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Consenso nos litígios ambientais

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Atualizado às 07:57

O meio ambiente, reconhecido enquanto direito de terceira geração, é proclamado na Constituição da República (CRFB/88) como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, cabendo tanto ao Poder Público quanto à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras e gerações (art. 225).

Justamente diante dessa essencialidade à vida e, em igual medida, ao desenvolvimento econômico - que depende diretamente do aproveitamento de recursos naturais -, é que não deveria haver justificativa para se falar em interesses divergentes em matéria ambiental. Ora, se cabe a todos a adoção das medidas para preservação e recuperação do meio ambiente, eventuais discordâncias deveriam ocorrer apenas no âmbito da execução dos instrumentos aplicáveis, e não no plano material.

Ocorre que, na prática, não é bem assim. Os litígios ambientais decorrem, em sua grande maioria, de divergências técnicas e conceituais sobre o limite da recuperação de eventuais prejuízos aos recursos naturais, dos potenciais e reais responsabilizados pelo ato imputado e da própria caracterização do dano ambiental.

Tudo isso, entretanto, ainda não deve ser visto como impeditivo ou dificultador para a resolução do conflito por meio das vias alternativas para a busca do consenso. Ao contrário, dada a complexidade da matéria, a especificidade técnica e o interesse comum em relação ao bem tutelado, a transação evidencia-se como a forma que poderá ser mais eficiente, célere e adequada.

No plano da regulação jurídica sobre a matéria, há fundamento e incentivo para tanto.

No que se refere à responsabilidade administrativa ambiental, o decreto Federal 6.514/2008 que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, prevê a possibilidade de que o autuado converta a multa em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente.

Apesar da conversão não se aplicar para a reparação dos danos decorrentes da própria infração, sendo apenas uma forma de quitação de eventual sanção aplicada, trata-se de um instrumento para que órgão ambiental e autuado obtenham, pelo consenso, uma alternativa para resolução da questão, por meio do desenvolvimento de projetos de forma direta pelo autuado ou indiretamente mediante o recolhimento do valor correspondente ao órgão.

Em alguns estados, a exemplo do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, há previsões similares aplicáveis no âmbito das infrações impostas em seu território pela Administração Estadual (decreto estadual nº 47.867/2021, Resolução SIMA nº 28/2021 e decreto estadual nº 47.772/2019, respectivamente).

Vale destacar que no âmbito dos processos administrativos sancionatórios, o interesse é que as formas de solução amigável sejam direcionadas com base em diretrizes bem estabelecidas, isto é, qual a forma de composição, critérios, descontos eventualmente aplicáveis e critérios para adesão.

Isto porque, a prática mostra que deixar essa possibilidade de conciliação aberta, sem indicação dos parâmetros mínimos, implica em baixa ou nenhuma efetividade. É o que se viu no âmbito federal após a publicação do decreto Federal  9.760/2019, que introduziu modificações ao Decreto Federal nº 6.514/2008. Com base naquela normativa, incluiu-se ao processo de apuração de infrações administrativas uma fase prévia de conciliação ambiental, a qual antecedia a defesa. Ocorre que, para quem acompanhou tal audiências, verificou-se que na ausência de objetivos específicas ou a própria capacitação dos servidores para direcionamento das possibilidades de consenso, implicava em reuniões eminentemente "proforma", apenas para questionamento aos autuados sobre se havia interesse ao pagamento, parcelamento ou conversão da multa.

Não por outra razão, o Decreto foi renovado cerca de três anos depois, com consenso geral de que a fase de conciliação não foi eficiente e causou apenas mais mora na tramitação dos processos - inclusive acarretando a prescrição intercorrente em diversos deles.

Na esfera da responsabilização civil, cuja apuração é usualmente pleiteada pelo Ministério Público Federal ou dos Estados, há igual fundamento jurídico para a busca do consenso e para a celebração dos Termos de Compromisso e/ou Ajustamento de Conduta.

Na Lei de Instrução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), há previsão expressa de que, para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial (art. 26).

Nos termos do decreto 9.830/2019, o compromisso terá por finalidade a obtenção da solução proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais, mas não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecido por orientação geral. No referido termo, deverão ser previstas as obrigações das partes, o prazo e o modo para seu cumprimento, a forma de fiscalização quanto a sua observância, os fundamentos de fato e de direito, sua eficácia de título executivo extrajudicial e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.

Previsão similar, embora mais genérica, é prevista na Lei de Ação Civil Pública (lei 7.347/1995), ao dispor sobre a possibilidade de que os órgãos públicos legitimados tomem, dos interessados, o compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Portanto, é certo que na busca pela melhor solução ao ambiente ecologicamente equilibrado, é necessário que as partes em eventual litígio adotem medidas que sejam a mais adequadas e proporcionais às infrações cometidas ou danos causados, equilibrando a medida economicamente viável ao pagador com aquela suficiente à situação objeto da divergência.