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Assédio moral e sexual "cibernético" nas relações de trabalho

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Atualizado às 07:41

Introdução

A palavra "cyber" deriva da palavra grega "kubernan", a qual significa o controle, ou o governo de algo. Em 1948, o matemático e filósofo americano N. Wiener apresentou, pela primeira vez, a palavra cibernética, significando o estudo teórico dos processos de comunicação e controle, em sistemas biológicos, mecânicos, eletrônicos e computacionais, especialmente na comparação de processos em neurofisiologia e em linguística.  

Recentemente, a palavra "cyber" tornou-se um prefixo popular para indicar tudo que seja associado à "internet" e computadores, incluindo-se os tratamentos nos meios digitais. Por sua vez, a palavra digital tem origem do latim digitalis, que é relativo aos dedos e aos tratamentos de dados em redes sociais e meios eletrônicos, já a palavra virtual, do dicionário, consiste naquilo que poderá vir a ser, a existir, a acontecer ou a praticar-se. 

Estudiosos do assunto vêm utilizando as terminologias, virtual- harassment, cyber- harassment, digital e on line harassment, indistintamente, como sinônimas. 

O assédio moral, também denominado "terror psicológico", traduz-se em uma série de práticas e comportamentos inaceitáveis, os quais acarretam danos de várias naturezas e que podem ser físicos, psicológicos, ou mesmo financeiros.

A dignidade da pessoa humana é fundamento da Constituição Federal, artigo 1º, inciso III, e todos os direitos humanos, ao lado dos valores sociais do trabalho, artigo 1º., inciso IV, também, da Constituição Federal de 1988, integrando o patrimônio extrapatrimonial da coletividade, assim como de todos os indivíduos. 

E a realidade atual, após uma pandemia que ameaçou o mundo, tirou vidas, empregos e destruiu famílias, de um lado empregadores e detentores do capital e das novas tecnologias e no polo antitético e subordinados a estes, trabalhadores, hipossuficientes, cada vez mais frágeis, mais vulneráveis, em um mundo permeado de algoritmos, onde os robôs já substituem os humanos em algumas tarefas.

A omissão da empresa de proteger seus empregados, tutelando e brindando seus trabalhadores, com um meio ambiente de trabalho saudável e digno, gera danos crescentes ao ser humano, que em relações assimétricas sofre, cada vez mais, com a negligência de quem teria o dever de protegê-los e respeitá-los e não de se aproveitar da necessidade do ser humano, que precisa do trabalho, direito social e fundamental, para subsistir, principalmente com a utilização das novas tecnologias, cada dia mais invasivas da privacidade, intimidade e liberdades fundamentais.

 O artigo 186 do Código Civil de 2002 dispõe que: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".1  Na sequência, o artigo 187, também do Código Civil, dispõe que: "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."2 

O assédio moral, ou sexual, "digital" ou "cibernético" é aquele que ocorre por meio da utilização, de tecnologias digitais, as quais facilitam a comunicação e ao mesmo tempo, o assédio, em meios digitais, incluindo-se desde redes sociais, mensagens eletrônicas em WhatsApp e outras plataformas de troca de mensagens, mas esta modalidade, hoje mais frequente, geralmente deixa mais evidências, "pegadas digitais", o que tem o lado positivo porque também poderão ser utilizadas como meio de prova para punir-se o agressor e em algumas situações poderão ajudar a coibir e conter abusos. 

Uma problemática é que o agressor se torna cada vez mais abusivo e invasivo, diante de meios eletrônicos e redes sociais, as quais influenciam e manipulam cada vez mais as pessoas, que se esquecem do mundo real e que são reais, vivendo e respirando em um mundo paralelo, como se a vida fosse um jogo eletrônico. 

 O homem torna-se uma máquina, ainda que pensante, mas por vezes mais irracional que a própria máquina e no momento em que o homem tenta criar máquinas "inteligentes", as quais se esmeram na tentativa de imitar a inteligência e o cérebro humano, ajudando o ser humano principalmente em tarefas mais árduas e repetitivas, do lado oposto, o homem, muitas vezes, esquece-se de seu lado humano e passa a imitar máquinas, sendo um ser frio e sem sentimentos e chegamos a um momento tão cibernético em que confundimos por vezes os seres humanos com os robôs, sendo estes cada vez mais humanos e os humanos cada vez mais robôs.

Os algoritmos e as máquinas influenciam cada vez mais o comportamento humano. Pensemos no metaverso, quando o ser humano entra uma realidade paralela, virtual e que replica a realidade, por meio de dispositivos digitais. Esta nova realidade "aumentada", onde o ser humano se envolve e esquece sua própria entidade, pode gerar a acentuação das práticas abusivas, em destaque o assédio moral e até sexual, nas empresas, podendo ocorrer o assédio no mundo virtual, caracterizando-se neste momento o assédio moral e/ou sexual "virtual".  

Assédio moral digital ou cibernético   

O assédio cibernético ou digital, também denominado de cyber, on line, virtual, ou digital  bullying ou harassment consiste naquele realizado por meio de plataformas e meios digitais. 

No assédio moral, ou terror psicológico digital, o agressor se utiliza da tecnologia para constranger, ameaçar ou intimidar uma pessoa, titular de direitos humanos. 

O assédio digital inclui desde textos agressivos, intimidatórios, ameaças, ou comentários em redes sociais e outros meios eletrônicos

O assédio moral é considerado uma das mais graves categorias de violência, harassment, bullying, ou mobbing, em inglês, em que uma determinada pessoa, denominado aqui "agressor", humilha, constrange, ofende e ataca a dignidade de outrem e consiste na exposição reiterada de trabalhadores a situações humilhantes e vexatórias, gerando risco e colocando sua vítima em risco psicossocial.

A convenção 190 da OIT, ao lado da Recomendação Nº 206, conceitua o assédio como comportamento, violência ou mesmo ameaça que pode resultar em danos físicos, sociais ou psicológicos para os trabalhadores atingidos, protegendo a mulher contra as práticas de assédio moral.   

O psicoterror, no ambiente de trabalho, está inserido na ideia de continuidade e constância. Na era da cibernética, com o aumento do contato, por meios digitais, dilui-se fronteiras espaciais, mas aumenta-se a ocorrência do assédio, enquanto as plataformas digitais e redes sociais facilitam a comunicação do agressor com a vítima, a invasão da privacidade e a exposição à violência online.   

O assédio moral digital é um ato intencional e reiterado, cuja prática, por meio do uso de formas eletrônicas e da cibernética intensifica mais ainda suas consequências e a vulnerabilidade das vítimas, principalmente se somada à discriminação de gênero, origem racial e outras práticas discriminatórias, em grupos minoritários, sendo muito comum o agressor se aproveitar da condição de maior vulnerabilidade do ofendido por sua menor possibilidade de defesa imediata.  

O assédio moral de gênero causa ofensa, deterioração, delapida e destrói os mais puros e lindos sonhos dos seres humanos, principalmente se consideramos os mais frágeis, os transformando em pesadelos, acarretando a perda e estragos ao seu mais valioso patrimônio jurídico.

A prática de assédio é uma violência tão grave que costuma levar a vítima a problemas de saúde, físicos e psiquiátricos, causando sofrimento físico, sexual e/ou psicológico. 

Acentuando-se a problemática, muitos trabalhadores somam esteriótipos e vieses discriminatórios, como gênero, origem racial, idade, deficiência ou por sua condição, ou status socioeconômico. 

A vítima de assédio moral, ou sexual, este último na sua pior e mais degradante modalidade de assédio, tem sua honra e imagem agredidas. O assédio sexual resulta na degradação e humilhação da mulher, gerando um ambiente de trabalho hostil.  

Assédio Sexual

O assédio sexual, no trabalho, consiste em conduta, com implicações sexuais, podendo ser caracterizado como crime, positivado no código penal, quando por chantagem, nos termos do artigo 216-A, sempre que o agente agressor, vier a se prevalecer da sua condição de superior hierárquico, ou ascendência, inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Podemos citar, como exemplo de chantagem, a tentativa de troca pela obtenção de benefícios como a contratação, promoção, aumento de salário, ou a própria permanência no emprego. 

Este pode incluir meros gestos, ou palavras, comentários e perguntas sobre aparência, estilo de vida e mesmo orientação sexual, além de telefonemas, e-mails, mensagens eletrônicas de whatsapp, de telegram, entre outras, ou reuniões on-line e contatos, principalmente em  mensagens privadas, ou  mesmo comentários no feed, ou em posts, em redes sociais da vítima.   

Assédio sexual como crime cibernético 

Mas o que é um crime cibernético ou digital? São todas as condutas positivadas na lei penal, como atos ilícitos. A lei 12.737 de 2012, a qual ficou também ficou conhecida como a "Lei Carolina Dieckmann" foi a primeira lei a tipificar os crimes digitais, ou cibernéticos, no Brasil, inserindo dispositivos ao Código Penal: o artigo 154-A acolheu comportamentos maliciosos e que ocorram nos meios digitais, incluindo-se a invasão de dispositivo eletrônico alheio e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa, ou tácita, do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita; o artigo 266 positivou como crime a interrupção ou perturbação de serviços eletrônicos e o artigo 298 incluiu a falsificação de cartão na falsificação de documento particular.

No entanto, os crimes cibernéticos mais comuns são aqueles que já estavam anteriormente positivados no Código Penal e que passaram a ser praticados nos meios digitais, o que os facilita e acentua, utilizando-se o agressor da Internet apenas como instrumento para a realização de um delito já tipificado anteriormente pela lei penal. Logo, o assédio sexual por chantagem, já positivado há muito tempo no código penal, se praticado nos meios digitais, utilizando-se o agressor de meios digitais, passa a ser considerado crime cibernético puro, ou poderá ser misto se o agressor intercalar outros meios com os digitais.   

Conclusão     

Dentro dos valores de direitos humanos deve-se destacar o princípio da não discriminação de grupos minoritários, os quais já sofrem discriminações negativas, em destaque a violência de gênero e à mulher, no trabalho, que continua sendo uma das formas mais comuns de discriminação, inclusive por meios digitais com a evolução tecnológica, inserida nas novas e agressivas modalidades de assédio moral e sexual "cibernético", que pode ser cada vez mais acentuado e alcançar mesmo um mundo paralelo já com o metaverso, dominando as novas relações empresariais. 

Deve-se assegurar e garantir de forma efetiva os direitos humanos dos trabalhadores, construindo-se uma sociedade cada vez mais justa, livre de estruturas sociais, vieses e estereótipos, com respeito à dignidade do ser humano, elevando-se os hipossuficientes e mais vulneráveis, em destaque os grupos minoritários, por meio de açoes afirmativas e práticas positivas, com o escopo de alcançarmos uma igualdade real e alcançar-se o equilíbrio social.  

A uso da tecnologia, de forma ética, poderá nos auxiliar na proteção de direitos humanos e fundamentais dos mais vulneráveis no século atual e cada vez mais expostos a seus agressores, que se aproveitam das novas tecnologias para invadir cada vez mais a privacidade e intimidade de um ser humano já fragilizado por sua condição econômica e com necessidade de subsistência e que deve ser respeitado com igualdade, valores, dignidade e proteção, sabendo-se que por detrás de vários megapixels e dados, em um mundo contemporâneo de big data existem sonhos e corações reais e não apenas "virtuais", pessoas que precisas ser respeitadas.  

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1 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível aqui. Acesso em: 25 abril 2022.

2 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível aqui. Acesso em: 25 abril 2022.