hipótese de extinção de PDE existente, não celebre novo programa em seis meses, a SAF deverá abandonar o TEF (regime de tributação específica do futebol, criado pelo art. 31 da Lei da SAF). Conceito de receita mensal Promove-se, para concluir, uma cirúrgica intervenção no §1º do art. 32, com a finalidade de explicar o que já estava contido no texto original, a fim de evitar, pelos motivos adiantados acima, desgastes e insegurança em relação ao conteúdo normativo. O texto do mencionado parágrafo passa a ser o seguinte: "para fins do disposto exclusivamente no caput deste artigo, considera-se receita mensal a totalidade das receitas recebidas pela Sociedade Anônima do Futebol, inclusive as oriundas de prêmios e programas de sócio torcedor, excetuadas as relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas, que serão isentas durante o prazo ali previsto". Chega-se, assim, ao fim da série de textos explicativos da benfazeja reforma pretendida com o PL 2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG).  
Em continuidade ao texto publicado semana passada, abordam-se outros aspectos constantes do Projeto de lei  2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que tem como propósito introduzir pontuais (e pertinentes) alterações à Lei da SAF. Transparência O art. 8º, que relaciona informações ou atos que devem ser publicizados pela SAF, ganha três novos incisos. Com eles, a SAF deverá manter em seu sítio eletrônico:  (a) "as atas de assembleia geral, de reunião do conselho de administração, de reunião da diretoria e de reunião do conselho fiscal, sendo autorizada a publicação sem o conteúdo de matérias confidenciais ou que possam ser prejudiciais aos interesses das atividades da Sociedade Anônima do Futebol, observado que, nestes casos, a ata com conteúdo integral deverá ser transcrita no respectivo Livro Social, na forma do art. 100 da lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976"; (b) o nome da pessoa natural que, direta ou indiretamente, exerça o controle ou que seja a beneficiária final de qualquer pessoa jurídica que detiver participação igual ou superior a 5% do capital social da SAF; e (c) os nomes dos acionistas da SAF, com a indicação da quantidade de ações e o percentual de cada. Trata-se de uma elogiável evolução do modelo, que tem como objetivo oferecer mais informação e transparência à sociedade em geral no tocante aos atos praticados pelos dirigentes de times (que, não raro, são trancafiados e submetidos a sigilos incompatíveis com a natureza de negócios realizados) e à identidade de pessoa que detenha, direta ou indiretamente, participação em SAF. Responsabilidade A reforma propõe ajustes à redação do art. 9º, que passa a expor, com clareza, o conteúdo que se instituiu desde a origem da Lei da SAF mas que, por interpretações erráticas, foi submetido a tentativas de desvirtuamento de finalidade. A SAF não responde pelas obrigações do clube ou da pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição. Esta é a regra geral. Há exceção, porém: a SAF será responsável pelas obrigações que lhe forem expressamente transferidas pelo clube ou pela pessoa jurídica original nos atos de sua constituição. A transferência somente poderá envolver patrimônio (portanto, direitos e obrigações) relacionado ao objeto social da SAF. Responsabilidade dos clubes perante credores e fontes de recursos para pagamento de credores As alterações ao art. 10 reafirmam que o clube ou a pessoa jurídica original é integral e exclusivamente responsável por suas obrigações, que deverão ser liquidadas com receitas próprias (geradas pelo próprio clube), mas, também (e isso já existia), com receitas provenientes da SAF. Estas receitas (oriundas da SAF), poderão advir de: 20% dos valores mensais de qualquer natureza, exceto de natureza financeira, auferidos pela SAF, na hipótese de adoção pelo clube do Regime de Centralização de Execuções ("RCE"); e 50% dos dividendos, dos juros sobre capital próprio e de qualquer outra remuneração ou contrapartida recebida pelo clube ou pela pessoa jurídica original da SAF, na condição de acionista, vendedor, locador, arrendador, cedente de qualquer direito ou prestador de serviços para a Sociedade Anônima do Futebol. Acrescenta-se, assim, uma série de relações jurídicas originadoras de recursos financeiros (como a locação ou o arrendamento) que, ao ingressarem no clube, deverão ser por ele destinados à satisfação de seus credores. A reforma traz mais uma importante novidade, igualmente voltada à geração de receita aos clubes: enquanto o clube ou a pessoa jurídica original permanecer acionista da SAF e registrar em suas demonstrações financeiras obrigações anteriores à constituição da SAF, esta deverá distribuir, como dividendo mínimo obrigatório, em cada exercício social, pelo menos 25% do lucro líquido ajustado conforme o art. 201 da Lei das Sociedades Anônimas. Registra-se, ainda, que a integralidade das receitas e contrapartidas recebidas pelo clube, provenientes da SAF, deverá ser direcionada ao pagamento de credores anteriores à constituição desta, até a integral liquidação de todas as obrigações. Constrição ao patrimônio ou às receitas da SAF  Partindo-se da premissa de que o clube é responsável por suas obrigações e que a SAF é uma entidade jurídica autônoma, que poderá contribuir para satisfação dos créditos de credores por via das hipóteses previstas no art. 10 (apresentadas acima), e ainda que o funcionamento da SAF interessa à sociedade em geral pois se tornará um centro de geração de empregos, riquezas e arrecadação de tributos, o art. 12  veda "qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas da SAF, inclusive por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie, com relação às obrigações do clube ou da pessoa jurídica original, anteriores ou posteriores à constituição da SAF". Essa regra geral não é absoluta e poderá ser afastada em casos patológicos de fraude ou de confusão patrimonial entre SAF e clube (situações verificáveis com base no caso concreto).  Destinação do RCE  A Lei da SAF trata apenas da SAF e dos procedimentos de passagem do modelo associativo ao empresarial. Ela não institui mecanismo em benefício de clube (portanto, associação civil) que mantenha sua natureza, inclusive relacionado à adoção do RCE. O novo parágrafo 3º do art. 14 afasta qualquer dúvida (que não deveria ter existido) em relação a isso: "O Regime Centralizado de Execuções se destina apenas ao clube ou à pessoa jurídica original que tiver constituído a Sociedade Anônima do Futebol na forma dos incisos II ou IV do caput do art. 2º." Os demais itens da reforma serão abordados no texto final da série, que será publicado na próxima semana. 
O tema da evolução da Lei da SAF e de sua reforma pontual foi introduzido na coluna da semana passada (14 de junho), assinada por um dos autores do presente texto. A reforma, consubstanciada no projeto de lei 2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que também é o autor da própria Lei da SAF, tem como propósito dar continuidade à construção de ambiente seguro do ponto de vista jurídico-institucional e, assim, viabilizar a construção do - essa é a finalidade - maior mercado de futebol do planeta. Daí a pertinência da iniciativa, que se passa a comentar, em uma série de textos (da qual este consiste na primeira parte). Propriedade Intelectual A reforma traz uma mudança (quase) semântica, porém necessária, ao admitir de modo expresso que a SAF poderá prever, em seu objeto, a exploração de direito de propriedade intelectual, como marca ou patente, inclusive de terceiros. A novidade consiste na desvinculação expressa do ato exploratório com uma propriedade alheia, conforme redação atual: "a exploração de direitos de propriedade intelectual, inclusive de terceiros, relacionados ao futebol". Portanto, no âmbito de projeto de constituição de SAF, o clube criador pode manter a marca em sua esfera patrimonial e licenciar o uso para SAF ou transferi-la, a título de propriedade, para SAF. Em qualquer caso, a SAF estará autorizada a promover a sua exploração. Participação em outras sociedades Propõe-se, na reforma, apenas a eliminação de um obstáculo à expansão territorial da SAF. O texto original admite a participação de SAF em outras sociedades, desde que se localizem no Brasil. Veda-se, assim, a participação direta em sociedades estrangeiras. Em outras palavras, o texto atual não impede que uma SAF constitua uma sociedade empresária no Brasil que deterá, por sua vez, participação societária em sociedade no exterior, mas veda o investimento direto da SAF na mesma sociedade estrangeira. A reforma afastará, portanto, custos desnecessários para que uma SAF capitalizada adquira, por exemplo, um time em Portugal e intercambie seus jogadores dentro do mesmo grupo econômico. Com isso, poderá se apropriar dos ganhos que, atualmente, se dividem entre intermediários e clubes europeus de passagem. Constituição da SAF O art. 2º passará a prever, de modo expresso, quatro modalidades de constituição da SAF, com a inclusão do inciso IV, composto da seguinte forma: "pela subscrição, pelo clube ou pessoa jurídica original, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no estatuto, e integralização do capital subscrito com patrimônio relacionado à prática do futebol". Não se trata de novidade, pois o art. 3º já autorizava a adoção da subscrição de ações de SAF pelo clube como via constitutiva. Apesar disto, a nova redação organiza de modo adequado em único dispositivo o cardápio de opções. Sucessão Os ajustes pontuais contidos no art. 2º, §1º, inciso I contribuem para organizar o regime jurídico da sucessão, no âmbito de processo constitutivo de SAF. A SAF, em primeiro lugar, sucederá o clube nas relações com entidades de administração. Não havia celeuma em relação a esta solução, que permanece intacta. A SAF também será sucessora do clube que a constituir nas relações contratuais existentes com atletas em formação, atletas profissionais e demais pessoas vinculadas à atividade do futebol, cujos contratos forem expressamente transferidos para SAF, no ato de cisão ou de subscrição de capital (conforme os incisos II ou IV do art. 2º). Ações Classe A A reforma oferece um interessante encaminhamento às ações classe A, que conferem ao seu titular direitos especiais, como todos aqueles relacionados à preservação das tradições esportivas e culturais, tais como hino, cor, marca, brasão, etc. Por conta destas características, apenas o clube fundador da SAF poderá deter tais ações classe A, sendo-lhe interditada a doação, venda, troca ou qualquer ato de disposição. Isso não significa que o clube não possa, eventualmente, pretender desmontar a sua posição de acionista. Para que isto ocorra, as ações classe A deverão ser previamente convertidas em ações ordinárias comuns, caso em que as restrições deixarão de ser aplicadas.   Grupo econômico A formação de grupo econômico, do ponto de vista prático, se verifica pela identificação de um feixe relacional que evidencia a preponderância de uma sociedade, geralmente controladora direta ou indireta, sobre outras. O abalo da autonomia, decorrente da situação grupal, implica a formulação de um regime especial de atribuição de responsabilidades. Porém, a mera identidade de sócios ou a participação de uma sociedade em outra não configura o grupamento. A existência decorre, portanto, da identificação de elementos inerentes ao grupo no âmbito de casos concretos. Esta proposição foi consolidada, aliás, no art. 2º, §3o da CLT: "não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes". Apesar da existência de normas inequívocas em tal sentido, a tentativa de rompimento sistêmico, que levará (ou levaria) a uma situação de intolerável insegurança - o que se revela pela multiplicação de ações judiciais de natureza cível ou trabalhista com base em tal tese - justifica a proposta da inclusão do seguinte parágrafo ao art. 2º: "§7º A constituição da Sociedade Anônima do Futebol não implica a formação de grupo econômico entre ela e o clube ou pessoa jurídica original que a constituir." Governança O aperfeiçoamento do sistema interno de governança da SAF está distribuído em dois novos dispositivos. O §6º prevê que ao menos um membro do conselho de administração e um membro do conselho fiscal deverão ser independentes, conforme conceito estabelecido pela CVM. A independência de ao menos um conselheiro e de um fiscal (que, pela natureza, já é independente) contribuirá para oxigenação administrativa e, sobretudo, para reforçar o processo de profissionalização dos órgãos de administração da SAF. Além disso, a reforma propõe a introdução do art. 5º-A, que estabelece que o "administrador residente ou domiciliado no exterior deverá, previamente à investidura no cargo, constituir representante residente no País, com poderes para, durante todo o prazo de gestão e, no mínimo, nos seis anos seguintes, receber citações, intimações ou convocações em quaisquer ações, processos administrativos ou procedimentos arbitrais ou judiciais, contra ele propostos". Demais pontos contidos na reforma serão apresentados nas colunas das próximas semanas.