Saúde mental no ambiente corporativo: Implementação de centros de pacificação de conflitos
sexta-feira, 26 de dezembro de 2025
Atualizado em 23 de dezembro de 2025 11:33
Chegamos ao último mês de 2025! Momento em que comumente paramos para refletir sobre os acontecimentos do ano e fazer planos para o ano que se inicia. Neste contexto, gostaria de trazer um ponto de suma relevância para refletirmos: a saúde mental no ambiente corporativo.
Os relatos de burnout, exaustão, depressão e ansiedade não param. Pesquisa divulgada no Valor revela que mais da metade dos líderes e dos liderados faz uso de medicação para combater estresse e ansiedade. Um aumento significativo e alarmante, já que em 2024 apenas 20% usavam remédios para manter a rotina de trabalho. Para Diana Gabanyi, esse salto expressivo não está ligado a mudanças metodológicas na pesquisa: "trata-se de um aumento real, que revela um fenômeno alarmante e para o qual poucas empresas estão preparadas. No nível individual, esse dado é extremamente dramático".1
O ambiente corporativo está adoecido e isso se dá por inúmeros fatores sociais, econômicos, psicológicos e tecnológicos, dentre outros.
Mas, se por um lado, cresce o número de pessoas que não estão bem no quesito saúde mental, por outro, felizmente, também cresce o número de indivíduos interessados pelo tema.
Uma pequena mostra disso é o evento brasileiro Mind Summit. Participei em 2025 da sua terceira edição, que reuniu em São Paulo 2.500 pessoas interessadas em compartilhar informações sobre saúde mental corporativa. A primeira edição do evento aconteceu em 2023 e contou com cerca de 500 pessoas. Em 2024, o número dobrou e este ano duplicou novamente, o que mostra que saúde mental no ambiente corporativo é um tema que vem ganhando cada vez mais espaço.
Professores consagrados internacionalmente apresentaram suas mais recentes pesquisas e experiências sobre o tema, com destaque para o professor de Oxford, Jan-Emmanuel De Neve, que compartilhou os dados da maior pesquisa já realizada sobre bem-estar no trabalho, retratada no livro "Why Workplace Wellbeing Matters: The Science Behind Employee Happiness and Organizational Performance".
Como revelado na pesquisa, que está baseada em três pilares (satisfação profissional; experiência emocional; sentido e propósito), a maioria das pessoas não se sente feliz no trabalho, existindo um grande descompasso entre o que os líderes acham que fazem em relação à saúde mental dos funcionários e o que estes sentem que de fato está sendo feito.
A pesquisa aponta três razões para que as empresas tenham cuidado com o bem-estar dos colaboradores. A primeira delas é que a empresa se torna mais atraente para recrutar bons profissionais, recebendo mais curriculum vitae do que empresas que não mostram esse cuidado.
A segunda diz respeito à melhora na capacidade de retenção de profissionais, que não desejam sair de locais onde se sentem valorizados, seguros para manifestar suas opiniões e se sentem pertencentes, evitando-se o custo que o turnover traz. O pertencimento, na verdade, foi o ponto mais relevante para os colaboradores, o que parece muito natural já que pertencer a uma comunidade é uma das características mais fundamentais da humanidade.
Por fim, a terceira razão é o efetivo aumento da produtividade dos colaboradores quando estão bem mentalmente. Aumento comprovado de 12% e se focarmos nas pessoas que realizam tarefas mais complexas e menos automáticas, a produtividade aumentou em 25%.
A pesquisa de De Neve aponta que salário ou flexibilidade não são os itens mais relevantes e sim fatores sociais e de pertencimento. Sentir que a organização se importa com você como pessoa, ter bons relacionamentos com colegas e líderes e sentir-se valorizado são determinantes para a produtividade.
Segundo o professor, "o que te leva a se levantar de manhã e continuar na empresa é ter conexões sociais positivas". O que vai ao encontro, aliás, da mais extensa pesquisa sobre felicidade já realizada no mundo. O estudo, conduzido por mais de 85 anos pela Universidade de Harvard, identificou que os seres humanos mais felizes são aqueles que constroem bons relacionamentos; que são capazes de estabelecer conexões sociais de qualidade.2
O professor Adam Grant, da Wharton School, e a professora de Harvard Amy Edmondson também participaram do evento. Amy destacou como é importante o colaborador sentir que pode falar o que pensa e que sua opinião é bem-vinda no ambiente de trabalho. Isso traz segurança psicológica. Adam enfatizou sobre o perigo na manutenção da cultura empresarial que pede ao colaborador "para não trazer problemas e sim soluções". Ao não encorajar os colaboradores a trazerem os problemas que estão enfrentando, diz o professor, a empresa perde uma grande oportunidade de criar laços, confiança e ambiente saudável. Quanto menos se ouve as pessoas, menos criativas e inovadoras elas serão.
Além das pesquisas acadêmicas, executivos de grandes empresas brasileiras, como a Natura, Vale e Heineken, dividiram com a plateia suas recentes práticas e projetos voltados ao cuidado com a saúde mental dos seus colaboradores, promovendo felicidade corporativa.
A Natura, uma das empresas brasileiras pioneiras nesse olhar mais humanizado, falou do projeto bem estar bem; a Heineken contou em detalhes o programa que desenvolve com seus 1300 colaboradores, que respondem quinzenalmente a uma pesquisa que mede o grau de satisfação dos colaboradores com a empresa e orgulha-se em dizer que 85% dos seus funcionários respondem à pesquisa de forma voluntária. A Vale também trouxe sua recente experiência e como a área técnica da empresa se engajou no projeto que valoriza e se preocupa com a saúde mental dos funcionários.
Todos os executivos revelaram que o cuidado com a saúde emocional e mental de seus colaboradores resultou em três conquistas para as empresas: (i) queda drástica do nível de absenteísmo; (ii) redução impressionante do turnover e (iii) aumento na produtividade.
Olhar para os colaboradores como seres humanos que são -- e não apenas como um número que trabalha para a obtenção de lucro -- é dever de toda empresa que exerce não só uma função econômica, mas também social.
Entender que cada um é único e é parte integrante de um todo que para bem se desenvolver, deve funcionar bem para todos e não apenas para alguns. O que passa, inclusive, por considerar que o trabalho em equipe não é uma via de mão única, onde apenas o líder deve ser preocupar com a saúde mental dos liderados. É preciso lembrar que os líderes também são seres humanos falíveis e vulneráveis.
O compromisso com o bem-estar e com a felicidade no trabalho é de todos: de cada um individualmente e da empresa como instituição que agrega todas essas pessoas em prol de um de um propósito maior. Afinal, a empresa nada mais é do que uma reunião de pessoas engajadas e voltadas para um mesmo objetivo.
Na obra que lancei em 20233, onde analiso o conceito de empresa cidadã, as responsabilidades sociais das empresas atuais à luz das regras legais e das expectativas sociais, sustento que a empresa tem responsabilidade social na pacificação de conflitos. Como lá desenvolvido, entendo que a empresa deve ter um olhar mais humano para as relações que se desenrolam no ambiente interno e para aquelas que acontecem com outros stakeholders, como os consumidores, fornecedores, acionistas, sócios, agentes de fiscalização, dentre outros.
Precisa estar atenta à preservação das relações, prevenindo conflitos e cuidando deles de maneira mais positiva, o que pode ser alcançado com a criação de um centro ou órgão dentro da empresa dedicado à busca do consenso e do respeito.
Um espaço onde profissionais que entendam de gestão de pessoas e conflitos, e com o uso de técnicas de negociação e mediação, possam cuidar dos colaboradores, das suas angústias, medos, preocupações e conflitos que vivenciam com colegas de trabalho, seus líderes ou liderados.
O custo com a criação desse centro é insignificante se comparado aos ganhos que a empresa terá com sua implementação. Ganhos sociais porque a medida valoriza e empodera o ser humano, melhora o ambiente de trabalho e contribui para a pacificação social.
E, na esteira da pesquisa do De Neve e dos relatos de empresas que já implementaram projetos de cuidado à saúde mental e de busca da felicidade no ambiente corporativo, o centro de pacificação dos conflitos aumentará a produtividade, diminuirá o absenteísmo e o turnover, e ainda reduzirá custos com demandas judiciais para resolver os conflitos não pacificados, tais como honorários de advogados e custas e taxas judiciais.
É uma medida ganha-ganha que traz benefícios e vantagens aos empregados, funcionários, líderes, colaboradores e parceiros comerciais, à própria atividade empresarial e à coletividade em que a empresa está inserida.
A ideia está refletida, inclusive, no Enunciado nº 162 da II Jornada de Prevenção e solução extrajudicial de litígios organizada pelo Conselho da Justiça Federal, segundo o qual "contribui para a função social a empresa que conta em sua estrutura organizacional com uma área dedicada a prevenir e solucionar conflitos."
Para produzir bem, as pessoas precisam estar inseridas em ambientes seguros e pacificados. Evidente que conflitos existirão; sem eles não há evolução, mas como as empresas tratam os conflitos e cuidam da saúde mental dos seus colaboradores é o que vai definir quais empresas permanecerão jogando o "jogo infinito" de que trata Simon Sinek4.
Que em 2026 tenhamos mais empresas implementando projetos voltados à saúde mental corporativa e criando centros internos de prevenção e tratamento adequado dos conflitos.
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3 LONGO, Samantha. Direito Empresarial e Cidadania: A responsabilidade da empresa na pacificação de conflitos. Porto Alegre: Ed. Paixão, 2023.
4 SINEK, Simon. O Jogo Infinito. Ed. Sextante, 2020.

