COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas Infância e Juventude >
  4. Acolhimento Institucional e adoção: um recorte da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Mauá/SP

Acolhimento Institucional e adoção: um recorte da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Mauá/SP

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Atualizado às 09:03

A coluna de hoje traz uma abordagem empírica, realizada no bojo de um trabalho de conclusão de curso, por uma servidora pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, lotada na Vara da Infância e Juventude da Comarca de Mauá/SP. 

A partir de minha atuação, do que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e demais normas aplicáveis, atenta ao Princípio da Convivência Familiar, compreendi que crianças e adolescentes possuem o direito a serem criados e educados no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, em qualquer caso, assegurado o direito fundamental da convivência familiar e comunitária, tendo por finalidade o desenvolvimento destes sujeitos de direitos, que estão em formação física, psíquica, intelectual e moral. 

Encantada pelo tema, iniciei pesquisas nas guias de acolhimento e desligamento no site do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA e conclui que, para entender os reais motivos pelos quais existem crianças que são adotadas rapidamente e outras que aguardam por anos (e, muitas vezes, atingem a maioridade sem realizarem o sonho de ter uma família), seria interessante, além dos dados das guias, pesquisar também sobre os pretendentes à adoção e suas preferências.

Assim, inicialmente analisei os dados do Conselho Nacional de Justiça para entender o atual cenário nacional das adoções no Brasil, constatando que, atualmente, há 42.786 pretendentes à adoção e 3.789 crianças e adolescentes, demonstrando nítida discrepância entre os números de pretendentes e infantes disponíveis.

Numa análise da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Mauá/SP (após prévia e expressa autorização de acesso pelo juiz titular, Dr. Marco Mattos Sestini), visualizei que a realidade local não difere de outras regiões do país, existindo um número maior de pretendentes à adoção do que crianças e adolescentes aptos, revelando preconceito acerca do tema adoção, ainda mais quando se trata de adoção de crianças mais velhas.

Na coleta de dados foram analisadas guias de acolhimento e desligamento entre os anos de 2017 a 2020, tendo sido geradas 96 guias de acolhimento e 64 guias de desligamento na comarca, sendo que foram encontradas 8 guias de acolhimento cujo acolhido havia entrado mais de uma vez no sistema, desta forma, encontramos 88 crianças e adolescentes efetivamente acolhidos.

As crianças e adolescentes com perfis disponíveis para adoção no período supramencionado eram predominantemente do sexo feminino, pardas, de diversas faixas etárias, sendo a grande maioria acima de 9 anos. 

No tocante ao gênero, 53% dos pretendentes manifestaram não ter preferências, seguido de 34% que preferiam crianças do sexo feminino e 13% preferiam crianças do sexo masculino. Em que pese a grande maioria dos pretendentes no estudo em questão não manifestarem preferências em relação ao gênero, nota-se que muitos outros pretendentes manifestaram preferência por crianças do sexo feminino. Com relação à etnia das crianças pretendidas, 62% dos pretendentes também não manifestaram preferência pela etnia, 24% preferiam crianças brancas ou pardas, 8% preferiam crianças brancas, 4% preferiam crianças pretas ou pardas e somente 2% preferiam crianças pardas.

Contudo, se os fatores gênero e etnia não faziam diferenças à maioria dos pretendentes, o fator idade se revelou determinante: 25% dos pretendentes manifestaram interesse em adotar crianças entre 0 a 3 anos de idade, seguidos de 19% que preferiam entre 0 a 2 anos, 13% que desejavam entre 0 e 1 ano e apenas 9% que aceitariam a faixa etária entre 0 a 6 anos. Assim, manifestações de pretendentes a adotar crianças maiores (de 0 a 7 anos, 0 a 8 anos, 5 a 10 anos ou 6 a 17 anos, por exemplo), correspondem a 1% cada, corroborando as informações encontradas no cenário nacional da adoção, de que os pretendentes preferem adoção de crianças mais novas. Quanto às deficiências físicas ou mentais, 80% dos pretendentes manifestaram o desejo de não adotar crianças com deficiências, sendo que somente 20% aceitavam crianças com alguma deficiência. 

Constatei, assim, que o perfil que os pretendentes aptos para adoção na comarca de Mauá/SP é de crianças de 0 a 3 anos, embora sem preferência por gênero e/ou etnia e, preferencialmente, sem deficiências físicas e/ou mentais. 

Infelizmente, o perfil dos acolhidos em instituições na referida comarca é diferente, composto por crianças maiores de 3 anos e, muitas vezes, por grupos de irmãos (que devem ser preferencialmente adotados em conjunto, para a manutenção dos vínculos), dificultando a concretização de adoções.

Em suma, a realidade na Comarca de Mauá não difere de outras regiões do país, existindo um número maior de pretendentes do que crianças e adolescentes aptos para adoção.

A triste conclusão do trabalho é de que, a despeito disso, grande parte das crianças e adolescentes que se encontram nas instituições de acolhimento permanecerão acolhidos até a maioridade, por não preencherem os requisitos exigidos por quem deseja adotar, principalmente no tocante à idade, visto que, é bastante comum, que a tenra idade seja um requisito importante para adoção destas, como demonstrou a análise do presente estudo.