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Processo de suspensão preventiva de advogado - Parte 3

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Atualizado às 10:29

Nas partes 1 (clique aqui para ler) e 2 (clique aqui para ler ) desse estudo foram trabalhados conceitos gerais sobre a suspensão preventiva, assim como os requisitos objetivos (competência, correta intimação, contraditório, ampla defesa e prazo legal) e subjetivos (tipicidade administrativa, lesividade, publicidade negativa livre e contemporaneidade).

Nesse capítulo a análise será sobre o procedimento.

O procedimento de suspensão preventiva, por tratar-se de medida cautelar excepcional, tem seu regramento próprio, regulado pelo §3º do artigo 70 da Lei Federal 8.906/94 em conjunto com o microssistema legal da OAB.

Exatamente como ocorre com qualquer processo disciplinar no sistema OAB, a Seccional irá tomar ciência de determinado evento ocorrido no mundo dos fatos, o que pode ocorrer por qualquer meio, valendo citar, sem exaurimento, os meios de comunicação, as redes sociais, denúncia de terceiro, denúncia de advogado, entre outros.

Pois bem, recebida a comunicação ou ciente do fato, caberá ao Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da Seccional e somente a ele, na forma do artigo 70, §3º da Lei Federal n.º 8.906/94 e sem ingressar em qualquer mérito e/ou juízo de valoração, realizar a análise primária sobre a gravidade do evento para formar seu convencimento sobre a submissão do caso à suspensão preventiva, ou seja, deverá avaliar se estão presentes a tipicidade administrativa,  a lesividade e a publicidade negativa livre.

Entendendo pela potencial presença desses elementos nessa análise superficial, proferirá despacho do qual não caberá recurso, haja vista se tratar de mero encaminhamento para julgamento, sem cunho decisório.

Vale apontar que, embora seja mais comum que a suspensão preventiva seja instaurada por ocasião do ato infracional, como, por exemplo, advogado preso em flagrante em ato de traficância, pode ocorrer de forma incidental ao processo disciplinar. Nesse sentido, imagine-se por exemplo que o TED esteja a processar advogado por suposto locupletamento, e, durante o trâmite desse feito, o profissional seja condenado em processo criminal que sofria pelo mesmo fato, apenado por apropriação indébita. O fato então ganha grande publicidade e causa a "repercussão prejudicial à dignidade da advocacia". Nessa situação hipotética, o nascedouro da pretensão à suspensão preventiva não foi o conduta, mas o momento posterior, quando a infração do advogado se tornou pública e reverberou negativamente à advocacia. Daí o dever do Tribunal de Ética na instauração incidental da suspensão preventiva, ou seja, a contemporaneidade não é contada apenas do ato, mas do momento em que a advocacia for exposta por sua repercussão negativa.

Em face do caráter cautelar e excepcional da suspensão preventiva, independentemente da existência de uma parte representante na comunicação do fato, essa medida cautelar terá sempre a OAB atuando de ofício. Exatamente por essa razão, nas raras vezes em que houver uma parte representante, ela ficará dependente da decisão do Tribunal para o processamento da cautelar preventiva, entretanto, processada a medida, terá a parte representante direito a participar da sessão especial, inclusive para fazer a sustentação oral, por aplicação analógica do quanto prescrevem os artigos 59 e seguintes do Código de Ética e Disciplina para o processo disciplinar.  

A razão é que embora os elementos de convicção que autorizam eventual suspensão preventiva sejam aqueles que tornaram o fato público e notório, e, portanto, conhecidos, eventual decisão que indefira a suspensão preventiva pode apreciar o próprio mérito da infração, abrindo-se discussão, por exemplo, acerca da existência do fato, autoria ou sua tipicidade administrativa. O avanço nesse nível de cognição no julgamento da suspensão preventiva, assegurado ao representado em face da ampla defesa, pode prejudicar o próprio processo disciplinar e, portanto, afastar a pretensão da parte representante, que, a partir de então, poderá recorrer da decisão. Assim, o direito a participação na sessão especial lhe deve ser assegurado nesses casos.

Embora fosse recomendável que simultaneamente ao despacho para processamento da suspensão preventiva também já se determinasse a abertura do processo disciplinar, em função do prazo máximo de 90 dias para sua duração e do fato de que tratando-se de processo OAB de ofício é prescindível a fase de admissibilidade (clique aqui para ler ), a melhor opção é que o TED aguarde a sessão especial da cautelar para a instauração do processo disciplinar. A razão é simples, pois considerando a necessidade de contemporaneidade entre o fato, a repercussão prejudicial à advocacia e a sessão especial, o tempo até a sessão será extremamente curto, podendo se aproveitar o conjunto probatório colecionado no ato formal para a melhor instrução do processo disciplinar.

Exatamente pela brevidade desse prazo, o juízo de valoração entre o amadurecimento da questão após o julgamento da suspensão preventiva e a necessidade de agilização do processo pelo exíguo prazo de 90 (noventa) dias para o trâmite do processo administrativo, faz prevalecer a primeira opção. Essa noventena, que já era prazo impróprio, tornou-se praticamente impossível após as alterações promovidas ao artigo 139 do Regulamento Geral da OAB, que estabeleceu que os prazos dos processos internos da OAB são todos de quinze dias úteis. Essa imposição leva à inevitável admissão de que apenas para as fases da defesa prévia; de alegações finais; e de intimação para o julgamento, terão se passado cerca de 72 (setenta e dois) dias corridos, dos 90 (noventa) previstos na norma, ou seja, como o prazo é impróprio e seu cumprimento é praticamente impossível, não há necessidade de antecipação do ato de instauração do processo disciplinar anteriormente à sessão especial de suspensão preventiva.

A razão principal, todavia, é a preservação da parte representada, que eventualmente possa não ter cometido a falta ética.

Como a instauração do processo disciplinar já repercute gravemente na esfera pessoal de direitos do representado, pois o registro constará em seus assentamentos da OAB, não há qualquer prejuízo que se aguarde a brevíssima realização da sessão de suspensão preventiva, para então instaurar o processo disciplinar. Nesse sentido, como já tivemos a oportunidade de abordar (clique aqui para ler) e como citado acima, uma vez sendo facultada ao representando a ampla defesa, poderá, por exemplo, suscitar tese de negativa de autoria, afirmando que o ato que lhe foi imputado não foi por ele realizado, mas pelo proprietário do escritório onde trabalha, por exemplo. Nessa esteira, embora raro, pode o TED entender na sessão especial que não é o caso de suspensão preventiva e que também não é o caso de processo disciplinar contra aquele representado. Nessa clara situação hipotética, poupou-se ao advogado o constrangimento e o prejuízo da instauração do processo disciplinar.

Pois bem, após realizada a correta intimação e marcada a sessão especial para a suspensão preventiva, terá o advogado todo o interregno temporal entre a data de sua intimação e a data da sessão para a juntada de seus argumentos de defesa, provas e arrolamento de testemunhas.

Sobre a defesa na cautelar, vale alertar que embora o §3º do artigo 70 declare que na sessão deverá o TED ouvir o advogado, a norma contém impropriedade, pois será facultada ao advogado a ampla defesa, com todos os meios a ela inerentes na exata extensão do artigo 369 do Código de Processo Civil, ou seja, todas as provas em direito válidas, valendo mencionar, a título hipotético, defesa escrita, prova documental, prova testemunhal, depoimento pessoal da parte apontada como lesada etc.

A problemática aqui reside no fato de que a norma não alerta à parte representada que a defesa poderá ser juntada ao processo em qualquer momento. Diante disso, é muito comum que o advogado compareça à sessão especial sem haver juntado previamente sua defesa e a documentação pertinente, tornando-se praticamente impossível que, no rito sumário e célere da suspensão preventiva, o relator e os julgadores tenham condições de apreciar com maior segurança e profundidade esse conteúdo. Assim sendo, é altamente recomendável que os argumentos resistivos à suspensão preventiva sejam trazidos aos autos com toda a brevidade possível após a intimação para a sessão especial, permitindo ao relator da suspensão preventiva conhecer com antecedência as teses de defesa.

Ainda sobre a defesa na suspensão preventiva, cabe pontuar que tratando-se de um procedimento cautelar, e, portanto, de cognição sumária, terá o relator do processo ainda mais autonomia e independência para avaliar eventuais pedidos probatórios e indeferir aqueles que entender impertinentes, por exemplo, porque se referem à tese de defesa da conduta disciplinar e no caso concreto não irão auxiliar na questão apreciada na suspensão preventiva. Essa valoração é baseada no artigo 59, § 6º1 do Código de Ética e Disciplina, que embora trate do processo disciplinar é também aplicável à cautelar, assim como pela aplicação supletiva dos 370, § único2 do Código de Processo Civil e especialmente no artigo 400, §1º3 do Código de Processo Penal, com a autorização legal do artigo 68 da lei Federal 8.906/94.

Na avaliação das provas na suspensão preventiva, assim como no posterior processo disciplinar, prevalece o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional. No momento da valoração do acervo probatório, o julgador do Tribunal de Ética e Disciplinar exercerá sua livre cognição sobre as provas constantes nos autos via de um processo crítico-racional, utilizando-se da hermenêutica jurídica e de experiências pessoais e comuns para decidir a matéria. É a aplicação de parte da normativa contida no artigo 155 do Código de Processo Penal4.

A sessão especial deve ser realizada exclusivamente para o fim da suspensão preventiva, de forma sigilosa e sem o julgamento de outros processos. Na prática, todavia, de forma a otimizar os trabalhos do Tribunal, é comum que se marquem na sequência duas sessões. A primeira, extraordinária, para a suspensão preventiva; a posterior, ordinária, para o julgamento dos processos do TED.

A competência para julgamento da suspensão preventiva no Tribunal de Ética e Disciplina é de livre definição do Tribunal e deverá seguir o quanto prescrevem os respectivos regimentos internos.

Os regimentos internos dos Tribunais de Ética e Disciplina têm bastante autonomia para a distribuição orgânica dos órgãos do Tribunal, podendo, por exemplo, criar uma Turma de julgamento exclusivamente para a suspensão preventiva; designar uma Turma para acumular essa função; atribuir a uma Câmara esse julgamento ou atribuir exclusivamente ao Plenário do Tribunal essa obrigação. Qualquer regra orgânica de distribuição dessa competência é de livre iniciativa do TED, desde que não viole o Regulamento Geral da OAB e esteja em sintonia com os demais regramentos de micro ordenamento jurídico em face do quanto prescreve o artigo 90, inciso V, que permite ao Conselho Federal rever item de regimento de Seccional que esteja em contrariedade com o Regulamento. Se é possível a revisão da regra da própria Seccional, muito mais a do Tribunal de Ética e Disciplina.

Na sessão, após a abertura dos trabalhos, o julgamento ocorrerá na forma do artigo 94 e incisos do Regulamento Geral da OAB, com destaque para o seguinte: o relator narrará o relatório, após, proferirá seu voto e a sugestão da ementa; somente depois, por último, é dada a palavra à defesa para a sustentação oral pelo prazo de 15 (quinze) minutos.

Como se vê, no sistema OAB a sustentação oral vem após o voto, diferente da prática adotada na grande maioria dos Tribunais do Judiciário, onde se realiza a sustentação oral antes do voto. A sistemática da OAB claramente é a que melhor prestigia a defesa, pois permite que o advogado conheça do voto do relator antes de se dirigir aos demais julgadores, permitindo que a parte tenha tempo para criar a melhor estratégia para sua sustentação de acordo com a direção do julgamento.

O ideal é que a sessão de suspensão preventiva tenha início e fim na mesma assentada, todavia, por muitas razões, pode tomar mais tempo. Nesse caso, ao Presidente da sessão caberá encerrar ou suspender o ato. No primeiro caso, a subsequente deverá obedecer ao prazo legal dos 15 dias úteis do artigo 139 do Regulamento Geral para a realização. No caso de suspensão dos trabalhos, poderá ser reiniciada no prazo conveniente ao Tribunal, por exemplo, no outro dia, lembrando que o ideal é que já saiam todos intimados da nova data, pois a pretensão de suspensão preventiva poderá sempre ser mitigada pela ausência da necessária contemporaneidade.

Como, em regra e com nossas críticas (clique aqui para ler), é mais comum que a suspensão preventiva seja processada pela OAB onde o advogado mantém sua inscrição principal e como, à luz do artigo 59, §4º5 do Código de Ética e Disciplina, é obrigação da parte trazer suas testemunhas, entendemos que presentes pessoas de outros estados, o ideal é que seja marcada para o outro dia ou o prazo mais breve possível, aproveitando assim essa presença e facilitando a prova para o advogado.

Voltando ao rito do julgamento, irá o Tribunal decretar o resultado. A decisão deverá declarar incabível a suspensão preventiva, indeferindo a cautelar ou reconhecer a necessidade da suspensão e julgar procedente a medida urgente.

O acórdão que indefere a medida cautelar tem amplo espectro e variações, por exemplo: (i) pode apenas indeferir a cautelar, sem ingressar no mérito do ato em si e sem se imiscuir no processo disciplinar; (ii) pode declarar que embora não seja o caso de suspensão, deve o processo ser instaurado; ou também (iii) pode indeferir a cautelar e ingressar no mérito, declarando que o ato não constituiu infração disciplinar; (iv) que embora constitua infração disciplinar, não foi causado pela parte que está ali sendo julgada, adotando tese de negativa de autoria etc.

Se, todavia, o acórdão concluir pelo deferimento da medida cautelar, então será obrigatória a instauração do processo disciplinar, ainda que referida providência não conste do voto. Também será necessário ao acórdão determinar o prazo da medida cautelar, conforme comentários sobre o prazo legal (clique aqui para ler).

O Conselho Federal da OAB já decidiu que o prazo máximo e possível para a suspensão preventiva são os 90 (noventa) dias previstos na norma para finalização do processo disciplinar, todavia, não há previsão legal de um prazo mínimo: "Art. 70, § 3º, do EAOAB é norma cogente. Suspensão preventiva. Prazo de suspensão preventiva. Máximo de 90 (noventa) dias. Consulta n. 2010.27.04699-0/OEP. Proteção da dignidade da advocacia. Medida Cautelar deferida para limitar o prazo de suspensão ao máximo estabelecido. (...)". (Medida Cautelar n. 49.0000.2019.010185-6/SCA DEOAB, EMENTA N. 037/2019/SCA. Relator: Conselheiro Federal Luiz Tadeu Guardiero Azevedo (TO). a. 1, n. 244, 13.12.2019, p. 3)

Por óbvio, considerada a complexidade das relações sociais no mundo dos fatos e as infinitas possibilidades de atos aptos à suspensão preventiva, da exegese do dispositivo se extrai a possibilidade de dosimetria na cautelar, para que o Tribunal avalie a conveniência e a necessidade da duração da suspensão.

Para melhor demonstrar, se um gravíssimo crime infamante deve imputar a suspensão preventiva em sua medida máxima de 90 (noventa) dias, pode ser que para uma conduta mais branda, amena, o prazo de suspensão não necessite ser idêntico, justificando-se em alguns casos suspensões menores, como 30 (trinta) dias, por exemplo.

Por outro lado, também não quer dizer que a citada conduta mais branda não mereça a suspensão dos 90 (noventa) dias.

Na verdade, o que se deve entender é a necessidade de análise casuística da conveniência/utilidade da medida cautelar de suspensão preventiva, considerada sempre sua função primordial de compelir o advogado a não mais fazer e/ou a interromper a prática do ato, de forma a restaurar ou fazer cessar sua consequência, ou seja, a "repercussão prejudicial à dignidade da advocacia".

Contra o acórdão que decretar a suspensão preventiva, caberão os recursos de embargos de declaração ou recurso ao Conselho Seccional, na forma dos artigos 138, §3º do Regulamento Geral da OAB e 76 e 77 da lei Federal 8.906/94:

Art. 138. À exceção dos embargos de declaração, os recursos são dirigidos ao órgão julgador superior competente, embora interpostos perante a autoridade ou órgão que proferiu a decisão recorrida. (...)

§ 2º O recurso tem efeito suspensivo, exceto nas hipóteses previstas no Estatuto.

§ 3º Os embargos de declaração são dirigidos ao relator da decisão recorrida, que lhes pode negar seguimento, fundamentadamente, se os tiver por manifestamente protelatórios, intempestivos ou carentes dos pressupostos legais para interposição. 

§ 4º Admitindo os embargos de declaração, o relator os colocará em mesa para julgamento, independentemente de inclusão em pauta ou publicação, na primeira sessão seguinte, salvo justificado impedimento.

 

Art. 76. Cabe recurso ao Conselho Seccional de todas as decisões proferidas por seu Presidente, pelo Tribunal de Ética e Disciplina, ou pela diretoria da Subseção ou da Caixa de Assistência dos Advogados.

Art. 77. Todos os recursos têm efeito suspensivo, exceto quando tratarem de eleições (arts. 63 e seguintes), de suspensão preventiva decidida pelo Tribunal de Ética e Disciplina, e de cancelamento da inscrição obtida com falsa prova.

Parágrafo único. O regulamento geral disciplina o cabimento de recursos específicos, no âmbito de cada órgão julgador.

Embora o artigo 77 estabeleça não existir efeito suspensivo em recurso contra o acórdão que determina a suspensão preventiva, a regra não se aplica aos embargos de declaração, pois, uma vez opostos, interromperão a consolidação do próprio acórdão, que, portanto, diante da possibilidade de integração, não está formado e apto a produzir efeitos. Ademais, também sujeito a aprimoramento via de decisão substitutiva, inclusive com efeito infringente, pelo mesmo relator, ou seja, para além de não haver finalização do acórdão, também não há exaurimento da cognição do julgador, razão pela qual, na prática, haverá o efeito suspensivo.

Na linha do acima exposto, o recurso aclaratório sempre será cabível quando ausente fundamentação adequada para atribuição da cautelar em seu prazo máximo, de 90 (noventa) dias. O recurso aclaratório deverá ser julgados na primeira sessão posterior ao julgamento da suspensão preventiva não existindo, portanto, afetação na contemporaneidade.

Uma vez amadurecido o acórdão, caberá recurso ao Conselho Seccional na forma do artigo 144-A do Regulamento Geral da OAB:

Art. 144-A. Para a formação do recurso interposto contra decisão de suspensão preventiva de advogado (art. 77, lei 8.906/94), dever-se-á juntar cópia integral dos autos da representação disciplinar, permanecendo o processo na origem para cumprimento da pena preventiva e tramitação final, nos termos do artigo 70, § 3º, do Estatuto.

Como se vê, o recurso será formado por instrumento ao Conselho Seccional, não dotado de efeito suspensivo. Nesse particular, todavia, excepcionalmente, entendemos que diante da possibilidade de dano irreparável decorrente da iminente suspensão, assim como da detecção prima facie de grave vício no julgado do Tribunal de Ética, poderá o Relator conceder efeito suspensivo à decisão, em caráter liminar e extraordinário, por aplicação supletiva do quanto prescreve o artigo 1.019, inciso I do Código de Processo Civil6, com a autorização legal do artigo 68 do EAOAB. Nesses casos, contudo, deverá o Relator bem fundamentar sua decisão e levar o processo a julgamento no mais exíguo prazo possível, na sessão imediatamente posterior na verdade, pois a demora no julgamento do recurso sob o efeito suspensivo extraordinário concedido monocraticamente pode implicar na perda do critério da contemporaneidade.

Em face da natureza repressiva do processo disciplinar, é aplicável a fungibilidade, inclusive para a fase recursal. Nesse sentido, caso o advogado recorrente venha a incorrer em erro formal em seu recurso, nada impede que o relator permita a emenda e/ou determine a adequação pela própria OAB, tudo de forma a prestigiar a ampla defesa.

O critério da fungibilidade recursal, entretanto, não encontra campo fértil no Regulamento Geral da OAB, haja vista indicar o artigo 140 que quando o relator verificar falha nos requisitos aptos ao conhecimento do recurso, deverá indeferir liminarmente a pretensão7. A saída para a aplicação da fungibilidade é a via jurisprudencial.

Caso o Conselho Seccional mantenha a decisão do Tribunal de Ética e Disciplina, em regra não caberá recurso ao Conselho Federal, pois trata-se de medida cautelar, ou seja, não é decisão definitiva conforme regra adjetiva do artigo 758 da lei 8.906/94. Nesse sentido: "Artigo 140, parágrafo único, do Regulamento Geral. Decisão monocrática de indeferimento liminar de recurso, por ausência de seus pressupostos de admissibilidade (art. 75, EAOAB). Decisão fundamentada. Suspensão preventiva. Decisão não definitiva. Não cabimento de recurso ao CFOAB. Precedentes. (...)" (Recurso n.º 09.0000.2021.000011-0/SCA-PTU DEOAB, Fernanda Marinela de Sousa Santos, Presidente em exercício. José Carlos de Oliveira Guimarães Junior, Relator ad hoc a. 3, n. 691, 22.09.2021, p. 6).

A medida cautelar de suspensão preventiva afeta os direitos do advogado, inclusive suas prerrogativas. Nesse sentido, já decidiram o STJ e o STF:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. REITERAÇÃO DELITIVA. ACUSADA CONDENADA EM OUTRO PROCESSO E QUE RESPONDE A VÁRIOS FATOS DELITUOSOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. RECOLHIMENTO EM SALA DE ESTADO MAIOR. DIREITO DO ADVOGADO NÃO SUSPENSO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. 1. A prisão é medida extrema sujeita à existência de elementos concretos de comprovação da necessidade de proteção da ordem pública, garantia de aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. 2. Na hipótese, não há patente ilegalidade a ser reconhecida, pois a custódia preventiva restou firmada para o resguardo da ordem pública pelo risco da reiteração delitiva, na medida em que a acusada tem contra si outros processos criminais e é conhecido por ser traficante de drogas. 3. Quanto ao direito ao recolhimento em sala de Estado Maior, o advogado só faz jus a essa prerrogativa se estiver no livre exercício da profissão, o que não é o caso dos autos porque a pretendente encontra-se suspensa dos quadros da OAB. 4. Ordem denegada"9.

"ADVOGADO - CONDENAÇÃO PENAL MERAMENTE RECORRÍVEL - PRISÃO CAUTELAR - RECOLHIMENTO A 'SALA DE ESTADO-MAIOR' ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA - PRERROGATIVA PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94 (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V) - (...) O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), em norma não derrogada pela Lei nº 10.258/2001 (que alterou o art. 295 do CPP), garante, ao Advogado, enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, o direito de 'não ser recolhido preso (...), senão em sala de Estado-Maior (...) e, na sua falta, em prisão domiciliar' (art. 7º, inciso V). - Trata-se de prerrogativa de índole profissional - qualificável como direito público subjetivo do Advogado regularmente inscrito na OAB - que não pode ser desrespeitada pelo Poder Público e por seus agentes, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Doutrina. Jurisprudência. Essa prerrogativa profissional, contudo, não poderá ser invocada pelo Advogado, se cancelada a sua inscrição (Lei nº 8.906/94, art. 11) ou, então, se suspenso, preventivamente, o exercício de sua atividade profissional, por órgão disciplinar competente (Lei nº 8.906/94, art. 70, § 3º). (...)"10.

Por último, se durante o trâmite dos recursos cabíveis for cumprida a suspensão preventiva, ocorrerá o fenômeno processual da perda superveniente do objeto recursal, o que deve fulminar a pretensão do recorrente.

Ao final do processo disciplinar, caso o representado que tenha cumprido a suspensão preventiva seja condenado à sanção disciplinar de suspensão, poderá requerer a detração do período cumprido na cautelar do prazo a ser cumprido, conforme já explicamos (clique aqui para ler).

É, inclusive, processualmente recomendável que na defesa do processo disciplinar o representando construa tese subsidiária para que, uma vez condenado à sanção de suspensão, seja ela limitada ao quanto já cumprido, evitando assim que seja novamente suspenso.

Há um conflito aparente de normas entre a suspensão preventiva e o sigilo tratado pelo artigo 72, §2º11 da lei 8.906/94, razão pela qual o sigilo deve ser parcialmente mitigado se deferida a suspensão preventiva.

Essa conclusão, primeiramente, decorre da interpretação lógica e teleológica da norma do artigo 70, §312 da lei, pois não faz o menor sentido que a suspensão preventiva deva ser realizada "em caso de repercussão prejudicial à dignidade da advocacia" e a OAB não possa dar uma resposta que venha a resgatar sua boa imagem à classe e à comunidade.

Em segundo lugar e pelas mesmas razões acima, a conduta do advogado no mundo dos fatos será, por sua própria responsabilidade, de todos conhecida, pública e notória, o que por si só também já mitiga a ideia de sigilo.

Em terceiro lugar e tecnicamente, a regra do sigilo prorrogado até o término do processo estabelecida no artigo 72, §2º da lei 8.906/94 está galgada no efeito suspensivo dos recursos do sistema OAB, que não existe na suspensão preventiva, ou seja, uma vez deferida a cautelar seus efeitos serão imediatos, conforme já se abordou acima pela aplicação do quanto prescreve o artigo 77 da 8.906/94.

E, por último, porque o trâmite sigiloso é do processo como um todo, onde consta a acusação (que já será fato notório e público) contra o advogado, onde residem as provas, as razões de defesa e a decisão, mas não há óbice para a divulgação apenas do resultado.

É dizer que não poderá o Tribunal de Ética e Disciplina, nunca, divulgar o conteúdo do processo de suspensão preventiva, todavia, é seu dever divulgar o resultado da suspensão, especialmente tendo o advogado sido suspenso, exatamente para que a cautelar cumpra seu objetivo, que é o de compelir o advogado a não mais fazer e/ou a interromper a prática do ato causador da repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, assim como o de resgatar perante a sociedade a grandeza, a integridade, a respeitabilidade e a credibilidade da profissão.

Em conclusão, não há violação do artigo 72, §2º da lei 8.906/94 se a divulgação é apenas do resultado da suspensão preventiva, sendo inclusive dever da OAB dar publicidade ao fato.

*Fale com o advogado e envie suas dúvidas e temas que gostaria de ver por aqui. (Clique aqui)

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1 § 6º O relator somente indeferirá a produção de determinado meio de prova quando esse for ilícito, impertinente, desnecessário ou protelatório, devendo fazê-lo fundamentadamente;

2 Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

3 § 1º As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

4 Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas

5 § 4º O representante e o representado incumbir-se-ão do comparecimento de suas testemunhas, salvo se, ao apresentarem o respectivo rol, requererem, por motivo justificado, sejam elas notificadas a comparecer à audiência de instrução do processo;

6 Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:

I - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;

7 Art. 140. O relator, ao constatar intempestividade ou ausência dos pressupostos legais para interposição do recurso, profere despacho indicando ao Presidente do órgão julgador o indeferimento liminar, devolvendo-se o processo ao órgão recorrido para executar a decisão. Parágrafo único. Contra a decisão do Presidente, referida neste artigo, cabe recurso voluntário ao órgão julgador.

8 Art. 75. Cabe recurso ao Conselho Federal de todas as decisões definitivas proferidas pelo Conselho Seccional, quando não tenham sido unânimes ou, sendo unânimes, contrariem esta lei, decisão do Conselho Federal ou de outro Conselho Seccional e, ainda, o regulamento geral, o Código de Ética e Disciplina e os Provimentos.

9 (HC 368.393/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2016, DJe 30/09/2016)

10 (HC 109213, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 28/08/2012, publicado em 17/09/2012).

11 § 2º O processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, só tendo acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente.

12 § 3º O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha inscrição principal pode suspendê-lo preventivamente, em caso de repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, depois de ouvi-lo em sessão especial para a qual deve ser notificado a comparecer, salvo se não atender à notificação. Neste caso, o processo disciplinar deve ser concluído no prazo máximo de noventa dias.