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Caminhos para adoção legal: é muito difícil adotar uma criança ou adolescente no Brasil?

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Atualizado em 27 de janeiro de 2022 11:10

Quando o desejo de adotar uma criança ou adolescente desperta no íntimo de uma pessoa ou casal, logo surgem questionamentos sobre as dificuldades, ou burocracia, para adotar uma criança ou adolescente em nosso país, de forma legal.

Primeiramente, o que é a adoção legal?

Trata-se da adoção realizada em observância às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente aquela realizada pelos cruzamentos dos perfis de habilitados para adoção com o de crianças e adolescentes, em condições de serem adotados, que integram a base de dados do SNA - Sistema Nacional de Adoção, instituído pela resolução 289/19, do CNJ1.

Logo, o primeiro passo não é procurar instituições de acolhimento, ou mesmo alguém que queira entregar seu filho para adoção, este último caso mais grave, pois pode até mesmo resultar em crime, se envolver vantagens ou registro de filho de outra pessoa como se fosse seu, conforme art. 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 242 do CP, respectivamente.

O SNA engloba todos os cadastros, inclusive internacional, de forma que o primeiro passo para quem quer se habilitar para adoção é realizar o pré-cadastro no SNApor meio de formulário eletrônico, que deve preferencialmente ser acessado pelo navegador Google Chrome, o qual devidamente preenchido, gerará um protocolo que deverá ser mantido em poder do interessado.

O pré-cadastro não é obrigatório, até mesmo porque a pessoa interessada pode ter dificuldade de acesso à internet ou mesmo dúvidas a respeito de seu preenchimento, o que poderia implicar em desestímulo para deflagrar o início de todos os procedimentos necessários para concretização da adoção almejada.

Importante destacar que o pré-cadastramento não exaure as etapas para se habilitar para adoção, pois o interessado deve entrar em contato com a unidade judiciária, com competência para Infância e Juventude de seu local de residência, ou mesmo contratar um advogado ou defensor público, para dar entrada na Ação de Habilitação para Adoção, que deve ser instruída com os documentos de que trata o art. 197-A do ECA.

Observe-se que já nesse início do processo a pessoa ou casal pretendente deverá ser cadastrado no SNA pelos servidores da unidade judiciária, conquanto apenas com a sentença transitada em julgado, que decide pela sua habilitação ou não, é que será finalizado o processo de cadastramento no Sistema e o pretendente se tornará apto para adotar, passando a ocupar um lugar na lista, de acordo com o perfil escolhido para o adotando.

A ação de habilitação de adoção deve ter o prazo de duração de no máximo 120 dias, podendo ser prorrogado por igual período mediante fundamentação da autoridade judiciária. No início da pandemia houve uma celeuma em todo o Poder Judiciário com o impulsionamento das habilitações para adoção, mas rapidamente o Sistema de Justiça se adequou e as fases processuais foram sendo realizadas de forma virtual ou semipresencial, conforme normativas de regência, facilitando muito o acesso e a agilidade no trâmite da habilitação.

Durante esse processo, será analisada a documentação apresentada, bem assim realizadas outras duas etapas importantes, quais sejam a realização do estudo técnico pela equipe interprofissional do juízo, bem assim a participação da pessoa ou casal postulante em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude, que incluirá, sempre que possível e recomendável, contato com crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar ou institucional.

Destaque-se a importância da interlocução do Sistema de Justiça com os Grupos de Apoio à Adoção, os quais potencializam a formação e a informação para concretização desse itinerário de forma segura e eficaz.

Após o cumprimento dessas três etapas no processo de habilitação para adoção - documentação, estudo psicossocial e participação no programa/curso de adoção -, o MP emite parecer e em seguida a autoridade judiciária prolata a sentença, deferindo ou não a habilitação.

Deferida a habilitação, a pessoa ou casal é inserida no Sistema Nacional de Adoção e pode acompanhar algumas informações neste link3, dentre elas sua posição na fila, devendo, acima de tudo, garantir a atualização de seus dados pessoais e meios de contato.

O prazo de validade da habilitação é de três anos, sendo de responsabilidade do pretendente solicitar nos autos do processo, com antecedência de 120 dias do vencimento, a reavaliação da habilitação, para que permaneça ativo no Sistema, consoante o art. 7° do anexo II da resolução 289/19 do CNJ. Passados os trinta dias subsequentes à data de término da validade e não havendo a renovação da habilitação, os pretendentes são automaticamente inativados e deixam de constar na lista de busca de crianças e adolescentes.

Com o cruzamento de dados no SNA, compatibilizando-se o perfil da(s) criança(s) e/ou do(a)(s) adolescente(s) apto(a)(s) para adoção com o pretendente, ocorrerá a vinculação eletrônica automática, de acordo com a ordem de classificação, a qual obedece a data da sentença de habilitação, o que deverá ser comunicado pelo juízo, a fim de que o pretendente manifeste interesse em conhecer a criança/adolescente, avaliando-se se eventual recusa é por motivo justificável ou não. Importante assinalar que haverá reavaliação da habilitação concedida após três recusas de aproximação pelo habilitado, sem motivo justificável, para crianças/adolescentes estritamente dentro do perfil escolhido (art. 197-E, §4°, do ECA).

Manifestado o interesse em adotar, abre-se a possibilidade de ajuizamento da ação de adoção pelo pretendente, oportunidade na qual se poderá deferir a guarda provisória para se avaliar o estágio de convivência. Trata-se de um procedimento também relativamente simples, em que se apura o atendimento do melhor interesse do adotando nesse período, cujo prazo máximo é de 90 dias, prorrogáveis por igual período, mediante decisão fundamentada (art. 46 do ECA), o que será objeto de estudo pela equipe interprofissional do juízo, sem prejuízo da avaliação da necessidade de se produzirem outras provas conforme o caso. Após o parecer do Ministério Público, a autoridade judiciária prolata a sentença e, deferida a adoção, é atribuída a condição de filho ao adotado, conforme art. 41 do ECA.

Logo, na prática, não existe em si uma burocracia para se habilitar para adoção, o que não significa dizer que não há um tempo de espera que pode ser longo a depender de diversos fatores. Segundo o diagnóstico do SNA(2020): 

"O tempo médio entre a data do pedido de habilitação e a data da sentença de adoção dos pretendentes que adotaram alguma criança ou adolescente é de 4 anos e 3 meses, variando de 1 ano e 7 meses em Roraima e de 5 anos e 3 meses no Rio Grande do Sul (p. 38)."

Os relatórios do SNA5 apontam que no Brasil existem por volta de 3.961 crianças e adolescentes em condições de serem adotados, havendo aproximadamente 32.925 pretendentes para adoção. Obviamente, não basta realizar uma conta matemática e "zerar" a fila para crianças e adolescentes, uma vez que a esmagadora maioria das crianças e adolescentes aptos para adoção no SNA são crianças com deficiência, com doenças crônicas ou incuráveis, crianças mais velhas, adolescentes e grupos de irmãos.

Esse fato de maneira alguma é uma crítica à escolha do perfil pelos habilitados, pois existe também a necessidade da estruturação das varas com competência em Infância e Juventude pelo país, à luz do provimento 36/14, da Corregedoria Nacional de Justiça, bem assim a conscientização para a entrega protegida para adoção a respeito da qual já falamos em conjunto com Viviane Rodrigues Ferreira em outra oportunidade6, o que tenderia a diminuir adoções irregulares, sobretudo com intermediação de terceiros, e tornaria mais célere a adoção de crianças na primeiríssima infância.

Acredito ainda que advogados devem se especializar cada vez mais para patrocinar pessoas que se interessam em adotar, garantindo orientação e atuação nos processos de adoção e habilitação para adoção, sobretudo em situações mais delicadas que exija o aprofundamento em questões jurídicas mais sofisticadas.

Destarte, surgem mecanismos de "busca ativa" de que trata o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária7, a partir dos quais inúmeros programas encampados principalmente por Tribunais de Justiça pelo país potencializam a divulgação - aberta ou limitada a habilitados para adoção - de crianças e adolescentes que não tiveram o perfil compatibilizado com pretendentes no SNA, com o intuito de concretizar seu direito à convivência familiar e comunitária.

Para tanto, devem ser obedecidos diversos critérios para se garantir outros direitos, dentre os quais o da intimidade, imagem e honra, os quais a Associação Brasileira de Magistrados da Infância e Juventude compilou em diretrizes de busca ativa8 para garantir o melhor interesse do público infanto adolescente.

Assim, o caminho para adotar não é difícil, mas também exige a preparação daquele que deseja adotar em universo com muitas informações e desenvolvimento de competências necessárias para garantir, ao fim e ao cabo, o direito fundamental à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes em condições de serem adotados.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

4 Disponível aqui.

5 Disponível aqui.

6 Disponível aqui.

7 Disponível aqui.

8 Disponível aqui.