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As obrigações da SAF e dos agentes integrantes do novo microssistema do futebol e a necessidade de derrubada dos vetos à Lei Rodrigo Pacheco

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Atualizado às 07:39

O art. 6º da Lei Rodrigo Pacheco (lei 14.193/21), criadora do novo mercado do futebol e da SAF, estabelece que a pessoa jurídica que detiver participação igual ou superior a 5% do capital social da SAF deverá informar à própria SAF e à CBF o nome, a qualificação, o endereço e os dados de contato da pessoa natural que, direta ou indiretamente, exerça o controle da entidade ou que seja a sua beneficiária final. A inobservância dessas normas implicará suspensão dos direitos políticos e retenção dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra forma de remuneração eventualmente declarados, até o cumprimento desse dever.

Cria-se, assim, um necessário instrumento informacional para o clube criador da SAF, para os torcedores e para o mercado em geral, incluindo-se jornalistas e autoridades, consistente na identificação da pessoa que, de fato, manda no investidor pessoa jurídica que detiver participação na SAF.

E vai além: trata-se, na verdade, de um dos pilares de sustentação do novo mercado do futebol, concebido para oferecer um ambiente jurídica e estruturalmente seguro e sustentável.

Assim, a Lei Rodrigo Pacheco cria o mecanismo adequado para superar barreiras societárias ou de outras naturezas erigidas para evitar que pessoas naturais controladoras ou beneficiárias finais de investidoras no futebol brasileiro sejam reveladas. É verdade que ela não acabará com as modelagens locais ou internacionais arquitetadas para dificultar, por diversos motivos, a revelação do verdadeiro proprietário de determinados ativos; mas servirá como obstáculo para sua criação no microssistema da SAF.

Imagine-se, portanto, que uma SAF tenha em seu quadro de acionistas determinada pessoa jurídica, titular de ações representativas de 20% do respectivo capital social. Esta por sua vez tem dois acionistas: uma pessoa física norte-americana e uma sociedade com sede no Panamá. A sociedade panamenha, ao seu turno, tem dois acionistas: uma pessoa jurídica constituída de acordo com as leis da Holanda, titular de 51% das ações, e outra constituída de acordo com as Leis da Austrália. O capital da companhia holandesa é distribuído entre uma pessoa física residente em Londres, titular de 50% mais uma das ações, e o restante das ações está distribuído entre 4 pessoas físicas residentes em diferentes países. É a pessoa física residente em Londres que a lei brasileira pretende que seja revelada como controladora final da pessoa jurídica investidora da SAF.

A revelação deverá ser feita à própria SAF investida e à CBF. Enquanto ambas as entidades não tiverem sido providas com as devidas (e idênticas) informações, o comando legal não terá sido atendido.

Apesar de não ter sido previsto prazo, a obrigação se aplicará no imediato momento em que a pessoa jurídica se tornar acionista da SAF. Caso, porém, seja inobservada a regra, desde o descumprimento, então, os direitos políticos e econômicos ficarão suspensos. As consequências, pela sua gravidade, devem servir de estímulo à observância das normas contidas na Lei.

Aliás, a SAF que houver recebido as informações deverá se certificar, antes da realização de assembleia geral de acionistas na qual os direitos políticos poderiam ser exercidos - ou, então, antes do pagamento de qualquer remuneração ao investidor -, que a CBF também foi destinatária das mesmas informações.

O dever de informar se renova a toda mudança do conteúdo informacional mandatório, incluindo-se as eventuais (ou constantes) alternâncias do controlador direto ou indireto da pessoa jurídica acionista da SAF.

A suspensão dos direitos, vale registrar, não tem caráter expropriatório, pois esses serão restabelecidos, inclusive no tocante ao recebimento de remunerações retidas, com a entrega da informação antes sonegada.

O art. 6º foi originalmente composto por parágrafo único que, de maneira acertada, prevê a aplicabilidade das normas também aos fundos de investimento, os quais, por meio de sua instituição administradora, devem informar à SAF o nome dos cotistas titulares de cotas correspondentes a 10% (dez por cento) ou mais do patrimônio, se houver. 

Tal parágrafo foi vetado pela Presidência da República, sob o argumento de que "fundos de investimento contam com estruturas de gestão profissional e discricionária, ou seja, sem influência dos cotistas nas decisões de investimento ou nos direitos políticos correspondentes às ações que integram seu patrimônio".

Apesar do temor presidencial de que a preservação do parágrafo poderia afugentar do mercado do futebol interessados na aplicação de recursos disponíveis, a natureza da atividade investida e a obscuridade que pautou, historicamente, o envolvimento de investidores no futebol, justificam a extensão do conteúdo do caput aos fundos de investimento (e seus cotistas).

O problema que assola a atividade futebolística não é de falta de liquidez; há muito dinheiro disponível, aqui ou no exterior, para bons projetos, de quase qualquer espécie. O que falta, sobretudo no âmbito do futebol, é ambiente seguro e crível para abrigar, de um lado, agentes como a SAF e, de outro, entidades para recepcionar recursos realmente interessados no desenvolvimento da atividade.

Nesse momento da história do esporte no país, em que se constata uma crise sistêmica provocada pelas práticas e pela falta de transparência do associativismo, o caminho que se deve construir é o do disclosure total. E isso exige uma adaptação conceitual para que não se deturpe um dos princípios essenciais da Lei Rodrigo Pacheco, pela adoção de instrumentos que, conquanto legais e legítimos, podem se prestar a fins distintos dos pretendidos.

O parágrafo único, aliás, não impede a participação de fundos de investimento no mercado do futebol; ao contrário. Mas exige que, pelas características do mercado que se pretende construir, o fundo revele, para SAF e para entidade de administração, informações que, em geral, não estaria obrigado a divulgar - a despeito da mencionada estrutura de gestão profissional e discricionária interna.

A derrubada do veto é necessária, pois, para afirmação da higidez sistêmica criada pela Lei Rodrigo Pacheco.