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As perspectivas do futebol paraguaio e a reação dos clubes a uma iniciativa eventualmente salvadora

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Atualizado às 07:30

Tratou-se nos dois últimos textos publicados nesta coluna (em 22/11/23 e 29/11/23, respectivamente) da (inacreditável) reação dos clubes argentinos à ideia de elaboração de uma lei que facultasse a passagem do modelo clubístico ao modelo empresarial, sob a forma de sociedade anônima especial (ou sociedade anônima do futebol).

Como se sabe, a mencionada ideia não envolve uma formulação extravagante, pois estruturas análogas já foram implementadas, com variações locais, em países relevantes (como Espanha, Portugal e França - e, mais recentemente, o próprio Brasil); sem falar da Inglaterra, que sustenta há décadas um modelo aberto à captação de recursos e de investidores, locais ou internacionais.

Portanto, o cartel de clubes argentinos, formado para afirmar ao mundo que não querem que o Estado formule uma lei que lhes dará a opção - repita-se: apenas a opção - de, se e quando cada clube quiser, estudar a situação e avaliar a pertinência de revisão do modelo associativo, não se justifica sob qualquer ângulo racional ou econômico.

Porém, o que deveria ser entendido como uma patologia local, aparentemente extrapolou as fronteiras argentinas e contaminou o Paraguai.

Lembre-se, a respeito deste país, que a Senadora Lilian Samaniego (Partido Colorado) apresentou ao Senado Federal, em 17 de outubro de 2023, projeto de sua autoria que cria a Sociedade Anônima do Futebol Paraguaio.

A iniciativa surgiu em momento oportuno pois, apesar da tradição e da paixão que o povo paraguaio nutre pelo esporte, os resultados dos times locais não expressam suas capacidades (e possibilidades): o último título de Libertadores da América foi obtido em 2002, pelo Olimpia; e o tradicional Cerro Portenho, para listar mais um exemplo, jamais ganhou a competição. 

A problemática se intensifica quando se avalia o mercado local: times endividadíssimos (fala-se, não oficialmente, que os dois maiores, Cerro Portenho e Olimpia, acumulam passivos com cifras individuais da ordem de 60 milhões de dólares); intervenções federativas (como ocorreu com o 12 de Outubro, recentemente1); venda forçada de ativos relevantes (o estádio do clube General Díaz, localizado em Luque, foi arrematado em 2022 pela Conmebol2); e inexistência de marco jurídico apto a atrair investidores e investimentos.

Esse cenário deveria, ao menos em tese, estimular a receptividade do projeto da Senadora Lilian Samaniego, o qual, como já se afirmou nesta coluna, não obrigará ninguém a nada - mas poderá ser a salvação daqueles que se afogam em dívidas e não encontram, no sistema atual, uma via de saída ao afogamento.

Lembre-se, aliás, que, no Brasil, a Lei da SAF, de autoria do Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), cumpriu função semelhante: desde a sua promulgação, mais de cinquenta SAFs foram voluntariamente constituídas (por clubes de diferentes dimensões, como Botafogo, Cruzeiro, Atlético, Vasco, Bahia, América MG, Ferroviária e Coritiba); mas dezenas (ou melhor, centenas) de outros clubes (ainda) se mantiveram, também de modo voluntário, sob a forma de associação (tais como os quatro mais populares do país: Flamengo, Corinthians, São Paulo e Palmeiras).

São tais perspectivas que, paradoxal e (assim, como na Argentina) inexplicavelmente, os clubes paraguaios parecem rejeitar. Com efeito, publicou-se um comunicado no dia 23 de novembro de 2023, subscrito pela Associação Paraguaia de Futebol e pelos presidentes dos 12 clubes da primeira divisão (além dos clubes que se qualificaram a participar dessa divisão a partir de 2024), no qual apontam que o projeto de lei "no refleja la realidad ni las necesidades del fútbol paraguayo".

E afirmam, ao final, que: "La APF y los clubes no están ajenos a este tipo de iniciativa, pero coinciden en que deben conllevar um proceso que involucre a todos los niveles y estamentos de las instituciones futbolisticas del Paraguay, de modo a legislar en base a nuestra realidad social y desportiva".

Curioso: por ocasião dos debates que antecederam a aprovação da Lei da SAF, as poucas vozes resistentes formularam argumentos muito parecidos aos que constam do mencionado comunicado, e que, no Brasil, se revelaram falaciosos pois em nenhum país do planeta uma iniciativa congressual gerou um resultado tão rápido e satisfatório, em benefício de times das mais diferentes regiões e estaturas (e o processo sistêmico está apenas em seu início).  

Daí a precisa afirmação do respeitado jornalista paraguaio, Marcos Velázquez: "INSOLITO: Clubes en bancarrota o semiquebrados pronunciándose en contra de la posibilidad de obtener recursos para proyectarse institucional y deportivamente. El secuestro de los clubes a manos de dirigentes alquilados ...".

À qual se acrescenta: sem a lei (com eventuais ajustes que o Congresso repute necessários, naturalmente), os times paraguaios e os seus jogadores continuarão a cumprir papeis secundários no plano sul-americano ou mundial.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.