COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalha Trabalhista >
  4. Videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso?

Videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso?

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Atualizado às 07:12

A audiência é o ponto culminante do direito processual trabalhista. Trata-se de um ato complexo, uma vez que concentra e atrai os demais atos processuais. Não há dúvida que a audiência, em especial a audiência trabalhista, constitui o ato mais importante da ciência do Direito Processual Trabalhista.

Audiência Trabalhista, portanto, é um ato formal e solene, que conta com o comparecimento dos sujeitos do processo: das partes, advogados, juiz do trabalho, servidores da Justiça do Trabalho, testemunhas e peritos.

Atualmente, em tempos de pandemia, estamos vivenciando mudanças significativas na realização desse ato processual. Prova disso, o que antes era realizado presencialmente, na estrutura física da Justiça do Trabalho - com a oportunidade da observação atenta dos olhares entre os atores sociais, bem como a aproximação das partes - passou a ser realizado de modo virtual.

Com o fechamento dos fóruns e consequente isolamento social, houve o impulsionamento de inovações tecnológicas. Como resultado disso, tal situação produziu reflexos no Processo Judicial Eletrônico. Em pouco tempo, foi necessário evoluir e avançar o que provavelmente somente ocorreria em longos anos.

E, neste cenário, as audiências que representam um ato processual complexo ganharam maior destaque na prática trabalhista. Isso porque nos deparamos com a nova e atual discussão sobre videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso?

O tema foi abordado no Ato Normativo nº 45 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT.GP.SG Nº 45/2021), que dispõe sobre os procedimentos a serem observados na videogravação de audiências realizadas no âmbito da Justiça do Trabalho. Ressalta-se o artigo 1º do Ato:

"Art. 1º É dispensada a transcrição ou degravação dos depoimentos colhidos em audiências realizadas com gravação audiovisual, nos termos dos arts. 367, § 5º, e 460 do CPC."

Entrementes, a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), suspendeu a vigência do Ato nº 45 (CSJT.GP.SG Nº 45/2021) por despacho assinado em 21/07/2021.

A validade do ato normativo, que entraria em vigor, foi objeto de controvérsias, inclusive contestada por diversas entidades, entre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil.

Os aspectos técnicos de solução das dificuldades, como a preparação prévia das equipes de magistrados, sobretudo das técnicas de degravação, serão analisados pelo CSJT.1

Diante das constantes mudanças, destaco que nesse momento, 22 de julho de 2021, o ato está suspenso. Corremos um grande risco dessa mensagem se tornar ultrapassada em pouco tempo.

Antes de refletirmos sobre a provocação, faz-se necessário tentarmos destacar o conjunto normativo, em outras palavras, o emaranhado de atos normativos que visam regulamentar os atos processuais realizados de modo virtual.

Vale destacar o art. 236, §3º, do Código de Processo Civil, que assegura a prática de atos processuais por vídeoconferência: "§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real."

Além disso, a Recomendação nº 94, do Conselho Nacional de Justiça, de 9/4/2021, que orienta os tribunais brasileiros a gravar atos processuais, sejam presenciais ou virtuais, com vistas a alavancar a efetividade dos procedimentos judiciais.

Outra normativa observada é a Resolução nº 105 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ nº 105, de 6/4/2010), que dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência, e o teor da decisão da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho no Processo Nº PP-1001015-64.2020.5.00.0000, ambos dispensando a transcrição dos depoimentos.

Ainda, destacamos a Resolução CNJ nº 345, de 9/10/2020, que incentiva a prática de atos processuais exclusivamente por meio eletrônico.

Muito se tem discutido sobre a não transcrição dos depoimentos pessoais das partes e testemunhas na ata de audiência.

Há quem defenda que a videogravação da audiência trabalhista por se tratar de medida benéfica. Visto que o ato processual se tornará mais célere, afastará prejuízos processuais, uma vez que os depoimentos ficarão gravados e acessíveis a todos os sujeitos do processo. É o que se espera.

De certa forma, pode-se observar aspectos positivos, ao conferir a fidedignidade dos atos processuais ocorridos na audiência, sobretudo a releitura da linguagem corporal no momento dos depoimentos pessoais, ou, ainda, diante de requerimentos feitos pelas partes.

Diversamente disso, existem opiniões contrárias. Afinal, a posterior análise do processo, de certo modo, poderia ser prejudicada, uma vez que estaríamos diante da ausência da transcrição dos depoimentos pessoais na ata de audiência.

Nesse sentido, não há como deixar de observar o art. 851 da Consolidação das Leis Trabalhistas: "Art. 851 - Os tramites de instrução e julgamento da reclamação serão resumidos em ata, de que constará, na íntegra, a decisão." 

Considerando o que havia sido proposto no Ato nº 45 do CSJT, os registros em ata de audiência se tornariam ineficientes? E, mais, o duplo registro, aqui destacado o Ato de registrar em Ata de Audiência e da gravação em vídeo, tornam menos célere a marcha processual ou garantem o contraditório e a ampla defesa?

São indagações pertinentes a outras tantas mudanças, mormente em um curto lapso temporal, sem que tenhamos oportunidade para um melhor desempenho.

Em contrapartida, discute-se a real necessidade de se registrar os depoimentos e demais intercorrências ocorridas durante a audiência, visto que a gravação do ato processual estaria disponível.

Quanto ao princípio da eficiência, discute-se o tempo despendido. O ato de registrar em ata de audiência seria tempo perdido, ou gastaríamos mais tempo assistindo as videogravações. Criou-se, portanto, uma celeuma.

O princípio da cooperação, previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, impõe a todos os sujeitos da relação jurídica o dever de colaboração. Em nome da nossa responsabilidade social e profissional, nós operadores direito temos o compromisso do exercício constante de nos adaptarmos e nos atualizarmos.

Desafiando melhor a dificuldade abordada, uma possível solução para a celeuma seria a manutenção do registro em ata de audiência, do modo como sempre foi realizado, e somando-se a isso a videogravação como uma ferramenta técnico-processual. 

Em arremate, faz-se necessário que a Justiça do Trabalho e os tribunais com a sua competência delegada criem uma padronização, de modo a se adotar uma conduta quanto as audiências telepresenciais ou por videoconferência. Além disso, que sejam disponibilizadas ferramentas tecnológicas, treinamento, e, principalmente, tempo hábil, para que os envolvidos na relação processual tenham segurança jurídica.

*Juliane Cristina Silvério de Lima é advogada. Professora de Direito e Processo do Trabalho. Mestranda em Direito pela EPD. Fundadora do Projeto Audiência Trabalhista de A a Z.

__________

1 Disponível aqui. Acesso em 22/7/2021.