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Competência no processo ético-disciplinar na OAB - Parte 2

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Atualizado às 09:46

Na oportunidade da confecção da PARTE 1 desse estudo (clique aqui para ler), tratamos das regras gerais de competência do processo disciplinar da OAB, além de outros temas.

Foram estabelecidas questões legais, processuais e jurisprudenciais para (a) o recebimento, processamento e a delegação de poderes originários no âmbito da OAB para as representações disciplinares; (b) organização funcional dos órgãos do processo disciplinar na OAB; (c) competência das Comissões de Admissibilidade e o conflito de interesse com a Presidência da Seccional, apontando como ideal a delegação de referida competência aos Tribunais de Ética e Disciplina; (d) regra geral de competência na forma do artigo 70 da Lei Federal 8.906/94 e algumas de suas exceções; (e) foro por prerrogativa de função; (f) regras de competência no pedido de revisão; (g) regras de competência no pedido de reabilitação, além de outras notas sobre matérias correlatas.

Nessa PARTE 2, entretanto, iremos nos ater a questões práticas do cotidiano do processo disciplinar.

Publicidade irregular veiculada nacionalmente em rede social a partir da OAB originária do advogado, que acaba sendo representado em outra Seccional: entendemos que diante dessa hipótese, a competência caberá à Seccional que primeiro realizar a representação e estabelecer a prevenção, segundo a regra do artigo 70 da Lei Federal 8.906/94: "Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal".

O artigo 70 do EAOAB, aliás, encontra sintonia com o quanto prescreve o artigo 70 do Código de Processo Penal, que estabelece como regra geral de competência para a ação penal o lugar em que se consumar a infração. A regra é idêntica.

Para o caso, imagine-se como exemplo que advogado realiza publicidade irregular com veiculação de anúncio em todo o território nacional. Sua inscrição originária é de São Paulo, todavia, é representado perante a OAB/BA. A competência para processamento da representação disciplinar será da Seccional Bahia.

Na verdade, a dúvida que surge no caso acima é sobre a prevenção, ou seja, se outra OAB e/ou a própria detentora da inscrição originária também processar o advogado haverá competência prevalente? Da mesma forma, e nos casos de conexão ou continência? A resposta é encontrada pela aplicação supletiva dos artigos 76 e seguintes do Código de Processo Penal, conforme autoriza o artigo 68 da Lei 8.906/94, ou seja, nesses casos, em regra, a questão será resolvida pelas regras gerais do Código de Processo Penal, inclusive aquela afeta à prevenção, definida na forma do artigo 83 do Código adjetivo: "Art. 83.  Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa".

Por óbvio, para aplicação no sistema OAB a norma legal deve sofrer interpretação, o que já foi realizado pelo Conselho Federal no recurso n.º 49.0000.2016.011008-2/SCA-PTU, de Relatoria do Eminente Conselheiro Federal Alexandre Cesar Dantas Socorro (RR), fixando o entendimento de que: "(...) Competência. Prevenção. Matéria afetada ao Plenário da Segunda Câmara. A competência será fixada pela prevenção do relator que tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a ele relativa. (...)" (DOU, S.1, 29.06.2017, p.67, Ementa n.º 014/2017/SCA).

 Nesse sentido, muito embora a r. decisão tenha se utilizado da expressão relator, entende-se que a fixação da prevenção se dará pela primeira decisão relevante no feito, que poderá ser, por exemplo, o parecer de admissibilidade, a decisão de arquivamento ou a decisão de abertura do PAD, sem a fase prévia de admissão.

Havendo controvérsia acerca da competência, essa deverá ser resolvida pelo Conselho Federal da OAB em sede de conflito, conforme artigo 85, inciso V do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, confira-se a posição da jurisprudência: "49.0000.2021.003502-1/OEP (...) 01) O artigo 85, inciso V, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, estabelece que a este Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB compete deliberar, privativamente e em caráter, irrecorrível, sobre conflitos ou divergências entre órgãos da OAB. No caso dos autos, resta instaurado o conflito negativo de competência entre Tribunal de Ética e Disciplina da OAB e este Conselho Federal da OAB, devendo ser acolhido o conflito. 02) No tocante à competência disciplinar, este Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB já resolveu diversos conflitos de competência, sempre destacando que a competência para instaurar e julgar o processo disciplinar restará fixada na base territorial do Conselho Seccional da OAB em que tenha ocorrido a infração ético-disciplinar, consoante interpretação do artigo 70, caput, da Lei nº. 8.906/94. (...)" (Relator: Conselheiro Federal Paulo Cesar Salomão Filho (RJ). Ementa n. 062/2022/OEP - DEOAB, a. 4, n. 911, 05.08.2022, p. 19).

Caso de suspensão preventiva de Advogado por ato praticado em base territorial diferente de sua inscrição originária: a suspensão preventiva do advogado será cabível na forma do artigo 70, §3º da Lei Federal 8.906/94 "§ 3º O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha inscrição principal pode suspendê-lo preventivamente, em caso de repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, depois de ouvi-lo em sessão especial para a qual deve ser notificado a comparecer, salvo se não atender à notificação. Neste caso, o processo disciplinar deve ser concluído no prazo máximo de noventa dias".

Conforme transcrição da norma federal acima, por mais inapropriado e incorreto que possa parecer, nos casos de suspensão preventiva, a competência será exclusiva da seccional onde o advogado tiver sua inscrição principal.

Imagine-se exemplificativamente que advogado com OAB do Maranhão é preso em flagrante tentando repassar um quilograma de maconha a preso em presídio no Distrito Federal, notícia veiculada amplamente pela mídia local. Trata-se de caso clássico de aplicação do artigo 70, §3º do EAOAB, todavia, a OAB/DF não poderá fazer nada contra o advogado, exatamente porque a competência cabe à Seccional do Maranhão, que não viveu o problema, está afastada das provas e não sofreu a "repercussão prejudicial à dignidade da advocacia", ou seja, a norma acaba por mitigar seu próprio valor e alcance e não alcança a vontade do legislador. 

Salta aos olhos a incoerência legal, ou seja, enquanto a OAB do local da infração - que no exemplo seria a OAB/DF - instaura processo disciplinar contra o advogado, fica à mercê da OAB onde está a inscrição originária para eventual suspensão preventiva, continuando a sofrer as consequências diretas da "repercussão prejudicial à dignidade da advocacia". Não há resposta à sociedade e, contrariamente, vê-se grave prejuízo à comunidade jurídica onde o fato ocorreu.

A própria OAB reconhece o desacerto da norma na proposição n.º 2011.19.05768-01/COP (SGD: 49.0000.2011.002369-2/COP), confira-se: "Proposta de alteração da redação do art. 70, § 3º do estatuto da advocacia. nos casos em que o advogado cometeu falta ética que cause repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, é possível, desde logo, ser o profissional suspenso preventivamente, pelo prazo máximo de noventa dias, pelo Tribunal de Ética e Disciplina da Seccional onde o acusado tenha inscrição principal (art. 70, § 3º da lei nº 8.906/94). Determinação que conflita com o caput do art. 70, que determina seja o processo instaurado, processado e julgado pelo Tribunal de Ética e Disciplina da Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração. Proposta de alteração na redação do § 3º do art. 70, modificando a expressão 'onde o acusado tenha inscrição principal' para 'onde o acusado estiver sendo processado'. Proposição aprovada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda, os Senhores Conselheiros integrantes do Conselho Pleno do CFOAB, por maioria, em aprovar a proposição de alteração da redação do art. 70, § 3º do Estatuto da Advocacia, modificando a expressão 'onde o acusado tenha inscrição principal' para 'onde o acusado estiver sendo processado'" (Ementa n. 040/2012/COP. Relator Conselheiro Federal Romeu Felipe Bacellar Filho (PR), DOU. S. 1, 09/10/2012, p. 124).

Nada obstante o conteúdo da proposição acima, o Conselho Federal ratificou a aplicação da redação legal no Conflito de Competência n.º 49.0000.2018.002527-8/OEP: "Processo disciplinar. Tramitação. Conselho Seccional em cuja base territorial se tenha constatado a prática da infração disciplinar. Suspensão preventiva. Competência do Conselho em que o advogado mantém inscrição principal. Necessidade de sobrestamento do processo disciplinar enquanto o Conselho Seccional de inscrição principal analisa a suspensão preventiva. Desnecessidade do trânsito em julgado para prosseguimento do processo disciplinar, visto que o art. 77 do EAOAB não atribui efeito suspensivo a recurso interposto em sede de processo de suspensão preventiva, hipótese em que, seja qual for a decisão proferida na sessão especial do Tribunal de Ética e Disciplina, deve o processo disciplinar em trâmite no outro Conselho Seccional retomar seu curso regular (...)". (Relator: Conselheiro Federal Daniel Blume Pereira de Almeida (MA). Ementa 082/2019/OEP. Conflito de competência. DEOAB, a. 1, n. 194, 3.10.2019, p. 6)

Em conclusão, a OAB e a advocacia perderam a ótima oportunidade de inclusão no texto da lei 14.365/22 das alterações aprovadas pela proposição n.º 2011.19.05768-01/COP, à nova redação da 8.906/94.

Seria um bom caminho que no projeto de lei para reparar o erro legislativo que glosou da redação do Estatuto da Advocacia o artigo 7º, §2º, que estabelecia a imunidade profissional do advogado, também fosse incluída a nova redação ao §3º do artigo 70.

Ofensa em grupo nacional do aplicativo whatsapp: a competência segue a inteligência do artigo 70, já tendo entendido a OAB que "Ofensas que foram dirigidas a recorrida em grupo de WhatsApp criado para debater assuntos pertinentes ao exercício da advocacia enquanto Conselheiros Seccionais. O ambiente de trabalho se estende ao virtual, quando este for criado com tal finalidade, devendo manter a urbanidade que são reguladas pelo Estatuto da OAB" (Ementa n. 016/2022/PCA, Relator Juliana Hoppner Bumachar Schmidt, DEOAB, a. 4, n. 828, 07.04.2022, p. 1).

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